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“Se servistes a Pátria que vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis e ela, o que costuma”


(Do Padre António Vieira, no "Sermão da Terceira Quarta-Feira da Quaresma", na Capela Real, ano 1669. Lembrado pelo ex-furriel milº Patoleia Mendes, dirigido-se aos ex-combatentes da guerra do Ultramar.).

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"Ó gentes do meu Batalhão, agora é que eu percebi, esta amizade que sinto, foi de vós que a recebi…"

(José Justo)

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“Ninguém desce vivo duma cruz!...”

"Amigo é aquele que na guerra, nos defende duma bala com o seu próprio corpo"

António Lobo Antunes, escritor e ex-combatente

referindo-se aos ex-combatentes da guerra do Ultramar

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Eles,
Fizeram guerra sem saber a quem, morreram nela sem saber por quê..., então, por prémio ao menos se lhes dê, justa memória a projectar no além...

Jaime Umbelino, 2002 – in Monumento aos Heróis da Guerra do Ultramar, em Torres Vedras
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“Aos Combatentes que no Entroncamento da vida, encontraram os Caminhos da Pátria”

Frase inscrita no Monumento aos Heróis da Guerra do Ultramar, no Entroncamento.

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Sem fanfarra e sem lenços a acenar, soa a sirene do navio para o regresso à Metrópole. Os que partem não são os mesmos homens de outrora, a guerra tornou-os diferentes…

Pica Sinos, no 30º almoço anual, no Entroncamento, em 2019
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"Tite é uma memória em ruínas, que se vai extinguindo á medida que cada um de nós partir para “outra comissão” e quando isso nos acontecer a todos, seremos, nós e Tite, uma memória que apenas existirá, na melhor das hipóteses, nas páginas da história."

Francisco Silva e Floriano Rodrigues - CCAÇ 2314


Não voltaram todos… com lágrimas que não se veem, com choro que não se ouve… Aqui estamos, em sentido e silenciosos, com Eles, prestando-Lhes a nossa Homenagem.

Ponte de Lima, Monumento aos Heróis da Guerra do Ultramar


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domingo, 15 de fevereiro de 2009

As meditações do Pica Sinos...

