Caros companheiros
Acerca deste mote sempre quente, o de Nova Sintra, publicamos há dias um excelente artigo do n/Alf. Vaz Alves, acompanhado duma foto da época e do local de Nova Sintra, elucidativos do que ali se passou e que viveu na péle todo aquele drama, desde a desbravação da mata, o atravessar de rios e bolanhas, até chegar ao ponto “X” préviamente marcado, o do futuro aquartelamento de Nova Sintra. É certo que foram dias dificeis com ataques permanentes durante o trajecto por mata serrada, com mortes e feridos.
Entretanto surgiu o comentário do nosso companheiro Joaquim Caldeira, furriel da CCAÇ 2314, que põe em causa factos e datas e até mesmo a foto.
Se se quiserem dar ao trabalho de ler as crónicas assinaladas no lado esquerdo deste Blog, na rubrica “Etiquetas ordenadas pela frequência de visitas” e clicando na posição “Nova Sintra”, vão encontrar dois artigos muito interessantes de seu titulo “NOVA SINTRA 100 METROS DE HORROR” e “NOVA SINTRA – O PÃO QUE O DIABO AMASSOU”.
No primeiro, da autoria do nosso companheiro Pica Sinos, é relatado ao pormenor o inicio da Batalha de Nova Sintra, em que intervieram pelo menos a CCS do BART 1914 com Sapadores, Atiradores, Serviço de Transportes, Transmissões, etc, Pelotão de Morteiros, Pelotão Daimlers, CART 1743, CART 1802, Pelotão de Milicias e concerteza também a CCAÇ 2314, embora o Joaquim Caldeira não reconheça na foto nenhum companheiro da sua Companhia.
Mas neste artigo do Pica Sinos, os factos relatados são baseados em documentos oficiais de carácter Confidencial à época, o que quer dizer há 43 anos atrás. A memória pode-nos atraiçoar, mas os documentos não. E surgem nestes artigos, comentários de vários companheiros, que comprovam o que ali se passou.
Nesta crónica é assinalado o dia 6 de Maio de 1968 como o da partida da CCAÇ 1802 de S.João (destacamento avançado de Bolama), com 17 viaturas, e a sua chegada ao ponto do futuro quartel às 15 horas, onde já se encontravam as tropas vindas de Tite.
Saber quem pôs o pé primeiro, quem colocou a primeira pedra parece ter pouca ou nenhuma importancia dada a grande quantidade de feridos e mortos, em combate ou acidentes, que as nossas tropas sofreram naquelas paragens onde na verdade, “foi comido o pão que o diabo amassou”.
O que interessa foi o esforço, os sacrificios, feridos graves e ligeiros, estropiados e mortos, que tão desgraçadamente as NT sofreram em Nova Sintra.
Posto isto, parece-me que descrição do Alf. Vaz Alves é coincidente nos factos e nas datas com os relatos de outros companheiros – Sapadores, Atiradores, Morteiros, Reabastecimentos, Transmissões, Daimlers, etc, estacionados em Tite e que intervieram na Campanha de Nova Sintra.
E para que se relembre tudo o que foi relatado, transcrevemos a seguir aqueles dois artigos.
Abraços para todos
LG.
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Meu Caro Guedes
Faz o favor de ler o artigo que eu escrevi sobre Nova Sintra Vem lá referidas datas de quem é quem. Atenção os movimentos e as respectivas datas foram copiadas de sitrepes. O algodão não engana...
Podes puxar por Nova Sintra – O Pão que o diabo amassou
São 2 artigos ou então republica-los.
Dizer ainda que eu vejo na fotografia o Vaz Alves e não creio Que a fotografia fosse tirada noutra “estância de férias” na Guiné.
Uma coisa te garanto quem não este lá fui eu (e tu também não...) e ainda hoje tenho Pena de quem lá esteve a passar todo aquele horror
Tem um bom dia Pica Sinos
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100 METROS QUADRADOS DE HORROR,
FECHADOS POR ARAME FARPADO
Enfraquecida a acção da guerrilha na zona, resolvidos os problemas das acessibilidades e escolhido o local, agora o objectivo estava virado para a construção do aquartelamento em Nova Sintra.
