Tite, 31 de Março de 1968
Minha Querida Milocas
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Há três dias para trás, fui assistir ao choro, nós chamamos velório, de um soldado que morreu. É impressionante quando se faz um enterro nesta terra. Muitos nativos, penso que familiares e amigos que vivem noutras, bem distantes, localidades se deslocam para fazerem o choro. Depois de visitarem o morto, vão saindo aos pares, a chorar e cantar dando voltas na tabanca onde está o corpo, outros dançam ao som do batuque.
Toda a população da tabanca e os visitantes oferece algo de seu, porcos, galinhas, cana (aguardente), vinho, panos, etc. e deixam-se ficar sentados nas tabancas em redor.
Há beleza na cerimónia, pois durante o choro há várias “lutas” entre os nativos de povoações diversas, não quero deixar de falar nas corridas com os braços abertos no ar acenando e parando rapidamente voltados para os presentes para os admirarem.
Todos vêm vestidos de bons panos, só as mulheres mais chegadas ao morto têm o peito descoberto. Muitos dos homens pintam de forma exagerada o cabelo com o pó do arroz. Mas o mais que me impressionou foi a mãe do desafortunado, aparentando ter cerca de setenta anos, de quando em quando dava cambalhotas, outras vezes sentava-se no chão batendo fortemente com as mãos contra a terra. Era impressionante a sua dor e sofrimento pela perda do seu filho.
Por fim chegou a hora do enterro, muitas das oferendas foram depositadas na campa. O choro entre eles durou mais três dias. E segundo me disseram repete ao fim de três meses. Assim vai a nossa africa toda ela cheia de surpresas.
Tite, 07 de Abril de 1968
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Esta noite que passou, a de segunda para terça, não me deitei, pois gostei de passar uma noite servindo de ajudante de padeiro. Amassei pão, depois foi a vez de brincar, enquanto os meus camaradas trabalhavam no dito cujo, eu fazia especialidades, tais como: uma rosca, uma carcaça e um caracol. Nada de risotas, as coisas até ficaram engraçadinhas, só queria que provasses quando as mui nobre especialidades saíram do forno!
Depois quando já eram umas seis horas da “matina”, já o café pronto, agarrei nos meus feitos e, vai daí botei manteiga. Só te digo que quentinhos como estavam e barradinhos com “teiguinha” sabiam demais……….
Tite, 22 de Maio de 1968
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Tenho assistido aos jogos das equipas de futebol que se construíram em Tite. Uma até tem equipamento vindo de Bissau. Impressionado com tanta destreza, ontem para distrair e variar fui também eu dar uns pontapés na bola, acontecendo-me um percalço. Mas eu conto o desenrolar da jogada para que melhor possas compreender:
A bola estava nas mãos do guarda-redes adversário que a passou a um defesa da sua equipa. Este correu com ela ficando no meio campo. Ao ter encontro com um camarada da minha equipa foi desarmado. Corre para a baliza contrária, passou a bola cá ao rapaz. Eu senhor da bola corro em profundidade, finto um, dois, três, qual Eusébio, quando me preparo para rematar à baliza, em vez de dar o pontapé na bola dou no chão e o golo fica por marcar. Não só sofri pelas críticas dos restantes membros da equipa como pelos assobios da assistência que entenderam todo, injustificadamente, que nada jogo. E como sofro agora com dores no pé de inchado que está, mas não te preocupes que isto passa.
Raul Pica Sinos
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