Meus Amigos
Tenho vindo a escrever factos da vida real em Tite, colocando para "detrás das costas" tudo o que foi, era verdadeiramente mau - a guerra -!
Quem lê as crónicas que venho produzindo até parece que a nossa vida naquela terra era um paraíso que não havia problemas, que era inexistente o sofrimento.
Um dia deste escrevo sobre isso, mas nada impede que seja um de vocês a fazer tal critica. Não é que não me lembre desses episódios.
Esses até estão muito mais "vivos" na minha memória do que os demais, mas não sou capaz de os relatar, o melhor não os quero relatar,não os quero recordar, e os que recordo não posso deixar de colocar, nesses escritos, uma ponta de humor.
Quero que me entendam por não descrevo esses momentos, mas tão só aqueles que me dão gozo e menos tristeza, se bem por entre linhas o sofrimento, a solidão, as incertezas, estão lá.
Camufladas é certo, mas estão lá. Mas tenho dúvidas que seja bem interpretado por alguns de nós e sobretudo por quem não viveu os momentos que nós vivemos e passamos.Talvez o Guedes, como mentor do blog, tivesse o cuidado em escrever um texto sobre esta forma de estar, tenho receio que alguns digam que foi "bom viver" em Tite.
Pica Sinos
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Este apontamento do Pica Sinos, é muito contundente, embora não pareça. Chama-nos à realidade, puxa por nós, desafia-nos para a luta... Na verdade, como ele diz, todos temos histórias para contar, situações mais ou menos militares, ou mais ou menos civis. Acho que possa ter havido alguém que tenha gostado de viver em Tite - ou porque tivesse tido uma vida difícil na Metrópole e ali tinha cama, mesa e roupa lavada, porque os havia;
ou porque o seu alheamento da situação era tanto que mal se apercebiam do sofrimento dos camaradas ali desterrados deixando muitos deles mulheres e filhos, para combaterem e morrerem por uma causa que não passou dum bluff, com medo, sofrimento, lágrimas e morte, um certo jogar às guerras por parte de militares do quadro e dos politicos;
ou porque simplesmente a sua (in) consciência não lhes permitia o desvio da trajectória duma bala, para eles tanto fazia. Cada um deles à sua maneira gostaram de estar em Tite, ou simplesmente não se “aperceberam” onde estiveram… As histórias têm surgido. As descrições também. Não estão em causa as suas gentes, pese embora a cumplicidade que em muitos casos era visível entre a população e o IN. Cumplicidade com o IN até do Branco e do Jamil, únicas lojas existentes. Mas eu, tal como o Pica, também tenho receio que alguém possa dizer que foi "bom viver" em Tite…! Mesmo assim, arrisco continuar a pedir aos nossos camaradas que tragam as suas histórias ao de cima. Desabafem, expludam, partam a loiça toda. Estamos cá, todos, para a luta ! Um abraço. Leandro Guedes
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Amigos Li, reli, e fiquei a pensar nestas vossas sábias palavras. Sois bons cronistas, parafraseando o nosso Amigo Minhoto, Cavaleiro.
Qualquer guerra, tem e esconde sempre secretos e tremendos interesses e ambições. Arrasa vidas, desmembra famílias, causa morte e traumas para toda a vida. No desespero de defender a própria vida, a guerra põe “igual contra igual” mata gentes das mesmas condições, com os mesmos problemas, medos e até as mesmas esperanças. Matamos filhos de pais como os nossos...que os vão chorar, como os nossos nos chorarão. No meu caso, estive lá, porque a isso fui obrigado, (o Presídio de Elvas era a alternativa) porque não tinha formação política (quantos a teriam?), nem conhecimentos da própria realidade da guerra, nem coragem para “dar o salto” e escapar aquele inferno de três anos.
Dei à dita “Mãe Pátria” três longos anos da minha juventude...nada mais lhe devo. Na Veiga Beirão, íamos vendo todos os anos, os colegas de curso mais velhos a serem mobilizados, mas também os havia que garantiam ir dar o “piro heróico” assim o fazendo alguns.
