C.CAÇ.2314.
Na época de Páscoa pareceu-me boa ideia fazer a evocação de
um amigo cimentado no período mais difícil da vida de um jovem a GUERRA.
E esta amizade só foi quebrada perlka partida para a última
missão que lhe foi confiada.
O FURRIEL LEITE
Estávamos nos finais de 1967 e, à entrada do quartel de
Tomar, cruzei-me com o João que trazia um braço ao peito e vinha abatido. Mal
nos conhecíamos e não nos vía-mos desde os tempos da recruta, muitos meses
antes. Nem sabia o seu nome tal como ele não saberia o meu. Satisfez a minha
curiosidade dizendo que se chamava João Leite e que tinha tido um acidente…
Despedimo-nos nesse dia e só voltámos a rever-nos no
seguinte, na caserna que nos foi destinada. Ficámos a saber que o nosso destino
era comum. Íamos formar companhia para depois seguirmos para o ultramar, mas
nem sabíamos ainda para onde.
Não sabíamos que os dois anos seguintes iriam ser muito
cheios de emoções fortes, perigos, mas também de solidariedade só possível de
construir nos momentos mais difíceis e de grande perigo. E vim a conhecer
melhor o Leite e toda a equipa com quem fizemos grandes amizades.
Passarei a designá-lo por Leite, pois era o nome que
usávamos por lá e mais tarde, já no fim da guerra, quando nos encontrávamos por
ocasião dos convívios.
Afinal, era um homem diferente do que conheci à entrada do
quartel, em Tomar. Era folgazão, brincalhão, sempre de boa disposição e muito
bem-humorado.
Cedo demos conta de que se tratava de homem determinado,
sabia o que queria, como queria e quando queria. Quis o destino que tivéssemos
de viver o desastre de Bissássema onde ele, mesmo na linha da frente por onde o
IN pretendia repetir o assalto, tal como fizera uns dias antes e se
apoderara de armamento, equipamento e prisioneiros, soube
infligir a maior derrota sofrida pelo IN durante toda a guerra que travou com o
Exército português. Esta batalha nem consta da história de guerra do PAIGC.
Outros desastres aconteceram nas nossas vidas e, em todos, o
Leite teve participação com vantagens para o nosso lado.
Desgostoso com o conformismo que reinava na companhia,
decidiu formar o seu próprio grupo indo buscar os melhores de entre os
melhores. E assim nasceu o grupo “OS BRUTOS” que fizeram história deixando um
rasto de medo nos grupos do IN. Estavam sempre na linha da frente. Tive o
privilégio de os comandar nas ausências do Leite. Eram o escol da companhia. E
ajudaram o seu comandante, o Leite, na conquista de uma condecoração justa e
merecida, só atribuída aos bons. Uma “CRUZ DE GUERRA”.
Mas nem sempre foi fácil a vida do grupo. Tiveram as suas
horas más. Entre outras, talvez a pior, o acidente do Viriato Lopes. E assim se
passaram dois anos de uma convivência fraterna, só possível em teatros de
guerra. Fizemos amizades para a vida. Ficaram as saudades dos amigos e de
algumas, muitas vivências.
Só voltei a ver o Leite passados alguns anos, por ocasião
dos convívios a que ele não queria faltar, mesmo vindo de tão longe.
Por fim, soube da sua doença. Fui dar-lhe o meu abraço numa
das suas vindas a Lisboa para tratamentos. A doença venceu o homem. Mas não
venceu o marido, o pai, o profissional bem realizado, o amigo e o camarada de
quem todos sentimos saudades.
O Leite ainda vive em nós. Até sempre, companheiro.
OS BRUTOS
Crachá de os BRUTOS
Não sei em que altura da comissão foi decidida a sua
criação. Era um pelotão com a missão de ir efetuar os golpes de mão e ao
assalto a posições mais fortificadas para abrir as hostilidades e facilitar a
nossa missão.
Era constituído por um grupo de voluntários que desfalcaram
as secções no seu desempenho, mas facilitavam o assalto final, depois de terem
feito o trabalho mais sujo. O seu comandante era o furriel Leite, açoriano de
São Miguel que conheci ainda em Tomar. Na sua ausência, quer por férias ou
outros motivos, cabia a mim e ao Bastos o seu comando.
Fizemos muitas emboscadas em locais inimagináveis, mas
fizeram muitas mais, sempre com grande "ronco",captura de armas e
inimigos, nos sítios mais improváveis. Tinham a seu favor o reduzido número e
atuavam como um grupo de comandos.
Tal foi a sua notoriedade que no final da comissão, o Leite
foi proposto para uma condecoração e foi-lhe atribuída uma CRUZ de GUERRA que
veio a receber, garbosamente, no dia da raça de 1970.
Está doente. Tem passado algo mal. Força, camarada. Os
Brutos estão contigo
O Leite já partiu para a sua última missão. Adeus, amigo
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