Em Março de 2009, faz este mês quatro anos, eu e o Pica fomos ao encontro do Pedro, o Zé Pedro, que não víamos desde o regresso da Guiné. Este encontro foi forjado pelo Ramos e pelo Mestre, com a ajuda do Sr. Diogo Sotero, director dos Centro Social dos Montes Altos.
Transcrevemos a seguir o texto que então o Pica produziu a assinalar o facto, e mais alguns comentários.
É um marco importante na vida deste blog, a par de tantos outros amigos entretanto reencontrados, e por isso o trazemos aqui, para recordar. E é desta forma que celebramos o nosso regresso da Guiné, que ocorreu como se lembram, há 44 anos:
LG.
"Com o objectivo de encontrar e
abraçar bem forte o Tio Zé, eu e o Guedes encontrámo-nos com o António
Mestre, responsável por esta iniciativa, em Vila Rosário, Baixo Alentejo, local
previamente combinado para acertar as “agulhas” rumo ao Centro Social em Montes
Altos.
Aqui, em Vila Rosário, tivemos
uma visita guiada a uma padaria de um dos seus sobrinhos, bem moderna,
mecanizada e com parâmetros de grande qualidade, de superiores e higiénicas
condições para o fabrico das mais variadas formas do pão, empregando cerca de
15 trabalhadores. Pouco passava das 10 horas, no caminho em direcção à
terra do António Mestre, Monte Fialho, o calor já se fazia sentir. Atravessávamos,
bem contentes, todo aquele deslumbrante e vasto território conversando, ao
mesmo tempo embevecidos pelo verde e pelo despontar das flores, em sinal e no
adivinhar da primavera já muito próxima.
Almejando por nos abraçar, o
Francisco Ramos, alentejano de Moura, que também faz parte da equipa, está à
nossa espera, nas Minas de S. Domingos, desde as 9, 30 horas, dando para
perceber a resposta que teve da conversa, pelo telefone, que fez com o Mestre:
…Não estamos nada atrasados, eu disse-te que só devias sair de casa quando eu
saísse da minha….bebe uns copos que nós não demoramos…
Pelas 11 horas, depois de o
Guedes arrumar, na rua, não que impedisse, convenientemente as “ventas” do seu
carro, à nossa espera a D. Maria da Conceição, mulher do Mestre e, a sua filha
Graça, gente que elegantemente e há boa e nobre maneira alentejana nos recebeu,
começando por ser difícil levantar os traseiros da “malta” de tão prazenteira
mesa, composta com presunto, queijo, chouriço, pão e vinho tinto, tudo de
produção familiar. Bem dizia eu para o Mestre; …o Ramos está à nossa espera…Ele
que espere que é pescador…retorquiu. No caminho, finalmente ao encontro do
Francisco Ramos, perante e para surpresa do Guedes, as cantigas alentejanas não
se fizeram esperar: …è tão grande o Alentejo/Tanta terra abandonada…à calma, à
calma ceifando o trigo… entre outras… não sem antes o Mestre me repreender por
eu chamar ao perdigão… perdiz, quando tal imponente e vaidoso bicharoco, com as
suas belas penas multicolor e de pescoço alto bem esticado, pela nossa frente
se atravessou na estrada em correria.
…Escuta Pica, fica sabendo que
aquele bicho não gosta que lhe troquem o “nome” e, eu também não! Um perdigão é
macho, a perdiz é fêmea, compreendes? …É tão grande o Alentejo/Tanta terra
abandonada……A Terra é que dá o pão/Para bem desta Nação…Devia ser cultivada.
Já pelo meio-dia e pouco,
alegres e sorridentes abraçamos o Ramos que, durante 4 décadas as
oportunidades, a minha e a do Guedes, não nos surgiram.
De pronto e já com a equipa
completa, lá fomos no caminho de Montes Altos no encontro do Tio Zé (como aqui
o chamam) que, sabia ter uma surpresa sem saber qual, previamente combinada com
o Director do Centro Social de Montes Altos, Sr. António Diogo Sotero. Como
todos nós sabemos o Pedro, de 1967/1969, esteve na guerra colonial em Tite, na
Guiné-Bissau. Era militar como todos nós, com a responsabilidade no
aquartelamento de guardar e de tratar as vacas, para além dos afazeres na horta
e no refeitório.
