INTRODUÇÃO
Publicamos este trabalho do Furriel Milº Jorge Alves Araújo, com a devida vénia ao próprio e ao Blog de Luis Graça & Camaradas, das Op. Especiais/Ranger, da CART 3404, de l971/1974 - Xime-Mansambo.
"Os Diabos"
Pasta: 04309.007.011.
Título: Guiné 1 - Falam os portugueses prisioneiros de
guerra.
Assunto: Editado pela FPLN/Portugal, em Alger, exemplar 1 de
publicação com declarações dos militares portugueses feitos prisioneiros pelo
PAIGC. Pretende-se dar conhecimento da verdade às famílias, ao mesmo tempo que
se acusa o governo português de os referir como desaparecidos (militares das
incorporações de 1966). Este número inclui transcrição de uma comunicação de
Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC, aos microfones de “A Voz da
Liberdade”, dirigida aos prisioneiros portugueses, no dia 3 de Agosto de 1968,
com a promessa de fornecer em breve fitas magnéticas com testemunhos dos
prisioneiros, bem como o tratamento que lhes é dado, quando feridos e ligação
com a Cruz Vermelha Internacional, para o seu repatriamento para junto das suas
famílias.
Data: 1968. Observações: Declarações gravadas em fita
magnética e difundidas pela Rádio Libertação, pelo PAIGC, que autorizou
retransmissão pela emissora da FPLN, a Voz da Liberdade. Fundo: Arquivo Mário
Pinto de Andrade.
Tipo Documental: Documentos
2. A IGREJA NA VIDA DOS PRISIONEIROS DE GUERRA (II) - O CASO DE GERALDINO MARQUES CONTINO
Geraldino Marques Contino, o ex-1.º Cabo Op.Crpt da CART
1743, feito prisioneiro naquele sábado, dia 3 de Fevereiro de 1968, na tabanca
de Bissássema, certamente que passou pelas mesmas emoções, angústias, privações
e sofrimentos relatados pelos seus camaradas de infortúnio, o António Rosa e o
Victor Capítulo, desde que foi capturado, depois na prisão de Kindia, onde
cinco dias após aí ter dado entrada completou o seu 23º aniversário (em 15 de
Fevereiro) e, por último, na de Conacri.
Como referimos anteriormente, foi na busca de informações
sobre a sua vida em cativeiro que tomámos em mãos essa tarefa, existindo uma só
fonte onde poderíamos obtê-las, isto é «Do outro lado do combate». E a consulta
recaiu, uma vez mais, no espólio da Casa Comum – Fundação Mário Soares, onde
encontramos várias referências, umas já publicitadas acima, outras relacionadas
com a troca de correspondência entre os responsáveis da Igreja Católica e
Amílcar Cabral, na qualidade de secretário-geral do PAIGC.
E a causa/efeito para esse contacto nasce da falta de
notícias do Geraldino Contino, o qual deixou de escrever aos seus familiares,
em particular para os seus pais, depois do mês de Janeiro de 1970, muito
provavelmente por volta do dia em que completava o seu 25º aniversário (o 3.º
em cativeiro), data considerada para si e para os seus de muito importante. A
ausência de liberdade, o permanente controlo dos seus movimentos, e a cada vez
menor motivação para a escrita, levaram-no a cortar com o mundo exterior. Será
que foi isso que aconteceu? Ou terão as cartas, também elas, ficado retidas/
prisioneiras?
Uma vez que a ausência de notícias se manteve durante alguns
meses, os pais do Geraldino Contino tomam a iniciativa de escrever para o
Vaticano, dando conta a Sua Santidade o Papa Paulo VI (1897-1978) da sua
angústia por desconhecimento do destino do seu filho, feito prisioneiro pelo
PAIGC. O Santo-Padre interessa-se por este caso e remete, em 10 de Setembro de
1970, uma carta dirigida ao Arcebispo de Conacri, Raymond-Marie Tchidimbo (1920-2011),
solicitando informações concretas sobre a situação desse jovem militar. Este
religioso, por sua vez, cumprindo o superior desejo de Paulo VI, escreve em 16
do mesmo mês uma nova missiva de teor semelhante, enviando-a ao cuidado de
Amílcar Cabral, na qualidade de secretário-geral.
Recorda-se que estas duas cartas, escritas em francês,
constam da Parte I. (*)
A este contacto formal do Arcebispo de Conacri,
Raymond-Marie Tchidimbo, seguiu-se a resposta pronta de Amílcar Cabral, com
data de 17 de Setembro, cujo conteúdo daremos a conhecer de seguida, a tradução
e o original em francês, por esta ordem.
Tradução [de Jorge Araújo]:
Conacri, 17 de Setembro de 1970
Sua Excelência Monsenhor Raymond-Marie Tchidimbo, Arcebispo
de Conacri Monsenhor,
Tenho a honra de acusar a recepção da vossa carta de 16 de
Setembro, pela qual teve a gentileza de pedir para o pôr ao corrente sobre o
conteúdo de uma carta remetida pela Secretaria de Estado da Cidade do Vaticano,
por intermédio de Sua Excelência Monsenhor BENELLI, substituto desse mesmo
Ministério.
