…AS MÃES SÃO IGUAIS EM TODO O
MUNDO…
Na pequena, mas importante, vila
do concelho de Almada que, dá pelo nome de Trafaria, localizada na margem
esquerda do rio Tejo, a cerca de 3 quilómetros da foz, vila onde estava situado
o antigo quartel do BRT (Batalhão de Reconhecimento das Transmissões) que
incorporava o Centro de Informações e Segurança Militar com vistas à formação,
entre outras, da especialidade em Operadores de Cripto, especialidade comum à
época aos protagonistas deste apontamento, foi o local escolhido para o
almoço/encontro de confraternização entre a minha pessoa (entre outros) e o ex-1º. Cabo Geraldino Marques Contino.
Há anos que procurava este
acontecimento, não só para matar saudades, mas também para satisfazer
curiosidades não só da minha pessoa, como de muitos que viveram o drama,
aquando da captura do entrevistado em Bissassema, na região de Tite em
Guiné-Bissau e, nas prisões em Conacry.
Recordo-me, em Tite, no Centro de
Cripto, nos dias que trabalhei com o nosso convidado, era comum vê-lo
transportar um livro debaixo do braço. Nos pequenos momentos de descanso, não
deixava escapar duas ou três linhas de leitura. Havia dias que também gostava,
como os demais, de se vestir de forma despreocupada. Ainda hoje, confessa, que
não sabe a razão porque foi “brindado”, pelo ex. capitão miliciano Paraíso Pinto,
com 5 dias de detenção, justificados porque… o chapéu de palha e os sapatos de
pala que trajava (naquele dia), não conjugavam com o trono nu e com os calções
do fardamento...
O ponto “quente” da nossa longa
conversa, foi a sua captura e a dos demais 2 companheiros (o Rosa e o
Capitulo), em 2 de Fevereiro de 1968, na operação que, dava, creio, pelo nome
de “Velha Guarda”. A Companhia de Artilharia 1743 a que pertenciam encetou a
operação, em 31 de Janeiro de 1968, integrando num dos 3 destacamentos constituídos
(um deles elementos da CCS), uma Companhia de Milícias. O objectivo, era, na
região de Bissassema, banhada pelo rio Geba, (na sua frente a cidade de
Bissau), aniquilar o IN. Anulando o constante saque do arroz e, o recrutamento
dos jovens e das mulheres. Os primeiros para ingresso nas suas fileiras e as
segundas para servirem de carregadoras e cozinheiras dos produtos pilhados.
Consequentemente fixar elementos das NT na zona, não só com vistas a proteger
as populações, como, conservá-las afectas.
Segundo conta o Contino, 2 dias
após a chegada ao terreno, pouco minutos a faltarem para a meia-noite, mais
precisamente no dia 2 de Fevereiro de 1968, (sexta-feira), um numeroso grupo
IN, investiu em direcção ao extenso e mal programado perímetro das nossas
tropas, pelo lado do pelotão das milícias. Estes não aguentando o ímpeto do
ataque, acabaram por abandonar os seus postos, permitindo abrir brechas na
defesa do terreno e possibilitar o cerco ao improvisado posto de comando.
A confusão surpreende as NT e,
permite a captura dos europeus.
Acrescenta o meu convidado:
…nem mesmo a sua tentativa de se
esconder de entre a manada das vacas resultou…
Foram longos os dias e a
distância efectuada a pé pelo mato.
Quando pelas tabancas passavam
para descansarem ou pernoitarem, eram sempre bem recebidos, em especial pelas
“mulheres grandes” e mães, que, ao vê-los feitos prisioneiros, não deixaram de
lançar o seu olhar misericordioso e, de grande lamento, imaginando como seria o
sofrimento das mães brancas ao saberem que os seus filhos foram feitos
prisioneiros.
…As mães são iguais em todo o
mundo! Remata o camarada.
Julgo, conhecendo-o como o
conheci no seu pequeno período de permanência em Tite, a sua forma de estar,
era de atitude ou algo diferente na resposta à recepção dos naturais
guineenses.
Homem habituado aos usos e
costumes africanos, onde, desde os 3 anos de idade até aos 17 anos, viveu na
cidade de Luanda, em Angola, razão pela qual não se fez rogado em aceitar, por
uma ou outra vez, dançar e mesmo consentir o cumprimento dispensado por algumas
bajudas. (mulheres em idade de casamento).
Conclui, dizendo que até à
fronteira de Conacry, foi sempre, como os seus camaradas, muito bem tratado, em
especial pelo seu captor.
Os inimigos nunca souberam das
suas especialidades e patentes, inclusive teve o cuidado, durante a “viagem”,
sem disso se aperceberem, de comer o pequeno livro de cifra que na ocasião
transportava.
Já em Conacry, na prisão estatal,
tomava as refeições, como os demais, no refeitório na presença dos elementos da
direcção do PAIGC.
Diferente quando mudado para a
prisão de prisioneiros de guerra e políticos. Aqui as refeições não primavam
pela qualidade, mas comiam exactamente o mesmo que os seus carcereiros.
De tempos a tempos …lá vinha uma
manga ou uma papaia… Ofertas de agradecimento dos guardas carcereiros, sendo
analfabetos lhes pediam para escrever as cartas às famílias e ou suas
namoradas.
De resto a maior parte do tempo
era passado a jogar às cartas, com baralhos construídos por si, em
aproveitamento do papel de que eram feitas as pequenas caixas de fósforos.
O Contino, depois de 30 anos de
trabalho, como quadro superior na TAP, já está reformado.
Texto da responsabilidade de Raul
Pica Sinos
Abril do ano 2009 e reescrito em
Nov 2013
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