Na manhã do dia 6 de Maio de 1968 parte de S. João a C. Caç. 1802, com 17 viaturas. Chega ao local para o novo aquartelamento cerca das 15 horas do mesmo dia. Já ali se encontravam as NT, saídas de Tite. Nenhuma destas duas forças militares, nos itinerários então percorridos, teve contacto com o IN.
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Havia a noção geral que a guerrilha jamais aceitaria a construção de um novo aquartelamento numa zona que sempre dominara. Todos tinham a noção que o IN voltaria a reunir forças para retomar a actividade e procurar repor o prestígio que gozava naquela região. Sabíamos do seu grande enfraquecimento, abalado pelas perdas bélicas e humanas, sobretudo desde a sua neutralização em Bissássema. Mas também se sabia que os seus recursos estavam longe de esgotados. Impunha-se começar os trabalhos na instalação do aquartelamento e proporcionar, com o feito, a melhor segurança para a defesa dos objectivos e das NT.
Despejadas as viaturas, os trabalhos iniciaram-se a ritmo acelerado. Isolou-se o perímetro com o arame farpado, construíram-se valas-abrigos, a norte e a nascente, talvez com 2 metros de largo e 5 metros de comprimento e as latrinas. Deu-se começo às fundações para os futuros pavilhões e postos de guarnição para a defesa das posições. Começou-se também a limpar terreno com vistas a abertura da pista de aterragem.
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Conta-me o ex-Furriel Sapador, Domingos Monteiro, que
…as moscas e os mosquitos eram “personagens” deveras e muito incomodativas de dia. Á noite faziam desesperar com as sucessivas picadas, nem mesmo roupa que trazíamos vestida as conseguia travar!
Acrescentando que …
As horas que contava, na escuridão daquela selva, mais pareciam dias.
As chuvas também estiveram presentes, quando, passados 2 dias de medos e incertezas, pela calada da noite, o perímetro de terra e lama onde as NT se aquartelavam, com cerca de 100 m2, é atacado, em força, por cerca de 100 homens, bem armados e municiados mas prontamente repelidos com pesadas baixas!
Pelas manhãs e durante o dia os trabalhos continuavam. Patrulham-se estradas e caminhos, aqui ali rastos de sangue e material bélico ligeiro deixado para trás. A cozinha de campanha enquanto não fez fumo, os alimentos eram das rações de combate, que sempre transportávamos. Na água que bebíamos colocávamos comprimidos para evitar as diarreias e febres. Um dado dia foram distribuídas 2 cervejas a cada militar, até nisto tive azar, porque ainda hoje não gosto desta bebida!
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Por sua vez o Carlos Leite (Reguila) refere
Na sucessão dos dias tudo era igual, o trabalho com as pás e com as picaretas calejava-me as mãos, o medo era constante, mas a disposição para a luta sobreponha-o. O cantarolar da passarada não nos parecia ter o mesmo encanto. No terreno lamacento, alguns sapos, eram “sticados” pela pá ou com a picareta, aqui ali ouvia-se o ladrar de um cão. Pelas noites dentro o sofrimento era maior, o vento ora forte ora brando, fazia-me confundir o “som” da selva. Eram nestes momentos que a falta da família e dos meus amigos mais se sentia. Ouvia as flagelações do IN a outros aquartelamentos e questionava-me – quando será a nossa vez?
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O aquartelamento de Nova Sintra, durante o mês de Maio, foi flagelado 7 vezes, causando 1 morto (a 13/05) e 19 feridos graves que, muitos destes, foram evacuados, nessas mesmas noites, por helicópteros directamente para Bissau. Do lado contrário as mortes confirmadas foram em número de 26 e feridos 31.
A 05/06/68 o aquartelamento de Nova Sinta foi visitado pelo CMDTChefe acompanhado pelo CMDT do Bart.
A 11/07/68 foi inaugurada a iluminação exterior e, a
19/07/68 a pista de aterragem por uma avioneta, um Dornier 27.
A luta, essa, estupidamente tinha que continuar, causando continuadamente mortes e feridos de ambos os lados, estragos e desgraças bem ao gosto daqueles que as fomentam.
Pica Sinos
Nota:As fotos são do museu do Jordão Justo
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Nova Sintra - O pão que o diabo amassou...
Meus amigos O prometido texto sobre Nova Sintra aqui está, escrito em duas partes. O Pica é o seu autor.
Para ele o nosso abraço.