Já com alguns meses de Guiné, muitas vezes nas longas noites de serviço no Centro Cripto, e entre o decifrar de duas “secretas” me interrogava; como era possível, nós continuarmos com as Colónias em África, quando já tinham sido “empurrados” para fora daquele Continente, países como a Inglaterra, França, Espanha, Bélgica etc. Devia-mos ser muito grandes e especiais ou muito estúpidos!! A propaganda espalhava, que o nosso Colonialismo era diferente...mais soft...mais humano... estavam estes territórios em franco desenvolvimento... a vivência entre brancos e negros era normal e amistosa...todos tinham as mesmas oportunidades etc...etc... Num aspecto estou de acordo, até acredito na “boa convivência”. Como alguém disse, “foram os Portugueses que inventaram o mulato”...porque nesse campo, sempre “tivemos boa boca” !! Terei sempre presente a imagem de quando entrei pela primeira vez no quartel de Tite. Estavam junto à porta de armas dois indígenas muito novos e extremamente magros, rodeados pelo nosso pessoal, e um deles, com uma raiva enorme, desferia coronhadas nas cabeças de ambos com a G3. Ainda me soa aos ouvidos, tantos anos passados, o som das pancadas, como que, se tivesse a bater com um pau num coco rachado...eram exactamente assim. Impressionou-me o facto de...não ouvir um único gemido ou queixume da parte dos supostos guerrilheiros!! Mais tarde, vim a verificar, que mesmo presos, sobre apertados interrogatóris e espancamentos, poucos eram os rasgos de dor nos seus semblantes. Revoltou-me aquele espectáculo brutal. Tentei saber o porquê e um dos “velhinhos” de Lisboa que entretanto conheci, me informou que se tratava de dois guerrilheiros, que foram capturados escondidos na Bolanha e que tinham detonadores. Vi na prisão perto dos duches, um elemento IN capturado, que tinha sido atingido um pouco acima da cintura, por um estilhaço das nossas granadas de morteiro, com uns 30 cm, que lhe cortou a parte esquerda do tronco de um lado ao outro.
Como único tratamento, tinha um pano ensanguentado enrolado à cintura, estava impávido !!.
Reparei que a carne dos africanos, abaixo da pele escura é de um rosa claríssimo, exactamente como a nossa. Quando nos fitava, o seu olhar de profundo ódio e raiva, era impressionante, mas nunca disse uma palavra. Passados uns meses, depois de vários ataques ao aquartelamento, ver camaradas com quem na véspera tinha-mos jogado ás cartas e bebido umas cervejas, mortos, feridos, amputados, todo aquele sentimento de revolta e dó pelas coronhadas, se tinha desvanecido, e sentia um tremendo ódio a quem nos causava tanta dor e sofrimento. Tinha-se criado o sentimento de desprezo pela vida dos outros, e era “Matar para não ser Morto”, o eterno lema de todas as malditas guerras. Como dizem companheiros, momentos muito difíceis por nós passaram, durante aqueles dois longos anos. Tantas noites, sempre a pensar quando seria a minha hora...se chegaria à Metrópole e se "viria inteiro"... Sempre disse e assumi, que se não fosse algum efeito de álcool, nunca teria suportado com o mínimo de sanidade mental todo aquele tempo em permanente tensão. Não encontrava outra forma de atenuar os pânicos e pesadelos nocturnos. Fazia por me deitar sempre tarde, e um pouco grogue, para adormecer rápido e não ter a cabeça a latejar.
Exceptuando os dias de serviço, ou momentos de mais responsabilidade, a cerveja tornou-se o lenitivo de eleição para me abstrair dos medos, da realidade das temíveis e longas noites, sempre à espera de mais um ataque. Tudo isto já se passou, e hoje só de quando em vez me vêm estes maus momentos à lembrança, no entanto os bons, recordo-os muito. Tudo, menos a guerra, em África é lindo para mim !! Minha mulher, há anos, foi ver o filme bastante badalado “África Minha” não a acompanhei, o que ela estranhou ? Falas tanto da beleza de África, que gostavas de lá voltar! Este filme tem paisagens lindas, porque não te desperta interesse, não gostavas de recordar ? Respondi que o filme não me recordaria nunca o que mais me marcou...os cheiros daquela terra !!
Em 1992, proporcionou-se fazer uma Feira Internacional em Luanda. Seria uma estadia de um mês de novo em África, o que me agradou. Estava desfeito e saturado da longa viagem (viajar para mim sempre foi uma penitência), mas ao sair do avião, senti um enorme bafo quente...e então de novo...os cheiros...avivaram-me a alma. Senti uma sensação, misto de estranha e agradável, que me fez recuar o metabolismo aos antigos tempos de Guiné. Na Guiné, as cores da terra, aquele vermelhão, quiçá tantas vezes impregnado de sangue e lágrimas; As árvores de largos e enormes troncos; O odor característico e sensual das Bajudas, que como dizia Fernando Pessoa “Ao princípio estranha-se, mas depois entranha-se”. Os pássaros exóticos multicor de longa cauda, com o seu esvoaçar ondulado; Os "Jagudis", abutres horríveis feiosos de aspecto, mas tão úteis para a limpeza do solo (era crime punido o abater alguma destas aves);