A direcção nacional do nosso Partido está honrada de poder
dar as seguintes informações acerca do prisioneiro de guerra Geraldino Marques
Contino de acordo com o interesse de Sua Santidade o Papa Paulo VI.
- Nome: Geraldino Marques Contino
- Filho de Armando Contino e de Olinda Marques
- Nasceu em 15 de Fevereiro de 1945 em Envendos [Mação,
Santarém]
- Profissão: estudante
- Situação na arma colonial: 1.º Cabo – RAL5
- N.º mecanográfico: 093526/66
- Feito prisioneiro em 3 de Fevereiro de 1968 em Bissássema
(Frente Sul) a 17 quilómetros de Bissau, a capital.
O prisioneiro encontra-se bem, tanto física como moralmente.
De acordo com os princípios humanitários da nossa luta, do respeito pela pessoa
humana e de nunca confundir colonialismo português e povo de Portugal ou
cidadãos portugueses, o melhor tratamento é concedido a este prisioneiro como a
todos os outros. Toda a sua correspondência é enviada, no tempo, para o seu
destinatário. É possível que o Governo português por necessidade da sua
propaganda contra a nossa luta legítima, não quer que as famílias dos
prisioneiros sejam informadas da situação na qual se encontram os seus filhos,
cônjuges e irmãos.
A carta anexa, escrita pela mão do prisioneiro, e endereçada
a seus pais, informará melhor que nós sobre a sua situação, a sua saúde e o seu
estado de espírito.
À vossa inteira disposição para todas as informações úteis,
por favor aceite, Monsenhor, a expressão dos nossos sentimentos de respeito e
fraternal amizade.
Pel’ O Secretariado Político do PAIGC
Amílcar Cabral, Secretário-Geral
Tradução [de Jorge Araújo]
Senhor Amílcar Cabral
Secretário-Geral do PAIGC
Conacri
Deixe-me dizer obrigado – um obrigado muito simples mas não
menos sincero – pela recepção dispensada à minha carta de 16 de Setembro e a
resposta, tão rápida e atenciosa, que se dignou trazer.
Gostaria de ser gentil o suficiente por ter sido o
interlocutor junto do Secretariado Político do PAIGC para o qual registo aqui a
expressão da minha gratidão.
O SANTO-PADRE será em breve informado, por intermédio de Sua
Excelência Monsenhor Substituto da Secretaria de Estado da Cidade do Vaticano,
- Monsenhor BENELLI – do conteúdo da sua carta; ao mesmo tempo que será
transmitida a relação de Geraldino Marques Contino a seus pais.
O seu gesto, Senhor Secretário-Geral, marca uma etapa
decisiva da vossa luta para conseguir, finalmente, libertar a sua Pátria de
toda a dominação; o Vaticano, singularmente atento às actividades dos
Movimentos de Libertação do mundo inteiro, não vai deixar de apreciar o
verdadeiro valor das intenções e dos esforços do PAIGC.
Queira aceitar, Senhor Secretário-Geral, com os meus
agradecimentos repetidos, a expressão do meu bem fraterno e respeitosa amizade.
Conacri, 19 de Setembro de 1970
Raymond-Marie TCHIDIMBO,
Arcebispo de Conacri
Fonte: Casa Comum; Fundação Mário Soares.
Pasta: 07069.111.023.
Assunto: Agradece a resposta à sua carta, em que dá conta da
situação do prisioneiro de guerra Geraldino Marques Contino.
Remetente: Monsenhor Raymond-Marie Tchidimbo, Arcebispo de
Conacri.
Destinatário: Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC.
Data: Sábado, 19 de Setembro de 1970.
Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Relações
com a Guiné-Conacri / Senegal 1960-1970.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral.
Tipo Documental: Correspondência.
Vinte e sete anos depois, numa iniciativa do semanário «Expresso», foi possível reunir em Lisboa, dezasseis desses prisioneiros. Na capa da «Revista do Expresso, n.º 1.309, de 29 de Novembro de 1997, é possível identificar, com a seta amarela, o Geraldino Marques Contino, camarada que esteve no centro deste trabalho de pesquisa [Infogravura nº 4]. O texto da reportagem é da autoria do jornalista José Manuel Saraiva.
A escassos dias de completar quarenta e sete anos, em que reconquistaram a liberdade na sequência da audaz «Operação Mar Verde» [Guiné-Conacri, 22 de Novembro de 1970], e a vinte anos da primeira reunião pública em grupo, em Lisboa, por iniciativa do Expresso, este trabalho é, também, a minha homenagem a todos eles, uma aprendizagem pessoal e, ainda, uma lembrança pelas duas efemérides.
Obrigado pela atenção.
Com um forte abraço de amizade… e muita saúde.
Jorge Araújo.
8NOV2017
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