"MODESTO TRIBUTO ÀS HEROINAS DA MINHA VELHA RUA DO
BAIRRO DAS FURNAS
- INTRODUÇÃO –
No decorrer dos anos 1943/1944, tendo como cenário a segunda
guerra Mundial, o Povo, as famílias portuguesas, foram assoladas de grande
miséria por via da privação de muitos dos bens essenciais para a sua
alimentação, sendo uma das principais causas a exportação desses bens para a
Alemanha nazi e não só.
Salazar, para que nada faltasse ao “senhor da guerra”,
decidiu racionalizar ao povo português muitos desses bens, tais como: o açúcar,
o azeite, o leite, e o pão entre outros. Sendo só possível adquiri-los através
de senhas que classificou de “racionamento”.
Esse racionamento visava na atribuição a cada família a
quantidade dos bens alimentares para o seu sustento, proporcional ao número de
pessoas do agregado familiar.
Com a situação do desemprego que era muito e a precariedade
dos existentes, gerava, variadas vezes, a falta do dinheiro para adquirir, em
parte ou em todo, esses bens alimentares. Não sendo poucas as vezes a razão dos
protestos da população, nas grandes filas nos postos da distribuição, esfomeada
e a gritar por pão, logo reprimida à bastonada pelas forças policiárias ali
presentes.
- A HABITALIDADE E A SITUAÇÃO SOCIAL -
As casas da minha rua
dos Plátanos, como todas as ruas do meu velho bairro, eram térreas e
construídas (forradas) por chapas de lusalite. No corredor do lado direito,
comportavam na sua frente um pequeno quintal, as casas do corredor do lado
esquerdo, o quintal estava situado nas traseiras.
A vida dos seus habitantes, na esmagadora maioria, era
humilde, sofrida e de pobreza. Existia muita tristeza por verem os seus filhos
mal calçados, mal vestidos, sem o acesso aos brinquedos que as montras das
vendas fora do bairro mostravam. No entanto apesar das dificuldades, havia
lugar aos sorrisos, quando viam os seus miúdos e miúdas a brincar com os
brinquedos que os próprios/as construíam. Procuravam serem felizes com o que a
vida lhes proporcionava.
Embora as dificuldades nas famílias fosse diversa, na
alimentação, em geral, comia-se mal. A grande escassez do mercado de trabalho,
uma certa cultura masculina, davam entendimento para vedar às mulheres a sua
participação no trabalho assalariado, vindo a permitir às mães da minha rua (e
não só), serem as grandes e principais responsáveis, a tempo inteiro, pela
educação e partilha da alimentação aos seus filhos e filhas, fundamentalmente
na idade escolar. Realçar, por vezes em seu próprio prejuízo, a sua mestria no
ultrapassar das dificuldades para que, do pouco, nada lhes faltasse, inclusive
aos seus maridos.
- A GERAÇÃO DE 1945/50 -
Na minha rua dos Plátanos, a geração dos anos 1945/55, (onde
me incluo), os rapazes primam pela maioria. Hoje, felizmente muitos ainda vivos
e com a responsabilidade de serem pais, avós e até já bisavós.
Quatro desses rapazes moravam no lanço de baixo da rua. O
José Silva (já falecido), os irmãos Fernando e Carlos Espinha, o Bica (já
falecido), e o “preto” que era branco e de cujo nome não me lembro. No lanço de
cima, habitavam mais 11 rapazes. O Luís (Filipe Vieira), o Luís (Damião), o
José (Fernando), os irmãos Manuel e Valdemar, o Fernando, o Raul Pica Sinos, o
Pedro, o Luís (Augusto), o Emílio e o Pisco (já falecido).
Habitavam muitos outros mas as suas idades já se situavam na
esfera da adolescência.
- AS VELHAS SENHORAS DA MINHA RUA -
Como eu me recordo: da Ti Florinda, da Ti Laura Cardoso, da
Ilda (a dos óculos), da Ti Carolina, da Ti Engrácia, da Ti Teresa (a das
azeitonas) Como eu recordo a Ti Irene, (onde na sua casa aos domingos se
cantava o fado). Aa mãe do Zé Koi, (cujo nome já esqueci), Como eu recordo a
Maria do Carmo, da mulher do alfaiate, (que morava em frente à minha casa), da
Ti Matilde, da Ti Etelvina que em frente à sua casa morava a Ti Josefa, (a
alentejana a estender em panos colocados no chão, para as ervas e pétalas das
flores que colhia, com vistas a secar pelo sol, destinadas à venda para chá).
Que saudades da Ti Adélia, da Ti Hirondina, da Ti Emília (a
peixeira)
Quem não se lembra da TI Paulina (das mamas grandes) que
vendia lixivia. Como eu recordo a Ti Benvinda (que sempre me cumprimentava com
um sorriso ao passar à minha beira no seu passo pequeno mas ligeiro), da Ti Leonilda.
A moradora de nome Estrela (dizia-se que era irmã da
governanta do Salazar e por isso pouco se falava com ela, a custo a saudação).
Da Ti Luísa, (que morava na ultima casa da rua), da Ti Virgínia, da mãe do Bica
(não me lembro do nome da senhora), da Ti Rosa (que morava no principio da
rua). Da Ti Georgina (minha querida mãe e mulher do cantoneiro da limpeza do
bairro)
Todos nós, ao longo da nossa infância e não só,
respeitávamos e muito as “velhas senhoras” do nosso Bairro. Também é certo que
gostávamos mais de umas de que outras. Gostávamos pouco daquelas que nos metiam
medos, dizendo que iam fazer queixas às nossas mães, quando encetávamos as
barulhentas brincadeiras, No entanto, já na adolescência, como ficávamos
vaidosos ao ver as senhoras mães satisfeitas no observar os “seus” meninos de
outrora, já pequenos homens a prepararem e a lutarem pelo seu futuro.
Pica Sinos".
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