A VELHICE por António Lobo Antunes
A maior parte dos polícias são mais velhos do que eu.
Comecei a gostar de sopa de Nabiças.
A apetecer-me voltar mais cedo para casa.
A observar, no espelho matinal, desabamentos, rugas
imprevistas, a boca entre parêntesis cada vez mais fundos.
A ver os meus retratos de criança como se fosse um estranho.
A deixar de me preocupar com o futebol, eu que sabia de cor
os nomes de todos os jogadores do Benfica (…).
A desinteressar-me dos gelados do Santini que o Dinis
Machado, de cigarrilha nas gengivas achava peitorais.
Se calhar, daqui a pouco, uso um sapato num pé e uma pantufa
de xadrez no outro e vou, de bengala, contar os pombos do Príncipe Real que
circulam, de mãos atrás das costas como os chefes de repartição, em torno do
cedro.
Ou jogar sueca, com colegas de boina, na Alameda Afonso
Henriques de manilha suspensa no ar, numa atitude de Estátua de Liberdade.
Quando der por mim, encontro o meu sorriso na mesinha de
cabeceira, a troçar-me, num copo de água, com 32 dentes de plástico.
Reconhecerei o meu lugar à mesa pelos frasquinhos dos
medicamentos sobre a toalha, que me farão lembrar as bandeiras que os
exploradores antigos, vestidos de urso como os automobilistas dos tempos
heróicos, cravavam nos gelos polares.
Devo estar a ficar velho.
E no entanto, sem que me dê conta, ainda me acontece apalpar
a algibeira à procura da fisga.
Ainda gostava de ter um canivete de madrepérola com sete
lâminas, saca-rolhas, tesoura, abre-latas e chave de parafusos.
Ainda queria que o meu pai me comprasse na feira de Nelas, um
espelhinho com a fotografia da Yvonne de Carlo, em fato de banho, do outro
lado.
Ainda tenho vontade de escrever o meu nome depois de embaciar
o vidro com o hálito.
Pensando bem (e digo isto ao espelho), não sou um senhor de
idade que conservou o coração de menino.
Sou um menino cujo envelope se gastou." Ver menos
António Lobo Antunes
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