AS PATRULHAS
Vão
saindo para a frente da caserna e coloquem-se em fila indiana, dizia eu naquela
madrugada ainda fria e cacimbada aos soldados, à medida que iam saindo da
caserna. Íamos pela primeira vez tomar contacto com o terreno, mais para uma
adaptação que para um confronto directo com o IN , coisa quem ninguém esperava
viesse a acontecer. Arma em posição de tiro, travada, carregador embutido, bala
na câmara, duas cartucheiras carregadas com dois carregadores cada, uma granada
de bazuca por cada homem e uma outra de morteiro também, faziam o equipamento
de cada homem. O Zé Carlos apenas levava a saca e uma G 3, embora preferisse
transportar a pistola. Eu é que não deixava.
O Zé
Carlos era um belo rapaz, ex - empregado numa farmácia para as bandas de
Águeda, no Continente. Bem falante mas muito modesto, vim a saber, mais tarde
que afinal apenas dissera que era farmacêutico para dar mais confiança aos
camaradas. Que o desculpasse pela mentira mas, afinal, era apenas um
trabalhador agrícola por conta de patrões que ia angariando a partir dos seus
catorze anos de idade e até ser engajado na tropa. Tivera sorte em ir para
enfermeiro. Sorte? Sorte tivéramos nós em o ter como tal. Para além de ser um
grande homem era também um excelente enfermeiro. Todos queríamos ser medicados
e tratados pelo Zé Carlos. Pobre homem veio a falecer pouco tempo depois de ter
acabado a tropa. E, para cúmulo do azar, em acidente de motorizada. Paz à sua
alma.
Mal
chegáramos ao aquartelamento, demos instruções aos soldados para irem tomar
banho antes de se deslocarem para o rancho bem merecido e fomos fazer o mesmo.
Eu era mesmo um tipo de sorte. O “máquinas”, alcunha dado ao Almeida, furriel
mecânico, era já naquela altura grande amigo meu e tinha uma grande preocupação
pelo meu bem-estar. Veio esperar-me à porta de armas e quis logo saber se
precisava de alguma coisa que ele pudesse fazer por mim. Grande amigo: noutras
ocasiões deu provas de o ser, tais como quando soube que eu tinha sido atingido
de insolação e, resoluto, pegou numa pistola minúscula, meteu-se num jipe e foi
buscar-me a cerca de quatro quilómetros de distância para que mais rapidamente
pudesse ser tratado. Até me ajudou a tomar banho, mesmo vestido. De outra vez,
ao saber que o meu pelotão, que eu comandava nesse dia, estava de regresso de
uma patrulha e que tivera contacto com o IN de que resultara um ferido e muita
confusão, não hesitou em ir no seu jipe e mandar um unimog buscar-nos ao
caminho, desde o pontão de Nova Sintra até ao quartel. Até se poderia dizer
que, além de grande amigo era também um arrojado militar. Mas dada a sua
função, nunca se envolveu em combates, ao contrário do Estanqueiro, furriel
vagomestre e que durante o ataque ao Gatongó deu mostras de grande valentia e
discernimento bem como de capacidades de comando. Foi ele que iniciou o assalto
de que resultou a destruição do aquartelamento IN durante operação em causa.
Por
essa altura já eu tinha uma lavadeira, mulher grande por ter já mais de
quarenta anos. Era a primeira das quatro mulheres do soldado de segunda linha,
alcunhado de quinhentos, por ser esse o seu número de ordem.
Tinha
ela grande brio em me lavar a roupa e passar a ferro as camisas que entregava
ao furrié juntamente com as calças, as meias e as cuecas. Era basicamente a
roupa que eu usava e era mais do que suficiente naquela altura. O calor fazia
com que não fosse necessário usar mais nada. A maior parte do tempo, quando no
quartel, andava em calções, tronco nu e chapéu de palha.
Os soldados tiveram preocupação em arranjar lavadeira nas
rapariguinhas mais novas, chamadas bajudas, por razões sobejamente conhecidas.
O diabo é que elas não conheciam contraceptivos que também não havia disponíveis
e, a única preocupação era evitar doenças venéreas. Que saudades desses tempos
em que eram desconhecidas outras doenças bem mais preocupantes e até mortais,
como hoje se conhecem.
Com
regularidade quase diária, embora a horas sempre desajustadas, lá se iam
fazendo umas patrulhas, umas operações e outros serviços, sem que nada houvesse
digno de registo. Diga-se: sem que houvesse feridos. E o tempo ia ajudando
porque, nos intervalos das saídas, faziam-se fotografias para a posteridade ou
quase, lanchavam-se grandes pratadas no Branco, assim alcunhado por ser o único
civil da mesma cor que se radicara com uma loja de comércio em geral por
aquelas paragens. Até a mulher, ainda muito nova e um mulherão, única branca
que se via por aquelas bandas, ajudava no negócio. Ela tinha artes de mostrar
aquilo que gostávamos de ver e o marido, - viemos a saber, mais tarde, que não
eram casados- deixava.
Joaquim Caldeira
CCAÇ 2314
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