Tite, 15 de Janeiro de 1969
Minha Querida,
……………………………… Segundo informações no dia 28 de Fevereiro vamos para Bissau, embarcaremos a 03 de Março e devemos desembarcar a 8 ou a 9 se não houver avaria do navio tal como aconteceu na volta.
No entanto nada disto tenhas como certo, pois sabes que já várias vezes esteve marcada a nossa viagem para Lisboa e foi alterada. Diziam que a comissão era de dezoito meses, já lá vão 20 meses.
……………………. Como de costume outro grande susto. Talvez o maior desde que cá estou, pois durante cerca de quarenta minutos ouvi rebentamentos. Agora já passou, mas nada está garantido que não nos venham “visitar” em breve. Quem sabe? Daqui a 4, 5, 15 dias? Este tempo de espera, a saber que a partida está muito próxima, dá-me cabo da cabeça.
Tenho para dizer que hoje vi o caso mal parado, na medida em que já estava deitado e a dormir quando às duas horas e cinquenta e cinco minutos vieram-nos “aborrecer”. Minha querida Milocas, não te quero assustar mas se eu disser que hoje nos atacaram com seis canhões sem recuo, quatro morteiros 82 e outras armas ligeiras que também fazem grandes estragos não estou a mentir. Resultado: 14 feridos dos quais, dois em estado grave, evacuados para Bissau, uma caserna parcialmente destruída, uma outra no fundo do quartel com os lavabos que já eram, um jeep danificado, estilhaços dos projécteis nas paredes e nas portas e duas tabancas no exterior ardidas foi numa primeira analise o resultado verificado. De todos os ataques tenho tido medo, mas este foi demais. Talvez por cair uma granada do morteiro a cerca de três metros do meu quarto e ver faúlhas por todo lado.
Tite, 21 de Janeiro de 1969
Querida Milocas,
…………………………. Hoje escrevo para um dia poder recordar. Hoje sinto que devo fazer um balanço dos ataques que as nossas tropas já sofreram, os respectivos mortos, feridos e também desaparecidos:
19 de Julho de 1967, em Tite, três feridos;
03 de Fevereiro de 1968, em Bissassema, cinco mortos, nove feridos e três desaparecidos;
02 de Março de 1968, em Tite, dois mortos e sete feridos;
16 de Julho de 1968, em Tite, um morto e seis feridos; no Enxudé seis feridos;
16 de Outubro de 1968, em Tite, um ferido;
01 Novembro de 1968, em Tite, um morto e três feridos;
01 de Janeiro de 1969,em Tite, 1 morto e um ferido;
Um morto, soldado sapador deslocado em Nova Sintra.
15 de Janeiro de 1969, em Tite, catorze feridos.
Com consequências apenas materiais;
27 de Maio de 1967, em Tite;
28 de Maio de 1967, em Tite;
06 de Novembro de 1967, em Tite;
31 de Agosto de 1968, em Tite e
15 Janeiro 1969, no Enxudé.
Por acidente; dois mortos em Tite e um no Enxudé.
Em resumo: 14 mortos (inclui também naturais), 47 feridos (inclui também naturais) e 3 desaparecidos.
Querida Milocas, parece-me que já é uma “boa dose” de desgraça, isto é apenas ataques, não contados os tirinhos e rajadas que por vezes nos vêm cá dar. Mas deixemos agora a guerra e vamos falar dos nossos assuntos………………….
Despeço-me com muitas saudades, com muitos xoxos e muitos xis corações do noivo amigo que muito te ama
Raul Pica Sinos
2 comentários:
Disseram-me que há um site com a relação de todos os mortos da guerra, com indicações completissimas sobre terras de origem, como morreram, unidades mobilizadoras e de combate etc. Vou tentar localizar
No Google, digitem MORTOS NA GUERRA DO ULTRAMAR aparecem vários locais de busca. Constam o fur. Rato e alf. Carvalho, não me lembro do nome de mais nenhum.
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