33⁰ Almoço anual do BART 1914, em 15 de junho de 2024, no restaurante Vianinha Catering, em Santa Marta de Portuzelo. Organizador Daniel Pinto e seu filho Rui Pinto.
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“Se servistes a Pátria que vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis e ela, o que costuma”
(Do Padre António Vieira, no "Sermão da Terceira Quarta-Feira da Quaresma", na Capela Real, ano 1669. Lembrado pelo ex-furriel milº Patoleia Mendes, dirigido-se aos ex-combatentes da guerra do Ultramar.).
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"Ó gentes do meu Batalhão, agora é que eu percebi, esta amizade que sinto, foi de vós que a recebi…"
(José Justo)
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“Ninguém desce vivo duma cruz!...”
"Amigo é aquele que na guerra, nos defende duma bala com o seu próprio corpo"
António Lobo Antunes, escritor e ex-combatente
referindo-se aos ex-combatentes da guerra do Ultramar
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“Aos Combatentes que no Entroncamento da vida, encontraram os Caminhos da Pátria”
Frase inscrita no Monumento aos Heróis da Guerra do Ultramar, no Entroncamento.
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"Tite é uma memória em ruínas, que se vai extinguindo á medida que cada um de nós partir para “outra comissão” e quando isso nos acontecer a todos, seremos, nós e Tite, uma memória que apenas existirá, na melhor das hipóteses, nas páginas da história."
Não
voltaram todos… com lágrimas que não se veem, com choro que não se ouve… Aqui
estamos, em sentido e silenciosos, com Eles, prestando-Lhes a nossa Homenagem.
Ponte de Lima, Monumento aos Heróis
da Guerra do Ultramar
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domingo, 17 de julho de 2011
Nós os ex-combatentes, e a guerra colonial
Há guerra quando existem conflitos entre pessoas, entre povos, entre nações, entre familias, entre vizinhos, pela independencia, por um regato de água, por um marco mal posto, eu sei lá mais porque motivo.
A nossa guerra, a guerra colonial, aconteceu porque uns teimavam em ser donos de algo e de alguém e esse alguém assim não o entendia.
E como resultado de tudo isso fomos convocados para ir para a guerra, a guerra colonial – uns por convicção, outros por ambição e a maior parte por obrigação.
Mas a guerra colonial para nós, não foi apenas os 23 meses que por lá estivemos, mas perdurou nos tempos até hoje, para uns com marcas fisicas e psiquicas mais visiveis, do que para outros.
E vem a propósito falar das várias etapas que nas minhas meditações, entendo terem sido os mais marcantes, à nossa chegada e nos primeiros dias - nós os Piriquitos, ou seja, os recém chegados:
O porto fluvial do Enxudé, os transportes, as Lavadeiras, Spm, alimentação, as relações com os civis nativos, a guerra própriamente dita e as relações entre nós militares.
Enxudé – Quando chegamos a Bissau desembarcamos directamente para s LDM que nos aguardavam. Foi para mim um espanto chegar de LDM ao porto do Enxudé. Ver a primeira enxurrada de nativos, quase nus e também os militares que iamos render, com ar de quem sendo mais velho, tem direito a gozar com os piriquitos (nós, recem chegados). De onde és tu?. Há alguém de Lisboa, de Santarém, do Porto?. O desembarque das malas e o carregamento nas viaturas que nos levaram depois até Tite.
Transportes – depois de carregadas as malas e outros mantimentos nas viaturas, lá fomos na direcção de Tite. Ao passar por Foia, vimos as primeiras tabancas, expressão que não conheciamos mas que os mais velhos nos iam explicando. Alguns miudos estavam à beira da estrada a dizer adeus aos Piriquitos acabados de chegar. Chegamos a Tite.
Lavadeiras – Achei engraçado que estivesse na altura uma pequena multidão de "mulheres grandes" e "bajudas" nativas, junto ao aquartelamento, vestidas com os seus panos (vestidos) novos. Muitas delas com os filhos às costas, como é tradição. Os torvantes nas cabeças. Logo que desambarcamos fomos quase assaltados pelos companheiros que iamos render, aconselhando-nos a ficar com as suas Lavadeiras, que iriam tratar da nossa roupa no futuro. E assim eu fiquei com a Lavadeira que já lavava a roupa ao meu antecessor e o mesmo aconteceu com quase todos os outros. A Marcelina, A Anssel, a Maria, a Satu, a Maria Mancanha, a Teresa, eu sei lá quantas mais. Cada um saberá o nome das suas. Logo ali acertamos preços e numero de lavagens por semana.
