" Passados os dez dias que dei a mim próprio para esperar por uma resposta, publico esta carta enviada ao Sr. Ministro da Defesa
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Exmo. Sr. Ministro da Defesa Nacional
Dr. João Gomes Cravinho
Para V. Exa. Os meus respeitosos cumprimentos
Sou um antigo combatente.
Combati (obrigado) na Guiné, nos anos de 1970 e 1971
Após 20 anos sem querer ouvir falar ou lembrar “aquilo”,
acabei por fazer um “nojo” e a querer enterrar fantasmas.
Não o consegui, até que li algures que os combatentes
americanos estavam a visitar o Vietname e a começar (após regresso dessas
visitas) a voltar a viver.
Criou – se então o desejo de visitar a Guiné e passados
alguns anos, ao fazer 25 anos do regresso, em 1996, com mais 8 amigos, voltei à
Guiné.
Foram dias fantásticos, dias de reencontro, dias de enterrar
medos, de enterrar ódios, de enterrar fantasmas.
Vim diferente e comecei a procurar antigos companheiros
Comecei a interessar – me pela história, comecei a organizar
encontros de combatentes e hoje faço parte, como Vice-Presidente, do Núcleo
local da Liga dos Combatentes.
Em 2002, aquando da criação da primeira lei de ajuda e
proteção aos antigos combatentes, preenchi milhares de formulários para antigos
combatentes.
O jornal local (Noticias de Vizela) onde colaborava,
ofereceu centenas de formulários.
Há hoje, um novo apoio aos antigos combatentes, traduzido
num Cartão de Combatente, que dá alguma (muito pouca, diga – se) dignidade aos
antigos combatentes.
Portugal deve ser o único país do mundo onde os combatentes
são olhados ainda com desdém, para não dizer ódio ou repulsa.
Vejo em muitos países os antigos combatentes a serem
tratados como heróis.
Nós não queremos ser heróis, mas não queremos ser tratados
como vilões.
Cabe aos governos, a este e aos que venham a seguir,
devolver aos homens e mulheres que, sem olharem para trás, partiram rumo ao
desconhecido, deixando chorando pais, esposas, filhos, para lutarem numa guerra
que ainda hoje, passado mais de meio século, ainda não a entenderam.
Cabe a V. Exas. Senhores políticos, senhores responsáveis
políticos. Dar a estes homens e mulheres, a grande maioria já no ocaso da vida,
um pouco de dignidade.
Não nos tentem inebriar com umas hipotéticas entradas num
qualquer museu, a gratuitidade num passe de camioneta (que nem mesmo isso é
para todos) ou o direito de ser velado com a Bandeira Nacional, se o
pretendermos.
𝓘𝓼𝓽𝓸 𝓮
𝓶𝓾𝓲𝓽𝓸
𝓹𝓸𝓾𝓬𝓸,
𝓹𝓪𝓻𝓪
𝓺𝓾𝓮𝓶
𝓽𝓪𝓷𝓽𝓸
𝓯𝓮𝔃
Os militares que estiveram na Guiné, sentem – se
prejudicados, pela Lei de 2009. A sua comissão era somente de 18 meses, quer
pelas agruras do terreno, clima, quer pela dureza da guerra, mas sempre
cumpriam muito mais que isso, normalmente mais 4 ou 5 meses. Alterando a Lei de
2002 e deixando de ser contabilizado o tempo de serviço, acaba – se por
prejudicar todos aqueles que incorporados em Batalhões Operacionais, não
perfaziam os 24 meses.
Nós queremos mais. Nós merecemos mais. Nós (muitos de nós)
precisamos de mais.
Apoio na proteção da saúde. Apoio na doença. Apoio na compra
de medicamentos.
O direito de preferência nas habitações do estado é uma
ilusão, que se perde nos corredores de quem decide.
A articulação com os diversos departamentos ou funções do
estado, não se pode perder em discussões estéreis, que duram anos.
Tenho sido questionado por muitos antigos combatentes sobre
o critério de atribuição do Cartão de Combatente.
Ninguém sabe, porque não há critério, não um plano, não há
uma regra, não há uma forma.
Sei que tem chegado a alguns combatentes, sem regra e sem
critério. Tanto recebe o que é de 1961, como o que é de 1974. Tanto recebe o
António como o Joaquim ou o Mário.
Critério, exige - se.
Para descanso e consolo dos antigos combatente e para que o
dito e (esperado) Cartão de Combatente seja recebido com orgulho.
Não transformem algo que pode ser importante, numa
banalidade.
Reitero os meus cordiais cumprimentos
Júlio César Cunha Ferreira
Combatente da Guiné em 1970 e 1971"
(enviado por Pica Sinos, a quem agradecemos).
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