NOVA SINTRA – O PÃO QUE O DIABO AMASSOU
O saudoso Ramiro Neto, destacado na cozinha do nosso Batalhão, dias antes da partida, disse: - …Meu Capitão, eu tenho muito medo, não me deixe ir para N.Sintra, tenho um mau pressentimento… -
…Não sei? Vou falar com o Comandante, logo te digo…respondeu-lhe o Capitão. –
…Então meu Capitão já tem resposta para mim? –
…Tenho! O Comandante não abre excepções. Vão todos. Ninguém fica para trás…olha que insisti bastante…não consegui demovê-lo!
Aquando da flagelação IN, 7 dias depois de estacionadas as NT em Nova Sintra, o nosso bravo camarada morreu. Morte originada pelo estilhaço do rebentamento de uma granada de morteiro. Pensava ele estar protegido pela tampa da chapa de bidão, que colocou na vala-abrigo construída. O fragmento entrou pelo único buraco que deixou aberto. Foi a 13 de Maio de 1968.
Quem esteve por lá sabe que, na zona operacional do comando do Bart 1914, a tabanca de Tite, que ladeava a sul e a norte o aquartelamento das NT, era (a seguir a Bissássema com dimensão para além do triplo), o maior agregado populacional desta área, seguindo-se os das regiões de Jabadá e Fulacunda.
Também é do conhecimento que esta dispersão populacional, contornada por rios, bolanhas e matas, rica no cultivo orizícola, em pecuária (bovino) e na suinicultura (suínos), possibilitava, ao IN, grande mobilidade no desencadear acções de guerrilha, para flagelação aos nossos aquartelamentos, para controlo demográfico e político-administrativo das populações. Consequentemente, ainda permitia sacar, das populações, farto abastecimento em géneros e roupas (panos), e elevado recrutamento de carregadores. Com vistas a desencadear as já citadas flagelações, com armas pesadas, às nossas posições aquarteladas na região, nomeadamente em Tite, Enxudé, posto avançado e porto fluvial de Tite, Jabadá, Fulacunda, Empada e ainda em S. João, destacamento avançado de Bolama. Assim como na montagem de emboscadas, colocação de minas e armadilhas com vistas a barrar ou mesmo anular o avanço no território das NT. Toda esta magnificência operacional do IN, obrigava, no ponto de vista militar, a implementar um vasto e variado conjunto de operações, que foram em número de 117, até à ocupação do terreno de N. Sintra, visando desobstruir estradas e caminhos há muito emaranhados por denso matagal, possibilitando fácil acesso das NT ao patrulhamento, batidas, emboscadas e outras acções de confronto, com vistas ao enfraquecimento e despejo do IN da região.
Desobstruídas as estradas de terra batida, reparados, reconstruídos ou mesmo construídos os pontões, permitiu utilizar outros meios, até aí impossibilitados, nomeadamente os carros de combate – Daimlers – (jeeps blindados) e de transportes das tropas em viaturas ligeiras e pesadas, concludentemente a uma mais rápida ligação aos aquartelamentos implantados na região, proporcionando eficazes controlos territoriais e populacionais, fixar tropas e materiais de engenharia no terreno, nomeadamente em Nova Sintra, visando a construção de um novo quartel.
Dos nossos opositores, todas estas acções não podiam ficar sem resposta. Detentores do território, organizados, bem armados e municiados, procuravam, energicamente, impedir a progressão das NT, montando, por efeito de nomadização, várias emboscadas, colocando dezenas de minas no terreno e granadas accionadas por fio de tropeçar. Destruíram, por várias vezes, os pontões já implantados, colocavam abatizes armadilhados, obstáculos constituídos por grossos ramos de árvores, fortemente ligados ao solo com as extremidades aguçadas, tudo obviamente com vistas ao impedimento da progressão das NT.
Cumulativamente desencadearam, aos diversos aquartelamentos e posições agrupadas nas regiões afectas (exemplo Bissássema), 47 flagelações, com destaque para Fulacunda e Tite, causando às NT, até ao final de Março de 1968, 8 mortos (2 por afogamento) cerca de meia centena de feridos, alguns de muita gravidade e com necessidade de serem evacuados para o continente, e ainda 3 capturados.