SPM (serviço postal militar)– uma das maiores preocupações de cada um de nós, foi saber como iamos receber e despachar correio. E logo nos foi dito que o serviço estava montado, faltava apenas ser nomeado um responsável . No nosso caso foi nomeado o cabo Hipólito que, graxa lhe seja dada, desempenhou muito bem a sua tarefa. Em parte time ficou também com a assistencia eclisiastica. Nesta ultima, como ele era o maior pecador, algo ficou por explicar quanto a esta nomeação.
Alimentação – esse foi outro dos assuntos quentes que era preciso resolver. Tão quente que ainda hoje se aguçam unhas quando se toca neste ou naquele ponto mais frágil. Cada um queria saber onde ia comer,como era anteriormente e como se processava tudo isso. Também nesta área era preciso nomear alguem e no nosso caso, graças a Deus foi nomeado o Serafim, pois eu estive mesmo à bica para exercer o mandato. Mas como tinha alguma pratica de escrever à máquina fui requisitado para os reabastecimentos, pelo Cap. Vicente. Tite, embora no Mato, era bem organizado nas refeições, havendo o Rancho Geral, uma Messe de Sargentos e outra de Oficiais. Não vou agora tecer considerações sobre a boa ou a má comida, digo apenas que, no que me toca, fui gerente de Messe durante dois consecutivos – no primeiro mês correu muito bem porque arranjei um nativo que me ia fornecendo petiscos de que a malta gostava. Mas como era de prever tive prejuizo. No segundo mês houve que recuperar o perdido e no fim do mandato fui dispensado...
As relações com os civis nativos – Eram razoáveis no essencial. Havia alguns que nos fintavam com informações que levavam para o IN, e as informações que traziam do IN eram aquelas que o IN pretendia que soubéssemos para nos distrair. Na sua maioria os homens não trabalhavam, nem no campo (eram as mulheres que o faziam com os filhos às costas e muitas vezes a dormir) e por isso precisavam do dinheiro das mulheres que eram lavadeiras. E daí as coisas correrem mais ou menos bem. Acho eu. É justo aqui lembrar o nosso companheiro já falecido, Luis Filipe, que mantinha com as crianças e jovens nativas, uma saudavel relação, fomentando a ginástica e a Mocidade Portuguesa, que diga-se o que se disser, era para as crianças um orgulho nela participar. E também tinha com elas algumas aulas de instrução primária, não me lembro bem em que regime.
A guerra própriamente dita – bem a guerra, era o que é – uma guerra. Muitas vezes entende-se a guerra como algo em que é preciso pedir licença para atirar, tipo Raul Solnado. Mas a guerra é bem diferente, sejam quem forem os intervenientes. Houve desvios violentos de parte a parte. No nosso quartel a guerra estava entregue a Sapadores, Atiradores, Artilheiros, Morteiros, Daimlers, Transmissões, Serviços de Saúde. Peço desculpa se me esqueço de alguém. Mas era a guerra nas suas várias Armas. Uma foto que espelha bem o que era a guerra, tivemos há tempos publicada no cabeçalho do nosso blog, enviada pelo ex-alf. Vaz Alves, e de quem estamos à espera duma descrição pormenorizada daquilo que se passou antes, durante e após aquela foto. Tem uma história aquela excelente foto, quanto mais não seja em saber qual o motivo por que está o Comandante Chefe da Guiné, Gen. Antonio de Spinola, a falar às tropas desde o soldado ao brigadeiro, estando alguns em tronco nú, barba por fazer, com barrete, sem barrete. Tem que haver uma justificação e uma permissão muito especial para que assim acontecesse naquele cenário aparentemente tão tranquilo, mas na verdade tão trágico..
É isso que o alf. Vaz Alves nos há-de contar.
