.


“Se servistes a Pátria que vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis e ela, o que costuma”


(Do Padre António Vieira, no "Sermão da Terceira Quarta-Feira da Quaresma", na Capela Real, ano 1669. Lembrado pelo ex-furriel milº Patoleia Mendes, dirigido-se aos ex-combatentes da guerra do Ultramar.).

-

"Ó gentes do meu Batalhão, agora é que eu percebi, esta amizade que sinto, foi de vós que a recebi…"

(José Justo)

-

“Ninguém desce vivo duma cruz!...”

"Amigo é aquele que na guerra, nos defende duma bala com o seu próprio corpo"

António Lobo Antunes, escritor e ex-combatente

referindo-se aos ex-combatentes da guerra do Ultramar

-

Eles,
Fizeram guerra sem saber a quem, morreram nela sem saber por quê..., então, por prémio ao menos se lhes dê, justa memória a projectar no além...

Jaime Umbelino, 2002 – in Monumento aos Heróis da Guerra do Ultramar, em Torres Vedras
---

“Aos Combatentes que no Entroncamento da vida, encontraram os Caminhos da Pátria”

Frase inscrita no Monumento aos Heróis da Guerra do Ultramar, no Entroncamento.

---

Sem fanfarra e sem lenços a acenar, soa a sirene do navio para o regresso à Metrópole. Os que partem não são os mesmos homens de outrora, a guerra tornou-os diferentes…

Pica Sinos, no 30º almoço anual, no Entroncamento, em 2019
----------------------

"Tite é uma memória em ruínas, que se vai extinguindo á medida que cada um de nós partir para “outra comissão” e quando isso nos acontecer a todos, seremos, nós e Tite, uma memória que apenas existirá, na melhor das hipóteses, nas páginas da história."

Francisco Silva e Floriano Rodrigues - CCAÇ 2314


Não voltaram todos… com lágrimas que não se veem, com choro que não se ouve… Aqui estamos, em sentido e silenciosos, com Eles, prestando-Lhes a nossa Homenagem.

Ponte de Lima, Monumento aos Heróis da Guerra do Ultramar


.

.
.

terça-feira, 31 de março de 2009

Requiem para um Saudoso Amigo

Requiem para um Saudoso Amigo Com nostalgia revi várias vezes as fotos do Cavaleiro onde está o saudoso furriel Rato. Há pessoas com o quase divino dom de criar empatias logo aos primeiros contactos. O Rato era um homem com quem facilmente se sentia simpatia e com quem apetecia conversar. Era a antítese de alguns, poucos, mas ilustres desconhecidos, que se viam com umas divisas e a dar ordens, e logo lhes provocava um tremendo inchaço no pequenino ego ! Anteriormente neste Blog, já contei uma história sobre um desses cromos, numa cena com o Pica Sinos, que reflecte bem a mentalidade atávica, de alguns indivíduos da classe de sargentos. Eram “avis rara” mas existiam. Mudaram as mentalidades quando se aperceberam “que elas não trazem nome” frase corrente no quartel, grande verdade, e que passado pouco tempo de Guiné, sentiriam na pele com o primeiro ataque. Das muitas coisas que me fizeram odiar a “tropa” e as regras militaristas, era sem dúvida: o avaliar a pessoa pelo primeiro olhar directo aos ombros...a outra; o ser tratado por “tu” por marmanjos que nunca tinha visto na vida...nem conhecia de lado nenhum. Como isso mexia comigo !! Já findo o tormento da farda, curiosamente, mesmo colegas com quem trabalhei durante anos, não logo tratava e mesmo detestava que me tratassem por “tu”, até, claro, que a admiração e amizade, a isso levassem. Provavelmente reflexo dos tristes anos de tratamento cavalar e suplício militar. Meu irmão era da Força Aérea e este hábito do “tu” e “meu este, meu aquele” não se praticava. O furriel Rato era moderado, mas alegre, de fino trato e um camaradão nas pequenas farras que durante os dias que estivemos no quartel da Parede faziamos antes de embarcarmos para a Guiné. Já em Tite, eram longas as conversas de grupo, onde facilmente ele se incluía. Sempre acompanhou connosco num pequeno grupo que naturalmente se criou, sem sabermos bem como. Eu o Pica Sinos, o furriel Bagulho e furriel Rato e mais uns poucos que infelizmente não recordo, sempre que podiamos dar uma escapadela, lá rumávamos a um café na baixa da Parede, para umas conversas e claro uns petiscos bem regados, para fazer esquecer o que breve nos aguardava. Lembro que num desses dias, as conversas estavam um pouco tristonhas, talvez pela proximidade do embarque, e das saudades que já começavam a doer. O Rato fixou-se num fado da fadista, então muito em voga, a Ada de Castro, que tocava na velha Jukebox do café. Não recordo exactamente nem nome nem a letra do dito fado, mas sei que falava em saudade e partidas sem retorno, dentro do género de tocar ao sentimento. À época detestava fado, mas sem saber porquê, naquela altura senti como que um calafrio, e quase automaticamente fixei um verso que durante bastante tempo, de quando em vez me via a trautear mentalmente. Qual presságio... O Rato, muito calado, ouvia o fado super concentrado, findo o disco, levantou-se e meteu nova moeda e de novo ouvimos o fado. Repetiu-se esta cena várias vezes, e por estranho que pareça, e quase contra natura, pois quase todos eramos de Lisboa, e para nós, fado era coisa que não entrava !! ninguém se insurgiu e todos ouvimos as vezes que se repetiram os versos tristes daquela “despedida”, sem um comentário. O furriel Rato tinha os olhos lacrimejantes, e continuava muito calado e pensativo. Parece que algo no seu íntimo fazia adivinhar o seu prematuro e infeliz desaparecimento na Guiné. Faleceu poucos dias depois de ter regressado de um mês de férias na Metrópole. Longo tempo recordei esta tarde ao som do fado da Ada de Castro...qual premunição !! Todas as mortes dos nossos camaradas foram dolorosas, mas para mim, a deste companheiro de armas, fez-me doer muito, e deixou-me muitas saudades. Num dos vários livros sobre a Guerra do Ultramar, numas páginas com fundo negro, onde constam os nomes dos milhares de mortos da guerra, lá encontrei o do nosso amigo. De pouco consolo servirá para os familiares e amigos que o recordam, mas pelo menos, o seu nome está perpetuado no mármore do Monumento aos Mortos da Guerra em Belém. Zé Justo

