BISSASSEMA
Ainda no quarto dia de caminhada pela mata, um alferes
operacional e dois operadores de transmissões (um cripto e um radio
telegrafista), eram preocupação de todos em Tite, mas especialmente do comando
e da arma de Transmissões.
É um pouco dessa preocupação que aqui se relata.
Quem tiver curiosidade em saber algo mais, consulte o blog
do Bart1914 www.bart1914.blogspot.com
e clique na Etiqueta onde está o Diário de Tite, do José Justo
Transcreve-se aqui um trecho do diário do José Justo, também
ele das transmissões. A grande preocupação destes militares, eram os “segredos
e códigos” de que estes homens eram conhecedores.
Tite 05 de Abril de
1968................3 da manhã no Centro Cripto pág 5 de 7 Tanto se passou
desde a última vez que me dediquei a fazer mais um pouco de simples prosa no
meu “Diário”. Muitas novidades, muitos feridos e mortos, muitos costumados
pesadelos... Não posso deixar de recordar a madrugada do dia 3 de Fevereiro de
68. Foi o dia fatídico de Bissassema. O dia em que mais ainda me fez sofrer...
Já muito vi n’um ano de Guiné já vi a morte algumas vezes marcar presença a
poucos metros, mas nunca tive tão apavorado como daquela vez. Volto em
pensamento à noite de 2 de Fevereiro... Estava no posto de rádio a jogar o meu
pseudo Ping-Pong (bola contra a parede do posto de rádio) que normalmente me
retinha por uns momentos ocupado, quando o furriel Cavaleiro entrou bastante
excitado ??!! Disse-me. – Justo, está quieto com isso, pois ouvem-se fortes
rebentamentos na direcção de Bissassema e é provável que seja ataque à nossa
malta de lá. Saí, e de facto comprovei os medonhos rebentamentos, trazidos por
vento favorável. Tanta vez tinha-mos ouvido esta “música” que já não era de
maneira nenhuma uma novidade, mas dessa vez causaram-me forte impressão, pela
enorme quantidade e por ouvirem-se com uma nitidez impressionante, o que não
era natural, mesmo com vento favorável, pois Bissassema ficava a mais de 15
kms. Logo o pressentimento de que algo de anormal se passaria, me assaltou,
recordo que me senti bastante estranho, facto que me admirou por ser tão forte.
Não parecia uma simples flagelação, mas mais um fortíssimo ataque. Uma longa
hora durou o pandemónio a que assistimos sem qualquer notícia, ou comunicação
via rádio que nos fosse benéfica. O contacto via rádio era praticamente
impossível, pois os DH5 só eram ouvidos durante o dia e à noite deixavam
completamente de se ouvir. Depois de findos os tramites normais em casos de
ataque (tentativa de reforço, comunicação por mensagem Zulu (grau máximo de
prioridade via rádio) para Bissau, tentei finalmente dormir. Não consegui com
facilidade conciliar o sono, embora me sentisse exausto. Pensei em coisas
horrorosas o que contribuiu para mais dificilmente ainda conseguir a
tranquilidade mínima para conciliar o sono Hora e meia, tinha durado apenas o
meu sono. Acordei com o barulho provocado pela entrada de roldão do alferes
Carvalho pelo nosso quarto dentro, n’uma excitação que na altura não
compreendi. Falava, ou melhor , gritava ordens, pragas e gesticulava imenso.
Poucos minutos bastaram para me aperceber do que se passava. ...Bissassema
tinha sido tomada e ocupada pelas tropas do PAIGC, e a s nossas forças
retiraram desordenadamente em consequência de numeroso grupo do IN, que tinha
atacado com uma força e efectivos enormes. Tinha-mos sido avisados pelo Gomes
Furriel de TMS, que tinha ido bem como o Contino Op. Cripto e o Capitulo
Rádio-Telefonista, formar a secção de TMS e Cripto no destacamento para
contacto com o nosso Batalhão. Dar um exemplo do aspecto do Gomes é dificil.
Branco, mortalmente branco, tremendo e mal conseguindo articular as palavras
que lhe saiam inaudíveis, conseguiu por alto relatar alguns pormenores do que
foi uma das piores derrotas militares sofridas pelas nossas forças. Pelas
primeiras impressões, temia-se que tanto o Contino como o Capitulo tivessem
caído nas mãos dos “turras”. Mais tarde tivemos a confirmação, quando de manhã
começaram a chegar os que tinham conseguido iludir a vigilância dos
guerrilheiros e puderam regressar a Tite. Chegaram fugidos ao Enxudé, vindos da
vários caminhos, pois poucos conheciam o caminho exacto, tendo também que
evitar caminhar em direcção que lhes fosse desfavorável por levar a
acampamentos do IN. O que vi quando ao procurar noticias de tudo e todos os
camaradas, será uma imagem que nunca mais esquecerei. Rostos que tinha visto
sorrir, estavam marcados pelos vincos profundos da dor, do desespero e
desanimo. As lágrimas que lhes vi na face, os olhos vermelhos e inchados,
cobertos de lama e na maioria descalços e rotos, parecendo figuras de filmes de
terror, com forças apenas para agarrarem desesperadamente a G3, a sua própria e
única salvação para manter a vida, quando em redor somente a morte. Para mais
esses, que vi entrarem à porta de armas do quartel de Tite, na manhã de 3 de
Fevereiro de 1968 vão as lágrimas que não derramei, mas que verdadeiramente
senti...
“3 Fev 68 – Ataque
Bissassema Resultado da operação feita na véspera em que fizeram parte CCAÇ
2314; CART 1743, Pelotão Sapadores da CCS e 3 pelotões de milícia nativa. Em
consequência do forte ataque o IN ocupou Bissassema, caindo prisioneiros o
Contino, Capitulo e Alferes Rosa. Na retirada desapareceram o Furriel Cardoso e
um Sargento da milícia de Tite. Mais tarde o Sargento foi encontrado morto no
Rio Geba. O cadáver foi recuperado sendo impossível o mesmo no que respeita ao
Furriel Cardoso do Pelotão de Morteiros. Foram ouvidos na rádio Konacry (rádio
oficial e de propaganda do PAIGC, situada na República da Guiné) o Contino, bem
como o Alferes Rosa e o Capitulo. Em vários ataques posteriores à reocupação de
Bissassema pelas nossas tropas, foram mortos 22 guerrilheiros e apanhado
diverso material de guerra. Um ferido IN veio para Tite, tendo morrido dias
depois em virtude dos ferimentos”.
Zé Justo
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