As relações entre nós militares – por fim, este é o ponto mais delicado e por causa dele escrevemos este modesto artigo. Tinhamos em Tite, duas Companhias, chegamos a ter três, dois Pelotões e uma Secção. Ao todo devia prefazer perto de 300 homens. Fechados num quadrado, vedado a arame farpado e bidons de chapa cheios de terra, no meio do mato, junto a uma Tabanca. A tensão era muita. A 19 de Julho de 1967, sofremos o primeiro ataque de noite, sem sabermos própriamente o que isso era. Os estragos foram muitos como demonstram varias fotos publicadas neste blog. Outros ataques se sucederam. A enfermaria era o local onde eram recebidos feridos e mortos em combate e foram bastantes. Acidentes mortais com viaturas e armas de fogo. Era o stresse total. As relações neste ambiente, muitas vezes degradavam-se e as coisas não corriam bem. Era o soldado com o cabo, o cabo com o furriel, o furriel com o sargento, com o alferes, ou mesmo com o capitão (foi o meu caso, por uma coisa simples), o sargento com o alferes e por aí fora. Mas todas estas quesilias serviram para cimentar aquela frase que nós temos vindo a dizer e que é “AMIGOS NA GUERRA AMIGOS PARA SEMPRE”. Todos tivemos pequenos problemas com este ou com aquele, culpa nossa, culpa do outro, não interessa, agora passados que são 42 anos.Mas nem sempre as feridas se sararam.
Há uns meses tivemos um almoço organizado pelo Henriques em Peniche, e no qual vieram à baila queixas mutuas, entre um furriel e o capitão ali presentes. Falaram, falaram, falaram... E as coisas aparentemente sanaram. No almoço em Macedo de Cavaleiros até pareciam marido e mulher, tal o “amor” que os envolvia, em atenções mutuas.
Por isso meus caros companheiros, para finalizar este escrito que já vai longo, vamos esquecer os problemas com a alimentação no rancho geral ou noutro lado qualquer, o isqueiro que ficous em gasolina, o furriel que foi bruto para o responsavel por esta ou aquela secção, o alferes que foi mal educado, o capitão arrogante, ou o sargento presunçoso. O José Justo retrata muito bem, num comentário a um anterior artigo sobre o reencontro com o Gasolinas, como as relações se complicavam por causa de meio dedal de gasolina para abastecer um simples isqueiro...
No cabeçalho do nosso blog, dizemos que tem sido uma alegria reencontrar companheiros que não vemos há 42 anos. Sem querer dar conselhos a ninguém nem estar com moralismos excessivos, vamos levar isso à letra, abraçando os que chegam e esquecendo coisas antigas, pois tudo tem solução. Vamos exercer uma atenção especial para esses casos e procurar activamente o reencontro entre os desavindos – só àqueles que antes de nós partiram, não podemos já pedir reconciliação. E no meu caso gostaria imenso de esclarecer com o Cap. Vicente aquilo que nos afastou, mas já não vou a tempo!
Abraços fraternos.
leandro guedes
nota - no comentário que o Pica faz a seguir, trouxe-me à memória a côr da terra - avermelhada. Esse foi também outro motivo de admiração para mim e que esqueci nesta breve crónica. Tudo era avermelhado à volta. Não havia terra castanha ou preta. Tudo era avermelhado. Além disso a vegetação, que não era igual à nossa da Metrópole.
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Muito bom artigo este do Guedes.
Resume de forma clara muita da vivência em Tite. Gostei!
Este artigo, digamos que é um "retrato" tirado por este "fotógrafo".
Outros (poucos) o têm feito em areas especificas.
Levou tempo, mas.....
É pois um bom exemplo, para outros que connosco viveram naquela terra distante de cor vermelha, o sigam.
Basta tão só "retratarem" o que fotografaram e, a história acontece.
Aquele Abraço
Raul Pica Sinos
3 comentários:
Muito bom artigo este do Guedes.
Resume de forma clara muita da vivência em Tite. Gostei!
Este artigo, digamos que é um "retrato" tirado por este "fotografo".
Outros (poucos) o têm feito em areas especificas.
Levou tempo, mas.....
É pois um bom exemplo, para outros que connosco viveram naquela distante de cor vermelha, o sigam.
Basta tão só "retratarem" o que fotografaram e, a história acontece.
Aquele Abraço
Bela crónica !!!.......
Muito bem escrita e em que o poder de síntese é evidente.....
Como já foi dito no comentário anterior, é um autêntico retrato, pois ao lê-la, até parece que estamos lá, nesse longínquo e recondito lugar, a assistir a cada uma das vivências descritas...
Parabéns.....
Sublime! . . .
Também gostei e muito . . .
Saiu da casca, finalmente, o nosso furrié Guedes.
Algumas destas crónicas justificam, só por si, a existência do n/blog.
Um abraço e parabéns.
Hip.
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