Se o Baptista Bastos me fizesse esta sua sacramental pergunta, eu responderia: - A trabalhar...durante uma hora e... a vibrar o resto do dia !!
Recordo ainda hoje esse dia, como se o estivesse a viver agora, neste momento, passados trinta e oito anos.
Eram perto das dez horas da manhã do dia 25 Abril, estava a fazer um esboceto para um folheto de chaves de impacto, já na minha nova sala de desenho, que tinha conquistado e montado numa marquise soalheira do antigo edificio da Ferrária.
Entra o sr. Américo, chefe do escritório, e diz-me com um ar muito sério: - Justo, deixe o seu trabalho e vá para casa !!!
Fiquei estático...fui despedido, pensei !! mas porquê ?...e é assim, sem mais nem menos ? devo ter ficado com um ar de tal forma incrédulo, que ele se apercebeu e disse: - Não há problema consigo, mas fui avisado pelo sr. Jorge (o Big boss) que há um movimento militar nas ruas e estão a apelar pela rádio para as pessoas se recolherem ás suas casas.
Se já estava boquiaberto, ainda fiquei mais...um movimento militar !! em Lisboa ? como é possível ? a Pide vai dar cabo deles todos !!
Lá se encerrou o escritório, saiu todo o pessoal, e os comentários eram os mais diversos: Uma revolução !! deve ser de direita - tinha abortado havia poucos meses a revolta das Caldas - e era quase inimaginável em tão curto espaço de tempo, conseguirem organizar novo movimento insurrécional.
Ao tempo, morava em S. Maméde, a menos de cinco minutos de carro do Largo do Carmo, e para casa me dirigi, sem notar nada de anormal, tanto nas ruas, como nas pessoas.
Liguei a televisão e o rádio pois apercebi-me que o caso era muito sério, e com os relatos permanentes e até as pausas de emissão acompanhadas de música marcial me ponham cada vez mais inquieto.
Nunca imaginei tais proporções...noticias iam surgindo das diversas ocupações de rádios, TV, organismos, Ministérios etc.
Por volta do meio-dia, já não conseguia ficar quieto e á revelia da família, vim para a rua e dirigi-me pela rua da Escola Politécnica em direcção ao Largo do Rato, quando ouvi um alarido de sirenes, e uma correria de pessoal.
Pensei tratar-se de carros da Policia, mas não, eram cinco jipes com metralhadoras MG montadas e carregados com tropas do MFA que se dirigiam numa correria desenfreada, para o quartel do Carmo.
Reparei no pormenor de, no vidro do lado do pendura todos os jipes tinham uma “X” enorme, feito com aquela fita adesiva castanha muito larga. Era uma forma de senha, para destrinçar os revoltosos das tropas regulares do regime.
Toda a gente os saudava e batia palmas à sua passagem, e muitos míudos esboçavam uma corridita atrás das viaturas.
Tremia todo de emoção com aquele aparato, deu-me a nítida sensação de tropas em combate...e vieram-me á memória os recentes tempos de Guiné.
Que coragem a daquele pessoal... ali, a céu aberto, enfrentando o que nem se poderia imaginar do lado da GNR, Policia PIDE, Legião etc., todas forças fanáticas e de uma fidelidade extrema ao regime do Estado Novo.
O desenvolvimento do movimento foi-se solidificando cada vez mais, as noticias eram hora-a-hora mais animadoras para todos os que vibravam com a situação em curso, e apoiavam o MFA.
Mal consegui almoçar, no entanto sentado á mesa ouvi na voz inconfundível do Manuel Alegre aquele verso de uma singeleza enorme, mas de tremenda força e significado: “Sobre esta página escrevo o teu nome Liberdade”.
Ainda vibrando com estas palavras do Poeta, entrei no meu atelier, disposto a fazer o quadro da minha vida. Como não tinha nenhuma tela à mão, peguei numa prancha de madeira destinada a fazer mais uma das minhas estantes “retro”, e comecei a pintar este quadro. Eram três horas da tarde do dia 25 de Abril 1974.
Tudo da frase do poeta lá está...sobre esta página...uma mão com uma vela apagada, sobre uma folha dum livro de leis...o poder velho de algum clero e políticos...escrevo o teu nome ...uma caneta, com a palavra medo invertida, e um pingo, que é o inicio da vida...liberdade...a saída das prisões, e a paisagem dos campos livres.Como fundo as cores nacionais, as cores da ira e da esperança, esperança de que ainda tenhamos um Portugal, como todos temos direito.
Seria desta forma que responderia a Baptista Bastos.
Ao selar este texto, quero afirmar o quanto estou agradecido a todos os Militares e ao Povo anónimo que se juntou a eles neste memorável dia, e afirmar que, depois do avistar á distância a Ponte sobre o Tejo no regresso de dois penosos anos na Guiné, o dia 25 de Abril de 1974 foi de certo o dia mais feliz da minha vida.
Hoje, dói-me a alma, ao ver tanto altruísmo e ideais tão belos, terem sido trucidados pela voracidade, ganância e incompetência da maioria dos políticos Portugueses, tristemente, iguais a tantos na nossa história, que tem afundado cada vez mais a nossa querida Terra.
Sou agnóstico convicto, não acredito em Deuses, mas imploro a uma divindade, seja ela qual for, que ilumine de uma vez por todas, as gentes que nos governam.
Este povo tem alguns defeitos, sempre foi mal orientado e permanentemente espezinhado, mas também é um povo trabalhador, inteligente, generoso e solidário, ele quer, e merece, ter uma centelha de ESPERANÇA para o futuro, senão agora, já para eles, mas para os seus vindouros.
Do grande poeta, que mais brilho deu ás palavras da língua Portuguesa, José Carlos Ary dos Santos:
“...serei tudo o que quiserem
por temor ou negação:
Demagogo mau profeta
falso médico ladrão
prostituta proxeneta
espoleta televisão.
Serei tudo o que disserem:
Poeta castrado NÃO !”
Muito cedo me cansei de acreditar em partidos políticos, de ouvir repetidas promessas, sempre por cumprir!!
Por vezes a fúria e a revolta, levam-me a negá-lo...mas tenho e terei sempre, muito orgulho em ser Português.
José Justo 25 Abril 2008
1 comentário:
Isto vai meus amigos isto vai
um passo atrás são sempre dois em frente
e um povo verdadeiro não se trai
não quer gente mais gente que outra gente.
Isto vai meus amigos isto vai
o que é preciso é ter sempre presente
que o presente é um tempo que se vai
e o futuro é o tempo resistente.
Depois da tempestade há a bonança
que é verde como cor que tem esperança
quando a água de Abril sobre nós cai.
O que é preciso é termos confiança
se fizermos de Maio a nossa lança
isto vai meus amigos isto vai
Ary dos Santos
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