Sabemos que as moedas têm duas faces, as guerras também. Até ao começo da implementação do quartel em Nova Sintra, – Maio de 1968 – nas operações, de diverso tipo, desencadeadas pelas companhias aquarteladas em Tite, Jabada, Fulacunda, Empada, pelo destacamento de S.João e por Companhias de Pára-quedistas (2 vezes), estima-se que foram mortos 128 guerrilheiros, feridos, mais do dobro, presos ou capturados 117, dos quais foram soltos por falta de interesse estratégico/militar 112. Destruído 3 de acampamentos militares, 12 canoas e capturadas várias toneladas de material de guerra, pesado e ligeiro, onde se inclui 1 canhão s/recuo.
(Continua Pica Sinos As fotos são do museu do Justo e do Carlos Leite (Reguila)
Estava de serviço no Centro de Cripto, quando foi atacado., uma das vezes, o aquartelamento em Nova Sintra. Nessa noite, o ataque às NT era constante e no quartel em Tite a correria das várias patentes para o Centro de Transmissões foi de modo a chamar a minha atenção e de outros. Apercebi-me que alguém estava agarrado ao microfone do rádio dizendo aos presentes (2 Capitães entre outros) …eles dizem (repetidamente) que façam troar Stª Barbara! Aquele conjunto de oficiais olhava uns para os outros interrogados. Pois não entendiam tal pedido. Nem constava a frase no livro criptado que eram portadores os oficiais, quando em operações e, que um dos Capitães, (vejo ao entrar no Centro de TMS com o ex-furriel Cavaleiro) desfolhava nervosamente. E o operador de rádio continuava a dizer …eles dizem, façam troar Stª Barbara…Façam troar Stºa Barbara.. Quando de rompante o Cavaleiro e em segundos disse: Óh pá que merda (era típica esta expressão do Chevalieir) …o que eles pedem é o fogo de artilharia. Pedem que os obuses funcionem. É isso é isso, É isso, disse um Capitão loirinho que por lá andava e tinha na ideia que era mais bravo que os outros. E assim foi, mas enquanto não souberam das coordenadas para fazer o fogo que era pedido, a nossa malta embrulhava. Ainda hoje não percebo porque é que o oficial em Nova Sintra não foi claro no pedido. Era tão simples dizer …ponha os obuses a funcionar porque estamos a ser atacados. Enfim
Os apontamentos do Marinho que me pede para publicar
Fui diversas vezes em D.O., Dakota e Heli, lançar artigos para o aquartelamento de Nova Sintra, tais como pregos, correio, pão, rações de combate e outros artigos em virtude de não poderem ser reabastecidos ou entregues por via terrestre. Uma das vezes que fui lançar artigos, tinha chovido muito e eu comentei para o piloto furriel Honório, que era um crime lançar os sacos de pão naquele terreno, todo encharcado e enlameado, a resposta do Honório foi…eles têm que se desenrasquem pois não temos outra hipótese. Não sei em que data, mas foi quando o Cap. Vicente estava a substituir o Cmdt da C.Caç 1802, evacuado, a mina levou-lhe uma perna.
O Cap. Vicente, sem passar cavaco a ninguém, partiu de Nova Sintra, com viaturas e parte de um pelotão da Companhia, passando por uma estrada que todos nós tínhamos muito medo, a estrada de IUSSI, ou seja “a mata do Jorge”, todos ficamos admirados, por ele não ter tido qualquer contacto com o In. O CMDT Hélio Felgas ao vê-lo em Tite, ficou em ponto de rebuçado. Deu-lhe uma grande descompostura, dizendo-lhe que ele com a sua leviandade pôs os seus subalternos em perigo, em risco de vida, respondendo o Cap. Vicente…eu sou um oficial da Academia e não um oficial básico…ele considerava que os oficiais que não passavam pela Academia eram básicos. Nesse mesmo dia estava eu a chegar com um carregamento que tinha ido levantar ao Enxudé e, logo que me viu disse-me…Tenho que ver o que vem nas guias. Quando as entreguei, que mal olhou, começou a mandar colocar nas viaturas que trouxera de N.Sintra o que queria, dizendo-lhe eu que tinha caixotes com dobrada.
Essa merda os teus companheiros não a comem. “ A dobrada era liofilizada que depois demolhada os pedaços com 2cm passavam a ter 10cms. Comemos nós em Tite”
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