"Memórias do Bart 1914 em terras da Guiné
Um dia difícil de
descrever, mas para sempre recordar
Estavamos nos primeiros dias de Fevereiro de 1968. Um dia ou
dois antes, tinhamos tido a visita do Conjunto Académico João Paulo, um
conjunto de rapazes madeirenses muito apreciado na época, pelas suas músicas
que ficavam no ouvido da malta jovem.
Por essa altura os altos comandos do C.T.I.G., resolvem
fazer uma operação de limpeza e ocupação da tabanca de Bissássema, por constar,
devido a informações chegadas ás chefias, que os homens do PAIGC andavam por
ali a impôr as suas ideias e isso tornava-se deveras perigoso não só para Tite,
mas até para Bissau.
Assim, o comando do BART 1914 resolve desencadear uma
operação, já com alguma envergadura, convocando um vasto grupo de soldados,
cujo número não posso precisar ( talvez 70 ou 80 homens) onde estava um pelotão
da CART 1743 e dois pelotões de milícias, um de Tite e outro de Empada, mais alguns
homens do Pel. de Morteiros e das Transmissões, tendo como comadante o saudoso
Alferes António Júlio Rosa, (com pouco mais de 1 mês de comissão, pois tinha
chegado á Guiné em meados de Dezembro, do ano anterior) para não só ocuparem a
tabanca, mas também construir abrigos, para lá colocar em permanência uma força
militar para defesa da mesma.
A nossa tropa sai de Tite, salvo erro no dia 1/2/1968, ocupa a tabanca sem qualquer resistência e começa de imediato a construção dos abrigos previstos para aquele fim. Na noite de 2 para 3 de Fevereiro, estava eu de oficial de dia ao BART, ouvem-se fortes rebentamentos, para os lados da tabanca de Bissássema, que indiciavam que o pior podia estar a acontecer. Tentámos contactos com a nossa tropa, via rádio, mas não tivemos qualquer êxito. Ninguém nos ouvia e muito menos respondia. Meia hora depois o tiroteio parecia ter acabado. Foi esperança de pouca dura, pois logo a seguir começou um novo ataque, vindo mais tarde a saber que o IN tinha entrado pela tabanca dentro, lançando granadas e semeando o pânico. Abalado com a explosão de uma granada o Alferes Júlio Rosa e vários soldados foram apanhados á mão, levando o IN também algum material de transmissões.
Aquela noite foi de uma angústia terrível, sem termos
notícias do que se estaria a passar. A tropa que tinha ficado em Tite, ficou
toda a noite em estado de alerta máximo, ávida por ter notícias, mas também não
fosse o IN aproveitar a ocasião, para
atacar o aquartelamento.
Com o amanhecer e aparecimento da luz do dia, começaram a
chegar ao aquartelamento de Tite alguns dos nossos soldados, lavados em
lágrimas, alguns esfarrapados outros semi-nus, uns com armas, outros sem nada
nas mãos, dando a todos os que os viram chegar uma imagem fiel e terrível do
sofrimento, por que tinham acabado de passar. Gostaria de mencionar o nome de
todos os nossos homens feitos prisioneiros, mas para além do já citado Alferes
Júlio Rosa recordo também o furriel miliciano do Pelotão de Morteiros 1208 de
seu nome Manuel Nunes Reis Cardoso, o 2º sargento da Companhia de Milícias nº
7, Manga Colubali e mais 3 militares da CART 1743 o Rosa, o Capítulo e o
Contino. Que me desculpem se faltam alguns, mas a minha memória já não dá para
mais.
Apenas e para terminar este meu pequeno texto dir-vos-ei,
que naquela altura chorei e muito e a imgem que tenho guardada na minha
memória, irá comigo para a cova, quando o Senhor entender, que chegou a minha
hora.
Ainda hoje sinto uma estranha sensação, ao recordar estes
acontecimentos.
Para registo, este foi um dos piores momentos por que passei
naquela terra.
Para todos vós um grande abraço de amizade e o grande
orgulho de vos ter tido por companheiros e camaradas daquelas campanhas.
Augusto Antunes
Alferes Miliciano"
Oficial de Dia, no dia 3/2/1968
Sem comentários:
Enviar um comentário