Os mangos da India, com aquele sabor único, misto de marmelo e resina;
A mancarra já descascada (amendoim) que era vendida pelos miúdos em todo o lado; Nos cafés de Bissau aquelas sandes em pão de farinha de arroz, que ao apertar um pouco se desfaziam nas mãos;
Os céus nocturnos, que pela pouca luz em redor, nos mostravam biliões de estrelas; O café com leite e torradas com manteiga dos Açores (deliciosa) que eu e o Pica fazia-mos no nosso quarto, que nos sabiam pela vida, mesmo por vezes tendo que raspar e sacudir as formigas que tinham chegado primeiro ao banquete; As músicas gravadas em fita de bobine, no bruto gravador profissional AKAI do alferes Carvalho. Grandes programas da "Rádio Local de Tite" coordenados pelo Pica Sinos, com entrevistas, canções regionais dos TMS, anedotas etc. O prazer de no dia certo receber a roupa lavada e primorosamente engomada da minha lavadeira, por sinal linda, Sábado de seu nome (também haviam as de nome Quinta e Terça); As noitadas de Poker com o alferes Carvalho, grande mestre na arte da jogatina. Não sabia sequer o valor das cartas, e com ele aprendi a jogar a tudo !!; A grande admiração que aprendi a ter pelos Paraquedistas.
Homens super corajosos, operacionais de primeira água e super disciplinados, que noite dentro, conseguiam sair do nosso quartel, armados e equipados para montar emboscadas sem que ninguém desse por eles.
Autênticos fantasmas deslizando no Éter !!
Curioso e significativo o facto de quando em zona de combate, tinham que ter ordem específica para descalçar botas – sempre operacionais, de seu lema “Que nunca por vencidos se conheçam”. A “pesca a tiro” nos pontões da estrada do Enxudé, pelo eficaz método de disparo de uma curta rajada de G3 para o rio e esperar calmamente que os peixinhos começassem a vir ao de cima com as barriguinhas para o lado, mesmo a pedir frigideira. Tinha-mos também a variante da granada para dentro do rio, quando a pescaria se pretendia mais abundante; A deslumbrante luminosidade dos dias e o tremendo calor, que espicaçava os neurónios sensuais; Ver uma quantidade enorme de nativos Muçulmanos vestidos ricamente, pois iriam fazer a viagem da sua vida até Meca; A estranheza que me faziam os vegetais e frutos serem todos muito pequenos: Bananas, Tomates e outros, tinham dimensões ridículas comparando aos nossos. Até o gado era magríssimo; Chuvadas repentinas e diluvianas, com o forte ribombar dos trovões, que tão depressa surgiam, como findavam, deixando a terra vermelha fumegando, com aquele cheiro característico, sempre os cheiros; Os banhos a céu aberto com essas mesma chuvas, pois corria a crença que “preveniam e coravam as impinges” OS CHEIROS...óh os cheiros...como recordo os “doces” odores daquela terra;
Os rituais indígenas de alegria e morte, com os seus batuques durante um dia inteiro, a vaca morta no chão para compartir com todos os convivas, o correr da aguardente de cana pelas goelas ressequidas, que os fazia atacar os enormes tambores de troncos ocos, com redobrado frenesim; A beleza das “Bajudas” (nativas muito novas) com as suas peles de ébano imaculadas. O olhar das “Mulheres Grandes” (nativas mais velhas); As conversas de fim de tarde com os companheiros, cada qual recordando vivências e as saudosas terras que os viram nascer, e quiçá alguns não mais veriam;
Os petiscos, peça de substância para equilibrar a triste alimentação que nos impunham; As Suecadas no “Branco”...”quem perde paga a rodada”; O regalo para a nossa vista que era a maravilhosa imagem da “Branca”, que tantos pensamentos libidinosos nos sugeria e embelezava os sonhos; O que me impressionou e fez lacrimejar, tropeçar numa revista vinda da Metrópole o Bar Gingão no Bairro Alto...onde tive a minha primeira “namorada”...o Luso, o Lua Nova, nosso "escritório nocturno" durante anos. Que saudades já tinha daquela vida que me parecia ter sido à longos anos atrás; O receber correio das Madrinhas de Guerra, dos familiares, dos amigos; O tirar fotos “compostinhas” para enviar à família, como se tudo fosse um Paraíso, pois preocupações e temores já eles os tinham de sobra; O assistir, quase por favor, ao enterrar dos mortos na religião Muçulmana (maioritária na Guiné-Bissau), onde as covas eram abertas na vertical e lateralmente em forma de “L” onde então era depositado o corpo, envolto num pano branco.
