O NATAL E O AVIÃO QUE DAVA CAMBALHOTAS
...Bom dia Georgina… disse sorridente a Ti Rosa, no momento
que empurrava a porta de entrada da minha casa.
…Bom dia…respondeu-lhe
…Que frio que está hoje e, tu pela manhã, já a limpares e, a
arrumares o tampo da comoda…
A comoda que, em casa existia, ficava situada no lado
esquerdo da entrada. Quando pequeno, a altura do móvel dava pelo meu peito. No
comprimento, tinha 3 gavetas sobrepostas. Ocupava todo o espaço da parede até
ao quarto.
No tampo, estava colocada uma toalha de renda, alguns
biblôs, uma jarra, sempre composta com as flores do quintal e, algumas imagens
de santos. O candeeiro de vidro, a petróleo, estava ali mesmo à mão, uma ou
outra fotografia, por lá, também se via.
…Não filha…ripostou minha mãe
…Estou a tirar tudo do tampo da cómoda para construir o
presépio…
…O Raul foi à mata, buscar musgo, não deve tardar…
Apanhar e carregar o musgo, todos os anos, para o presépio,
era da minha responsabilidade.
De balde de zinco na mão, uma faca, alguns velhos papéis dos
jornais para separar as camadas do musgo que, viria a ser arrancado da terra,
lá ia eu a caminho da mata de São Domingos de Benfica, ou da serra de Monsanto.
O balde já por si era pesado, carregado com o musgo, pior um
pouco. Era um recado/trabalho que fazia com muito gosto.
O presépio, lá em casa, era muito bonito! Todo ele era feito
de bonecos de barro, excepto a cabana que era de palha.
Na cabana de palha estava o menino deitado nas palhinhas da
manjedoura, acompanhado das imagens exigentes da tradição.
Tinha na sua frente, ao longo do tampo da comoda, espalhados
no musgo, todo um aparato de pequenos bonecos. Uns representando a vida numa
aldeia. Outros, a vida do pastor no monte, com o cão e, as ovelhinhas a pastar.
Não faltava uma pequena cascata, feita da folha de prata, a
imitar a água a correr para um lago, não mais que, um pequeno espelho, contendo
um ou dois minúsculos patos.
…Anda cá oh Rosa…disse-lhe a D. Georgina, minha mãe.
…Quero-te mostrar o brinquedo que vou pôr no sapatinho do
Raul…
…Comprei-o na papelaria do Chico…
O Sr. Chico tinha uma papelaria na Cruz da Pedra. Vendia
também brinquedos.
Estava situada um pouco à frente da Pastelaria (A Colmeia),
na Estrada de Benfica, perto da loja de eletrodomésticos, onde o Bica, da minha
rua, mais tarde veio a trabalhar para aprender a profissão de eletricista.
A loja do Sr. Chico, por esta época festiva, era das poucas
lojas, em redor do velho Bairro das Furnas, que, tinha a montra mais recheada
de brinquedos.
Era costume ver a pequenada, pasmada, encostada aos vidros
da montra, a admirarem todo aquele aparato.
Eu já fizera há muito a minha escolha, “perdendo”, quando
pela loja passava, largos minutos a vê-lo trabalhar.
Maravilhado, perguntei à minha mãe se o Pai Natal me podia
dar?
Da resposta apenas obtive o silêncio.
…Oh Georgina foi caro? Pergunta-lhe a Ti Rosa.
…O Sr. Chico deixa-me pagar por 3 vezes… retorquiu
…Eu, para a minha mais velha, vou comprar umas meias de
vidro, destas agora, sem costura. Para os outros ainda não sei…avançou indecisa
a Ti Rosa.
Naquela noite, 24 de Dezembro, do ano de 1953, o poial da
chaminé da minha casa estava muito branquinho. Não passara uma semana que fôra
caiado.
Tinha em cima dos azulejos uma pequena toalha de cor branca,
2 sacos de flanela de cor vermelha, um meu sapato cardado na sola, couro
amarelo e ensebado, onde supostamente, o Pai Natal iria colocar os brinquedos
por mim solicitados e, ainda, os pedidos pela minha sobrinha Madalena, então
com 4 anos.
Bem fiz aturados esforços contra o sono, na espera da
meia-noite, mas o “joão-pestana” foi bem mais forte.
De manhã cedo, ainda noite escura, corro para a chaminé para
ver das minhas sortes!
Eu o pressentia!
Lá estava a minha paixão!
…O meu primeiro brinquedo de corda. O avião que dava
cambalhotas e que, durante alguns dias, o via deslizar nas improvisadas pistas
na montra da loja do Sr. Chico…
Não posso descrever o sentimento dos meus pais ao assistirem
à minha alegria, mas recordo de
como era bonito ver contentes, com os novos brinquedos,
nesse dia de Natal, os miúdos/as da minha rua.
Que vaidoso estava, por brincar com os demais, vendo o meu
avião de corda “voar” e a dar cambalhotas na “pista” da velha Rua dos Plátanos.
Foi assim o dia de Natal, naquele ano.
Hoje, nesta quadra natalícia, quero os dias a correrem
depressa. Quero ver retratado, nos lindos rostos, das filhas e das/o netas/o, a
alegria originada pelas prendas “oferecidas” pelo velho Pai Natal.
Dezembro de 2012
Nota:A imagem do avião, igual ao brinquedo que me foi
oferecido neste Natal, foi copiada, com a divina vénia, do Blog Meus Brinquedos
Antigos
Pica Sinos
FELIZ NATAL e
BOAS FESTAS
(dez2012)
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