4 comentários:

alcinda leal disse...

Gostei muito da homenagem que prestou a esse seu colega!
Como vê Leandro nós vamo-nos habituando a este meio de comunicação de uma forma maravilhosa!
Cumprimentos
Alcinda

Hipólito disse...

Uns dias em "retiro" para meditação e, a final, sai obra.
Bela e sentida homenagem a um HOMEM que nos tocou fundo e a quem o Cavaleiro também já elogiosamente se referira.
Força, Justo.
Hip.

leandro guedes disse...

Na verdade este texto do Justo, transmite a ideia que todos tinhamos do Rato - um Homem Bom, um Irmão, um Companheiro.
Como foi possivel criarem-se afectos tão fortes e saudosos, entre homens que se conheceram em circuntancias tão duras e que não mais se viram?
E o Rato, já não o vemos há mais de quarenta anos...

Pica Sinos disse...

Os homens (e as mulheres) sempre se distinguiram pela diferencia. Bons, Maus, Estúpidos, Inteligentes, o catálogo é enorme.

O Rato era um homem princípios, também bom e educado.
Amigo do seu amigo, bom confidente, respeitador do próximo fosse quem quer que fosse.

Tenho na memória, em Tite, que quando por mim passava e dizia
…tas bom?...e sorria de forma peculiar. Numa expressão que me
incutia, sempre, boa disposição pela diferença no tratamento.

Não seria justo dizer que esta forma de estar apenas pertencia ao
Rato. Não! Haviam mais uns quantos (poucos) que sabiam estar
entre os homens e, pela sua forma de estar diferente, hoje, ainda
são diferentes, por isso os estimo e respeito!

De uma das vezes (poucas, pois estive naquele quartel da Parede,
não mais que 4 dias e, na maior parte do tempo “desenfiado”) quando
numa mesa do “café”, no dia que o Justo refere, esgotado pelos militares, com os “amarelos” nos ombros a distinguiam-se, este rapaz de cadeira na mão,
procurou por um lugar, espaço de pronto servido pelo Rato que de imediato se prontificou a construir a seu lado.
Pica vem para aqui! Tratamento de como se há anos me conhecesse,
na verdade era só de 4 dias!

Até amanhã Camarada