Saiu hoje no Correio da Manhã, o depoimento do Pica Sinos. Obrigado amigo pela tua disponibilidade.
O Pica Sinos era primeiro cabo, no Centro cripto, em Tite e pertencia ao Batalhão de Artilharia 1914 (BART 1914).
Agradecidos ao Correio da Manhã, à sua Jornalista D. Manuela Guerreiro e aos seus fotojornalistas.
Leandro Guedes.
"Raul Pica Sinos
Para que conste Este foi o texto que foi entregue à
jornalista D. Manuela Guerreiro:
GUINÉ – NÃO SEI QUANTOS MIL ACOMPANHARAM NA VIAGEM
No cais de Alcântara em Lisboa, a 8 de Abril de 1967,
despeço-me da família que me acompanhou ao embarque.
Não sei quantos mil na formatura. Um emproado oficial
superior e sua comitiva fazem a revista da praxe. O embarque das tropas
sucede-lhe ao som da fanfarra militar e do acenar dos lenços, o paquete Uíge
largou amarras. A Torre de Belém fica para trás, a ponte sobre o rio Tejo já
não se vê, a terra é coisa sumida aos meus olhos há muito rasos de água.
Tive a sorte de não ser colocado nos lugares do navio que
outrora eram destinados às cargas. Os lugares destinados às praças, os porões,
as mesas que serviam para refeições, em madeira, tinha a lotação para uma
vintena de militares. Os beliches, também em madeira, acompanhava-as em altura.
Os vomitados do enjoo eram constantes, a limpeza deveras precária que em
conjunto com a falta do banho diário o cheiro era nauseante, asfixiante, o
barulho dos motores
Etc., o ambiente era insuportável.
Foi neste contexto que os jovens militares obrigatoriamente
mobiliados para a guerra fizeram a sua vida no navio Uíge que ancorou em Bissau
no dia 14 do mesmo mês. Mas o pior estava para vir…a guerra. Aqui o sofrimento
a todos tocou. Praças, Sargentos e Oficiais.
NO REGRESSO NEM TODOS E DIFERENTES
No quartel de Depósitos de Adidos em Brá/Bissau, na breve
cerimónia de despedida do Batalhão de Artilharia (Bart1914) que regressa a
Lisboa, é-me entregue um “papel verde”
…O Comandante Militar atesta o seu apreço pelos serviços
prestados à Pátria na Província da Guiné…
Ficando, ainda hoje, por saber se a “Pátria” também atestou
o seu apreço aos camaradas mortos, mutilados e estropiados do agrupamento.
Março de 1969, a tarde já vai alta.
Sem fanfarra e lenços a acenar soa a sirene do navio na
partida. São menos os que partem, não são os mesmos jovens de outrora, a guerra
tornou-os diferentes.
Nada importa que as mesas e os beliches nos porões do Uíge,
pelo seu uso, não se notem que são de madeira. Negra já é a sua cor. Os vomitados
do enjoo é coisa menor. A limpeza precária e a falta do banho diário, o barulho
dos motores pouca ou nada incomoda.
Xc Naquela manhã de 9 de Março de 1969, a brisa do mar
gela-me a cara, os meus olhos já avistam a terra e o rio que me viu nascer.
Além vêm-se cartazes.
Estou aqui Manuel…Leiria esperamos por ti…Família Santos
aqui…Massarelos presente
Mães, pais, filhos, mulheres, noivas, amigos todos se
abraçam!
Vou para casa onde a família me espera. A nuvem negra parece
ter passado o sofrimento acabado. A guerra, essa sim durou mais cinco anos.
Raul Pica Sinos
1º Cabo – Operador de Cripto
Janeiro 2022"
Sem comentários:
Enviar um comentário