Mais um ano se passou sobre o desastre de Bissassema, que
como sabem ocorreu na madrugada de 3 de Fevereiro de 1968.
Dirão alguns, para quê estar a reviver tudo o que se
passou.?
É verdade, mas também é verdade que não podemos deixar de
lembrar aqueles companheiros que heroicamente morreram nessa noite ou foram
feitos prisioneiros, comendo o pão que o diabo amassou.
Não querendo alongar-me e tendo como unica intenção não
deixar passar em claro tão triste data, vou transcrever aqui a
"Introdução" ao livro "Memórias de um Prisioneiro de
Guerra", escrito pelo Alferes António Júlio Rosa, da CART 1743, que
aconselho vivamente a lerem, os que ainda não o fizeram, edição do "Campo
das Letras":
Os motivos que me levaram a escrever este livro foram, acima
de tudo, transmitir as experiências e os factos vividos durante a minha
juventude e, em particular, o sofrimento duma guerra colonial de má memória.
Foram momentos notóriamente dificeis que, muitas vezes,
revivo quando encontro velhos amigos, ou me encontro só, ou mesmo antes de
adormecer.
Não afirmo que, ao escrever este livro, esteja a recordar
alguma faceta ambicionada da minha vida, já que foram quatro anos dum viver
acabrunhado pelo desespero de não mais ser lembrado por quem me levara a uma
guerra que nunca desejei. É um livro que escrevo a partir do que a memória
guardou para dá-lo a conhecer aos meus contemporâneos e vindouros.
Esta decisão não me foi fácil de tomar. Várias vezes
ponderei, pois sei que, ao concretizá-la, reviverei momentos muito dramáticos.
Todavia, estou decidido a "carregar" as minhas memórias indo assim ao
encontro dos anseios de muitos familiares e amigos.
Os factos que vou apresentar reportam-se ao período
compreendido entre Janeiro de 1967 e o final de Dezembro de 1970. São relatos
baseados na memória, mas tentarei ser o mais preciso possivel.
Em Memórias de um Prisioneiro de Guerra quero,
sobretudo, transmitir à juventude o modo de pensar e sentir dum jovem de vinte
anos, que após concluir o curso liceal se viu obrigado a cumprir o serviço
militar, para poder encontrar um trabalho digno e uma vida futura minimamente
estável.
Aconteceu imensas vezes, desde essa época até ao tempo
presente, encontrar familiares e amigos a pedirem-me para contar como tudo
aconteceu. Só ficaram a saber alguns pormenores e, por vezes, nem acreditavam
em mim quando lhes afirmava que isso levaria muito tempo a narrar. Se, por
acaso, lerem este livro, chegarão à conclusão que eu tinha razão, pois, como
poderão verificar, há imensas atribulações dessa época para relatar.
Ao escrever, o meu estado de espirito foi passando pelas
diferentes situações anteriormente vividas: angústias, tristeza, nervosismo,
incerteza, rancor, medo e alegria por ter sobrevivido e cumprido, dignamente, a
minha função de cidadão!...
António Júlio Rosa"
Desaparecido em combate nesta noite:
- Furriel Mil. Manuel Nunes Reis Cardoso - Pelot. Morteiros 1208
- Soldado Milicia Manga Colubali, da CMIL 7
Capturados pelo IN, nesta noite, todos da CART 1743:
- Alferes Mil. António Júlio Rosa
- 1º. Cabo Geraldino Marques Contino
- Soldado Victor Manuel Jesus Capítulo
Caros amigos e visitantes
Continuamos a publicar textos anteriormente editados neste blog, alusivos ao triste desastre de Bissassema, desta vez com um texto escrito por um dos prisioneiros dessa noite -o Alferes Rosa, da CART 1743.
LG.
1 comentário:
Ainda hoje recordo estes dias de tanta tristeza para todos nós no batalhão.
Há uma foto em que estamos vários sentados à porta do Centro Cripto, sempre na esperança de aparecer mais um camarada fugido do inferno de Bissassema.
Nunca esquecerei as palavras de um deles, totalmente coberto de tarrafo, olhos vermelhos, a chorar e a repetir tantas vezes -Ninguém nos acode...ninguém nos acode!!!...
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