Este artigo foi publicado no bart1914.blogspot.com , pela primeira vez em 21 de Fevereiro de 2008:
(na foto, A equipa cripto, junto
de uma viatura Daimler)
Simpatizava imenso com este
homem...tinha um porte fino...”Cavaleiro” de formação militar, cedo deixou os
modos arrogantes típicos dos “Cavaleiros” e tornou-se dos oficiais mais
porreirinhos de Tite.
O alf. Vaz Pinto, tinha grandes
objectivos, passados e futuros, ele e outros familiares, estavam ligados ao
Ténis de alta competição em Portugal, notando-se um “estar” diferente comparado
a alguns “brogessos” da sua classe.
No período mais critico de ataques
do PAIGC ao nosso quartel, habitualmente, à noite estavam sempre duas
auto-metralhadoras Daimler de prevenção estacionadas frente à porta-de-armas,
para, que quando começasse um ataque, logo as mesmas saissem disparando, na
direcção do ataque, pois se o IN estivesse perto, seria uma persuasão.
Nesse dia de folga, tinha bebido
umas bazookas valentes e à noite já estava “benza-te Deus”.
Sabendo que o alf. Vaz Pinto
estava de oficial de dia, e que estava junto das Daimler, aproveitei, e para lá
me dirigi para a conversa e com a esperança que ele me deixasse ir à messe de
oficiais buscar “xarope” pois a minha “gripe” estava a piorar !!
Eu estava com um espírito
“anedótica” de eleição, o alferes e o pessoal das Daimler riam que nem uns
perdidos, senão quando se ouvem os estrondos das “saídas”...mais um ataque
tinha começado...o pessoal salta para dentro das auto-metralhadoras, e uma
delas arranca logo. Eu pirei-me para dentro da casa da guarda mas olhando para
fora vejo o condutor da Daimler que não tinha saído a gesticular e aos gritos
“não tenho apontador...onde está o ???” a aflição dele era tremenda...olhou
para mim e disse “Justo embora pá, tenho que sair, vamos embora”.
Francamente nem hesitei, saltei
para dentro da Daimler - ainda me entalei ao fechar a tampa de ferro - e ele
arrancou para a estrada de Nova-Sintra.
As Daimler, todas fechadas, tem
uma luz vermelha no interior, para o pessoal ter o mínimo de visibilidade, tem
apontador e condutor, sendo que o apontador fica num nível mais elevado para
disparar a metralhadora Dryse.
O condutor - tenho pena de não
lembrar o nome - começa aos gritos...”dispara essa merda, porra...dispara prá
frente”...e eu que não atinava com a Dryse...só tinha feito fogo com aquilo na
recruta à quase um ano atrás...mas lá consegui começar a disparar - os disparos
mesmo não vendo o IN, serviam para atemorizar e dar uma resposta rápida ao
ataque - mas...que cena louca...a metralhadora não tinha colocado o
resguardo-tipo saco para recolha dos envólucros vazios pós disparo, e o
desgraçado do condutor, mais abaixo, sem capacete e aos berros, pois estava a
levar com os envólucros em brasa, na cabeça, nas pernas...por todo o lado.
Deixei de disparar, e passados
largos minutos, já com a Daimler de regresso ao quartel, tive a noção perfeita
que me tinha passado a bebedeira, sentia-me perfeitamente sóbrio e todo eu
tremia. Não falava...saí da viatura...olhei para o condutor...e arranquei dali
para fora.
Felizmente, desta vez, tinha sido
um ataque pequeno, sem consequências muito graves.
Já no Centro Cripto,
sózinho...comecei a chorar compulsivamente e em silêncio...se alguém me visse,
ou ouvisse...que vergonha !! “um militar não chora” tenho a certeza que se não
tivesse com os copos, nunca iria para dentro da Daimler...sempre pensei que o
medo é um reflexo de inteligência, mas a partir dessa noite fiquei a apreciar
ainda mais os homens de Cavalaria, Artilharia e Infantaria, que todas as noites,
tinham que sair para operações e emboscadas.
Viemos a saber depois, que o
condutor Daimler de prevenção tinha apanhado uma “gripe” monumental e adormeceu
na caserna. Conseguimos todos que o alf. Vaz Pinto não o lixasse.
Hoje compreendo perfeitamente o
sofrimento dos camaradas com Síndrome Pós-traumático.
Zé Justo"
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