Hoje sabe-se que uma das formas de propagação da Cólera na Guiné-Bissau é através do estranho e quase bárbaro ritual dos familiares e amigos, beberem da água que serviu para lavar o corpo do falecido !!??; As calorassas de 40 e tal graus, em que se abria um ovo sobre uma chapa de “lusalite” e em poucos segundos, como que por milagre, aparecia uma omoleta; Os duches colectivos, onde nós brancos e soldados negros da milícia gozava-mos com as pilas uns dos outros, e que mal acabava-mos de nos secar, logo reaparecia a suadeira; O ritual de levar as revistas de foto-novelas “Capricho” para os WC...sabe-se lá com que secretas intenções;
O ouvir os insectos nocturnos no seu eterno desafio cantante; O admirar a destreza dos Costureiros nativos (sempre homens), agarrados a velhas máquinas de costura, no fabrico de calções de chita em cores garridas, que todos vestia-mos por tão frescos e leves; As “lerpadas” nas mesas do refeitório, algumas vezes com os “Paras” como parceiros; O comprar de sapatilhas de “meter o dedo” quase todos os meses, pois rompiam-se todas;
O milagroso Lion Brand, eficaz repelente de insectos.
Uma espiral verde, que à noite se acendia na ponta e se consumia lentamente, aniquilando os malvados mosquitos, devoradores e sempre sequiosos de sangue; O tabaquinho SG Filtro, vindo da Metrópole, pois a Guiné não tinha fabrico próprio; A fruta em lata que nos davam no refeitório, mas que a maior parte do pessoal da província não gostava e que trocava-mos pela nossa ração de vinho (que diziam ter cânfora misturada, para quebrar os “ímpetos da juventude”); Os paradisíacos por-do-sol, com o imenso céu raiado de majestosos vermelhos, roxos e azuis; O prazer de desenhar no cinto de lona, um sinal, símbolo que mais um mês tinha passado naquele inferno; O sentir verdadeiramente o peso e significado da palavra Saudade, quando tudo aquilo a que era indiferente e detestava em Lisboa, aparecia com outra roupagem.
O ouvir com prazer, de músicas que não imaginava algum dia apreciar.
Com o passar dos meses, a milhares de quilómetros de distância, cada vez mais tudo assumia outra e maior importância: O Fado, a música folclórica, os cantores ditos românticos da época, fotos de lugares por onde passava diariamente e que agora me pareciam tão longínquos. A partir de um ano de comissão, tudo começava a tornar-se muito mais penoso, e os medos do não retorno aumentavam. A constante tensão, a má e pobre alimentação do quartel, (eu e o Pica lá nos safava-mos, e éramos bastante faltosos às vitualhas regimentais no refeitório) o arrastar lento dos dias, a saturação das repetitivas conversas, tudo contribuía para o massacrar do corpo e da mente.
No regresso à Metrópole, findos os intermináveis dois anos, a bordo do Uige, ver no horizonte começar a desenhar-se a Ponte Sobre o Tejo...com os olhos repletos de lágrimas, que por falta de forças não chegaram a escorrer... ao sentir-me inteiro no magro corpo...então tive a certeza de estar a viver o dia mais feliz da minha vida. Estas recordações, são para mim como a Paixão quando se apaga, dá lugar ao Amor e depois à sublimação da Ternura e da Veneração. Tudo o que foi bom, fez no meu arquivo da memória, apagar os horrores da guerra... Várias vezes me dispus a voltar a Tite, só com amigos ou com a minha mulher.
A vida agitada e sempre super-ocupada profissionalmente, levou-me sempre a protelar e nunca concretizar esta viagem. Seria talvez a única que faria com imenso gosto. Tenho pena !!
Amigos e Companheiros, afinal, para mim, sempre ficou algum bocadinho bom daquelas longas paragens. Durante 13 arrastados anos, milhares e milhares de jovens, pouco mais que crianças, foram forçados a uma Guerra que provavelmente se podia ter evitado...e que cimentou ódios e indiferenças, mesmo depois de terminada. Mas de uma coisa estou certo: Passamos de meninos a homens num forcing de situações e vivências que nos tornaram mais duros e responsáveis, embora feridos por dentro e revoltados por vezes. Creio que a nossa geração, fez o melhor para que os filhos tivessem tudo, até talvez em demasia. Tenho receio pelos sinais que todos conhecemos, que muitos se tornem egoístas e egocêntricos, e que todos os nossos sacrifícios foram em vão...
Que também para vós tenham acontecido bons momentos, e que os partilhem com todos no vosso Blog. Zé Justo fotos Google JJ arquivo e edição fotos

