No quartel de Tite estavam ao serviço oito escriturários. Eu fiquei com a secção de operações e planeamento. Éramos muito amigos
Da revista Domingo do Correio da Manhã, transcrevemos com a devida vénia, mais um artigo da série "A MINHA GUERRA", série esta onde também já foi noticia o nosso companheiro Pica Sinos há umas semanas atrás e cujo artigo está também publicado no nosso blog.
"Corria o ano de 1963 quando assentei praça no quartel de Espinho. Tinha 20 anos e cheguei à tropa em Maio, no ano em que a guerra começou na Guiné-Bissau. Completei a especialidade de escriturário no quartel de Torres Novas.
A temida ordem de mobilização chegou no final do Verão. Fui destacado para a Guiné-Bissau e parti, integrado no Batalhão de Comando e Serviço nº 599, a 12 de Outubro. A partida foi muito difícil. Ao embarcar no navio ‘Índia’, no Cais de Alcântara, deixando em terra família, amigos e a namorada de então, apoderou-se de mim uma tristeza enorme, que nunca antes tinha sentido.
Chegámos à Guiné depois de cinco dias e meio de viagem. O navio parou ao largo de Bissau e fomos depois levados de ferryboat até ao nosso destino – o quartel de Tite, zona onde já se tinham registado vários combates com o inimigo. Sentimos de imediato as dificuldades da geografia local. Calor intenso e estradas empoeiradas tornavam a respiração muito difícil.
No aquartelamento de Tite éramos oito escriturários. Eu fui colocado na secção de operações e informações. Passava à máquina os planos dos ataques e as informações que nos chegavam.
ATACADOS 16 VEZES
O ano de 1964 foi relativamente tranquilo. Não sofremos ataques do inimigo, mas, a partir de 65, fomos flagelados por várias vezes. Enquanto estive em Tite, lembro-me de o quartel ter sido atacado em 16 ocasiões. Os tiros de morteiro e as granadas choviam por cima dos telhados. Corríamos desenfreados para os abrigos e recordo situações de grande ansiedade. Apesar de ter funções administrativas, também tive de disparar contra os vultos que via rondar o quartel durante a noite. Participei numa operação no exterior do quartel para montar uma emboscada, mas dessa vez o inimigo não apareceu.
Um dos episódios mais tristes que lembro foi a morte de uma sentinela, abatida a tiro dentro do quartel . Nesse dia havia uma sessão de cinema para a população civil e dois guerrilheiros que tinham sido apanhados no mato ficaram amarrados com cordas dentro da casa do guarda. Ficaram sozinhos – o que nunca devia ter acontecido – e um deles soltou-se. Alcançou uma metralhadora G3 e matou a sentinela. Só a corajosa intervenção de um cozinheiro, que conseguiu desarmá-lo e abatê-lo, evitou males maiores.
Outra perda que não esqueço foi a morte de um grande amigo. A dada altura criou-se uma força de comandos para a qual foram pedidos voluntários. Do nosso aquartelamento ofereceram-se nove soldados. Sete deles morreram em combate, incluindo esse meu amigo.
Na guerra, muitas vezes era a fé que nos ajudava. Tínhamos um altar com uma imagem de Nossa Senhora de Fátima. O altar foi atingido pela balas do inimigo, mas a imagem escapou sempre incólume aos ataques, o que nos emocionou a todos.
Parti da Guiné-Bissau em Agosto de 1965 e regressei a Portugal, onde reencontrei a namorada com quem me casei e que viria a ser mãe do meu filho. Mas os primeiros meses de regresso a casa foram duros. Estava de tal forma habituado a acordar a meio da noite para fugir aos ataques que demorei vários meses a habituar-me a viver em paz.
PERFIL
Nome: Afonso Catarino
Comissão: Guiné-Bissau (1963-1965)
Força: Batalhão de Comando e Serviço nº 599
Actualidade: Aos 68 anos, tem um filho e três netos. Reformado, vive em Matosinhos"
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