É-me difícil descrever toda a
alegria sentida no abraçar deste homem que, por informação errada, julgava
já falecido. Alegria, não só de nós, antigos camaradas de armas, mas também por
todos aqueles que na oportunidade nos viram a abraçá-lo. O Tio Zé,
reconheceu e abraçou de imediato o Guedes, ex-furriel que foi indigitado pelo
Comandante do Batalhão em “olhar” pelo Pedro naquela zona de guerra. Observamos
que está bem! Está rodeado de gente amiga que zela por ele. Ao contrário de
“ontem” o Pedro tem família que o estima e que o ama! Partimos os cinco
para o almoço na Aldeia de São Domingos, terra mineira no período de 1863 a
1966. Já sentados no restaurante, satisfeitos, comemos feijões guisados com
arroz branco e carne de porco até fartar. O vinho era tinto da região.
Felizes brindámos ao Pedro,
que vinha vestido com um belo e bonito fato com colête, de cor azul, camisa a
ajanotar e de barbeado escanhoado, começando por contar a história (ver no fim)
da sua vinda para o Centro Social dos Montes Altos: …Eu vim de Castro Verde
para a apanha da azeitona… quando a campanha acabou preparava o meu regresso
para o “papel”…Foi o Sr. Mário Santos (um jovem com um pouco mais de um terço
da idade da do Pedro) que pediu ao Sr. António para eu ficar empregado no
Centro…Hoje tenho família, tratam-me muito bem, eu gosto muito deles…Diz a
chorar de alegria!
Horas mais tarde regressamos
ao Centro Social para acompanhar o Pedro. Conversarmos com o Director Sr.
António Sotero e com o jovem Mário Santos, soubemos mais da vida do Pedro. Na
despedida, pedimos autorização para levar o Tio Zé, ao nosso Almoço Convívio no
mês de Maio em Ovar que, de pronto, foi concedida. Bem hajam pelo trabalho que
desenvolvem junto e para os velhinhos do vosso Centro! Felizes, já de
regresso ao Monte Fialho, despedimo-nos
do Francisco Ramos que seguiu
noutra direcção rumo a Moura, ofertando-nos uma garrafa de vinho do ano de
2006. …Este vinho é da adega onde trabalhei, bebam-no à minha saúde….Disse! O
sol procura esconder-se e ainda estávamos nas terras do Mestre. Ele queria
mostrar a sua casa o “buraco onde esconde as orelhas”, como ele diz. Queria
mostrar o seu cultivo, o porco preto, as cabras, em especial a “menina”, as
máquinas e o carro (na categoria de pesado) com que trabalha. Ele queria que
nos sentássemos novamente à mesa para comermos o coelho frito que a sua mulher
confeccionou propositadamente. Ele queria e nós não resistimos a comer mais
queijo fresco, feito pela sua filha Graça, alternando com o presunto que, o
Guedes “elogiava” por gulosa satisfação, acompanhado por pão e vinho tinto
caseiro. Mestre já é noite…digo! …Tenham calma dizia ele…têm muito tempo…
eu levo-os até ao “tapete de alcatrão” (IP2). …. Vão levar umas coisas (vinho,
queijo fresco e seco, chourição e mel) para comerem e beberem mais tarde. Um
perdigão para cada um, (Escuta Pica…tás a ver aqui o espigão, é perdigão não
confundas, compreendes?) … Encantados despedimo-nos da família do Mestre
e, como o prometido é devido, lá foi connosco por nenhures até à IP2,
acompanhado do seu netinho com 5 anos que dá pelo nome de João. Pica Sinos
------------ “TIVE SEMPRE UMA VIDA DIFICIL” --Por gentileza da revista
Noticias de Montes Altos— "José Pedro de Sousa, conhecido por todos nós
com Tio Zé, protagoniza uma situação peculiar. Natural de São Bartolomeu,
concelho de Castro Marim, iniciou a ligação ao Centro como trabalhador,
passando depois a integrar a empresa de inserção de construção civil, sendo ao
mesmo tempo abrangido pelo serviço de apoio domiciliário. Promiscuidade?