8 comentários:

Pica Sinos disse...

Justo
Amigão
Fiquei encantado com a tua escrita.
Acredita que a maior parte dela foi lida com alguma dificuldade e tu sabes porquê. Este nó na garganta que apertou, a lágrima que teimou em saltar, obrigou-me a reler o texto mais que uma uma vez.
Foi um retrato fiel dos muitos momentos que também partilhei, que assisti, numa só palavra que vivi e muitos com a tua pessoa.
Continua!!
Um grande abraço.
Pica Sinos

José Justo disse...

Grande Raulão
Também "pestanejei" ao escrever algumas acontecimentos.
Todas as passagens que descrevo. e que na altura me fui lembrando nestes dois dias em que trabalhei neste texto, igualmente por eles tu passaste.
Por vezes a água dos olhos, lava as dores da alma.
Curiosamente, era só para juntar uma breve nota aos vossos textos(sabes que escrever não é comigo) mas foram-me vindo os factos e um-a-um lá os fui juntando.
Na realidade, as coisas boas da nossa nau, embora poucas, também nos aliviavam dos mares encapelados...
Um abraço em memória dos bons tempos passados.

Zé Justo

leandro guedes disse...

Belo texto este, Justo, pena que só nós os três tenhamos comentários a fazer. Será sempre o meu lamento.
Mas descreves aqui um pouco de tanta coisa que nos toca a todos de alguma maneira.
Ao ler este texto deu-me para recordar os que partiram quando lá estavamos. Alguns de quem fui mais amigo, outros de quem fui companheiro. São recordações tristes...Mas é a vida!
Abraços para vós, sem cuja participação este blog já teria partido também.
Leandro Guedes

leandro guedes disse...

Guedes
Como dizes, alguns de nós "da lei da vida se vão libertando".
Afinal é a ordem natural das coisas, mas sempre ficamos com saudades.
Quando vejo as fotos em que está o saudoso furriel Rato,sinto uma enorme tristeza.
Era um indivíduo excecional.
No quartel da Parede quando estava-mos a fazer o IAO (creio que era esta a sigla) o Rato acompanhava o nosso grupo da malta de Lisboa, nos cafés da Parede.
Tenho uma história com ele que breve vou contar.
Como tu, sinto com muita tristeza a continuada indiferença do pessoal.
Uma palavrinha, uma história, mais fotos...nada !!
Enfim...paciência.
Agora uma séria sugestão: Se tu e o Pica estiverem de acordo, mudamos o nome do Blog para "O Blog dos três amigos)!!
Abraços
ZJ

José Justo disse...

Lá me espalhei outra vez...o comentário anterior não é do Guedes é do Justo.
Desculpa lá amigo a usurpação do teu nome...
Bom Carnaval.
Zé Justo

Pica Sinos disse...

Grande Justo

Desculpa lá mas não estou nada de acordo que o Guedes mude o nome ao Blog. O Blog tem tido a participação de muitos de nós, não tanto como gostaríamos de ver essa participação, dêmos tempo ao tempo. Só o facto de a malta o ler já é participar e são muitos a fazê-lo. Vamos continuar a insistir, pois não é de todo fácil aceder ao computador e escrever. Contudo pouco e pouco têm vindo fotografias, em Ovar vão aparecer muitas mais!! É só o Costa pedir á malta que as traga e nós publicamos. O Blog é do Bart e não de 3 amigos. Desculpa lá ó Justo, desta vez não estou de acordo contigo e vais ver que a coisa dia a dia vai ser diferente, já é diferente, temos muito mais gente a participar do que no inicio.
Um queijo grd para ti.
Pica Sinos

José Justo disse...

Ó Raulão...eu estava a ser mordaz !!
Foi uma gracinha,á laia de desabafo !!
Longe de mim mudanças de nome...nem teria sentido algum, foi pura reinação !!
Acredito que tenhas razão e que a coisa prossiga...devagarinho, mas andando.
Desculpa lá o "susto"
Bombinhas e papelinhos...
ZJ

leandro guedes disse...

Para os dois mosqueteiros: também acho que nada de mudar o nome. Até porque sempre que alguém pense em procurar-nos no blog será concerteza através do bart 1914, e não do nome do Guedes, do Pica ou do Justo.
Feitas bem as contas, somos hoje muitos mais do que eramos quando o blog foi aberto. Por isso o balanço é positivo. Vamos esperar com tranquilidade.
Nas minhas recordações também está sempre o Rato, mas também o Cardoso que ficou em Bissassema, O Victor que faleceu junto à igreja eslamica, aquele moço que pisou uma mina logo no inicio, o outro que levou um tiro através da parede de chapa após uma operação. E mais aquele que ficou debaixo da GMC, perto de Nova Sintra, não esquecendo o sofrimento do Régua que o atropelou e que viveu meses muito dificeis. Tanta coisa amigos.
Mas como diz o blog da minha escola "não deixemos que as recordações do passado nem os medos do futuro, nos tirem a alegria do presente. Porque o TEMPO é o MESTRE da nossa escola de vida!"
Abraços para vós.