“O NATAL NO MEU BAIRRO
Era o dia mais curto
de todo os dias, do ano
e isso alegrava, dava ânimo
a toda a pequenada
que esperava a Consoada
e as prendas no sapatinho
mas a noite, era a mais longa
de todas as noites, até ali
e a hora da deitada,
vagarosa tardava
prongando o seu caminho.
Queríamos que a noite viesse
e o Pai Natal trouxesse
os presentes do costume.
Mas tínhamos que esperar.
A mãe, de frigideira no lume
fritava as filhós.
Na mesa, uma tacinha com nozes,
já descascadas
e outra maior, com castanhas piladas.
Um prato com açúcar e canela
por onde a Anabela,
que era a filha mais velha,
passava as filhós,
colocando-as depois
numa travessa maior,
alinhando-as com primor.
Após a ceia de Natal
havia um ritual
seguido religiosamente.
O fogareiro de Primus
tinha que estar reluzente
no centro da chaminé.
Os sapatos, ordenados
pelo tamanho do pé,
tinham que estar engraxados
por quem lhes pertencia
e a cozinha arrumada
com tudo no seu lugar,
não fosse o Menino Jesus
tropeçar.
Depois, tudo recolhia
às camas onde dormia.
Só que o sono não chegava!...
Era a noite mais longa e mais fria
mas também a mais desejada.
Um ano, lembro-me bem,
a Anabela gritou pela mãe.
Tinha visto o Menino Jesus
passar à porta do quarto.
Foi um desacato.
Um alvoroço!...
A mãe veio de seguida.
- Estás louca rapariga?!...
ele não se deixa ver...
E a Anabela em pé na cama
com as veias do pescoço
acesas e avermelhadas
- Mas eu vi-o!...
Trazia nas costas o xaile
que a mãe costuma usar.
Se calhar estava com frio...
- Vá lá. Agora vem-te deitar.
Ainda o espantas
e não te deixa nada.
E o silêncio voltou a reinar
na noite gelada.
Não sei que horas seriam
mas era alta madrugada,
levantámo-nos de um salto
correndo para a chaminé.
Lá estavam os embrulhinhos
brilhantes e com lacinhos.
Que encanto, que magia.
Soquetes, dois ou três pares
e laços para o cabelo
ou um travessão com flores.
Caixas com lápis de cores,
cadernos para pintar.
Sombrinhas de chocolate
e caramelos para chupar.
Que lindo Natal o nosso.
Recordo como se fosse
passado há pouco tempo...
Depois corríamos pelo Bairro
felizes, alegres, soltas
seguidas pelas gaivotas,
mostrando umas às outras
o que nos tinha calhado.
Algumas não tinham nada
e com tristeza nos olhos
tentavam sorrir também.
Então, os bombons e chocolates
eram assim repartidos
e por todos nós comidos
sob o olhar da nossa mãe
que com um prato de filhós
participava também.
Outras, com melhor vida
mostravam bonecas de pano
e até de papelão,
uns tachinhos, uma mesa,
cadeirinhas e um fogão.
Os rapazes, um carrinho de corrida,
uma bola, um camião
de lata ou de madeira,
chamavam quem nada tinha
para se juntar à brincadeira.
Jogava-se futebol
ou faziam-se corridas,
trocavam-se as repetidas
destas prendas de Natal.
Era assim uma partilha
de alegria e desafio,
de amizade que aquecia
aquela manhã de frio.
Que saudades do Visconde
e destas manhãs de Natal
em que nas ruas, as crianças
tinham nos olhos a esperança
e o amor fraternal...
Helena Marcão, do facebook de M.A.Granja.
Foto: Internet”
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