Seguramente não. Complementaridade? Certamente. O Tio Zé, que apresenta
notórias limitações pessoais e sociais, foi ao longo da vida um sem-abrigo, sem
eira nem beira, a dormir onde calhava, enxotado de vários lados: “Comecei desde
pequeno a trabalhar, para aí com 10 anos, a tratar de vacas. Depois de deixar
os bichos era descarregador no mercado, da fruta. Apanhava cenoura também. Teve
sempre uma vida difícil”. Porventura um comentário muito ligeiro, para quem
viveu sempre abaixo do limiar da dignidade (referimo-nos a condições de vida e
não a comportamentos).
Com pouco mais de 60 anos, sem casa, sem emprego, sem
família, sem amigos, sem nada, incapaz de realizar algumas tarefas simples de
higiene pessoal, como fazer a barba (incapaz devida ao facto de nunca ter
aprendido), o Tio Zé encontra em Montes Altos mais do que um apoio. Tem tudo o
que não tinha nem poderia ter nem sonhar, o que confirma a vocação do Centro
Social de Montes Altos para ir muito mais além do que são estritamente as suas
atribuições. Acerca de estar aqui, num sítio onde não tem raízes, o Tio Zé
comenta “aqui estou protegido”. Mas protegido significa também sedentarismo,
circunstancia menos fácil de aceitar para um nómada, uma pessoa para quem o
viver e errar se confundiram. Talvez por isso, o tio Zé revele alguma
impaciência e desejo de evasão."
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Amigos
Começo a não estranhar as
surpresas dos redactores principais do nosso Blog.
Gostei de rever o Pedro, está
muito catita o rapaz...de telélé em punho e tudo...
Para o Mestre, de uma forma
muito especial, um abração e obrigado pelo simpático telefonema que me fez.
Para O Guedes e o Pica,
agradeço da maneira que sei...com bonecos e bonecas...
BRAÇÕES para todos
Zé Justo
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enviamos ao Sr. Director do
Centro Social dos Montes Altos, a seguinte mensagem:
Exmo. Sr.António Diogo Sotero
Exmo. Sr.Venho agradecer-lhe
pessoalmente, a simpatia que V.Exa teve para comigo e meus amigos, aquando da
visita ao nosso amigo Pedro (Tio Zé).
Foi para nós motivo de muita
alegria reencontrar o nosso amigo e saber que ele está bem, na companhia de
pessoas que o estimam e o tratam melhor, imcomparavelmente melhor, do que se
ele estivesse na anterior vida.
Muito obrigado por tudo e
principalmente pelo amor e carinho que dedicam ao nosso amigo.
Queria dizer-lhe ainda, que no
nosso blog http://bart1914.blogspot.com/ já
se encontra publicado um artigo referente a esta nossa visita, da autoria do
nosso amigo Pica Sinos, onde se inclui um video que está no vosso site,
aparecendo o Pedro numa dança.
Bem hajam e muitos parabens
pela obra realizada.
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do Sr. Director do Centro Social
dos Montes Altos, recebemos a seguinte mensagem:
"Acabo de receber e ler a
vossa mensagem de passagem pelo Alentejo e pelo Centro Social dos Montes Altos,
e quase deixo escapar uma lágrima de emoção pela forma humana que os homens que
foram obrigados a fazer a Guerra na Guiné(Colegas meus de transmissões)vieram
ver o Zé Pedro aos Montes Altos, o qual tive o privilégio de receber, como a
tantos outros, de forma diferente, evidentemente.
Agradeço as vossas palavras de
elogio, em meu nome e da Instituição que represento.Têm vocês aqui uma casa
vossa sempre que queiram voltar onde teremos o prazer de vos oferecer um farto
almoço, regado com a melhor música alentejana. Obrigado e voltarei a
contactar-vos através da vossa excelente e bem produzida página.
Um abraço.Diogo Sotero"
1 comentário:
Que belo momento..., que bela recordação....!!!!
Deve ter sido um dia inesquecível, para todos os que tiveram oportunidade de partcipar nesse encontro, que afinal foi "UMA GRANDE FESTA".
Quantos aos 44 anos já decorridos após o vosso regresso da Guiné...., é também uma data que ficará para sempre gravada nas vossas memórias.........
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