Mais um artigo desta histórica reportagem.
Desta vez relatando na boca dos intervenientes, ainda antes da criação do PAIGC, o que se passou nesse dia 3 de Agosto de 1959.
Curiosa esta abordagem.
Reportagem de Luis Pedro Nunes e Alfredo Cunha, do Jornal Expresso, a quem agradecemos.
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sobreviventes - Estes homens escaparam ao massacre de Pidjiguiti a 3 de Agosto de 1959 e agora contam a sua versão da história |
"Pode um cão mudar o curso da historia?
A versão oficial reza
assim. A 3 de Agosto de 1959, os marinheiros e estivadores do Porto de Bissau,
ao serviço da então poderosa Casa Gouveia, revoltaram-se e exigiram melhores
condições de trabalho e um aumento da jorna. Foi aí que o poder colonial português
mostrou que não estava para ser intimidado. Dá-se o massacre de 3 de Agosto,
em que polícias, cabo do mar e outras forças que se armaram no momento
disparam sobre os homens que reivindicavam apenas um pouco mais de dignidade.
O resultado foi desastroso. Um número de mortos que nunca chegou bem a ser
contabilizado (40 ou 70). E que acelerou e modificou qualquer pretensão de
moderação dos jovens quadros que estavam a formar a resistência organizada ao
poder colonial. Ficou claro que Salazar nunca iria aceitar uma autonomia
administrativa. Era preciso dar início à luta armada. Era preciso sair dos
centros urbanos controlados pelos portugueses. Era preciso formar e armar uma
guerrilha. Nascia assim o PAIGC — Partido Africano para a Independência da
Guiné e Cabo Verde — que agregou várias tendências. E o cão? Onde entra ele?
Em Setembro
de 2015, uns 55 anos depois desse dia que continua a ser celebrado na Guiné,
ainda é possível juntar uma dúzia de sobreviventes do massacre de Pidjiguiti e
levá-los ao Porto de Bissau. São velhotes tristes e desencantados com a vida,
abandonados e sem grande sustento. E Porto de Bissau é um cadáver já
decomposto.
À entrada,
há uma bizarra escultura em blocos. Só depois se percebe que é uma mão fechada,
em honra dos mortos em Pidjiguiti. Chama-se “Mão de Timba” — mão de caloteiro.
É aqui que
começa uma versão um pouco diferente da história de Pidjiguiti, contada pelos
próprios, no local. O mais dramático — se é que se pode utilizar este termo —
é que as reivindicações dos estivadores e marinheiros já tinham sido aceites
pela Casa Gouveia em 3 de Agosto, dia do massacre. Quem o diz é, por exemplo,
o coronel Carlos Fabião, em várias entrevistas. Mas o administrador achou que
só iria dar seguimento a essa ordem quando lhe apetecesse.
Para os
velhos marinheiros com quem falámos a motivação era evidente: vingança. O
administrador Carreira não perdoava terem-lhe matado um cão. Esta versão que
nos conta Estêvão Vieira, de 70 anos, tem a concordância de todos.“ O administrador tinha dois
cães enormes que largava pelo porto às seis da tarde para não deixar ninguém andar
por aí. Um marinheiro foi apanhado e, ao de- fender-se, matou um. O
administrador prometeu vingar-se. Até se mudou para esta casa aqui mais perto.
” A morte do cão tinha iniciado um processo histórico imparável, que iria
acabar na independência da Guiné.
De todos os relatos
gravados e lidos, nunca se percebe muito bem qual foi a acendalha que levou ao
primeiro tiro. Cabe aos velhos estivadores contarem. Eles garantem que o cabo
do mar Nicolau se assustou quando o marinheiro Augusto agarrou num barrote para
se sentar. Julgou que o ia atirar contra ele. E disparou. Eram 15h45. Durou até
às 18h. E a Guiné mudou.
O PAIGC já teve várias versões sobre a sua intervenção na génese deste
movimento. A verdade é que foi apenas mais tarde, em setembro, que se organizou.
Carlos Correia, um destacado membro do partido, primeiro-ministro da Guiné e
várias ministro dos Negócios Estrangeiros, era funcionário da Casa Gouveia.
Desdramatiza um pouco o papel de ‘mau’ do administrador Carreira, até porque
foi sua testemunha moral quando esteve preso. Mas não deixa de ter sido irónico
ter-se encontrado várias vezes com o filho, Medina Carreira, enquanto homólogo nos
Negócios Estrangeiros portugueses. “Ele é guineense, não tem culpa do que o pai
fez.” E continua: “Só foi desagradável uma vez quando eu o confundi e disse que
ele era ministro do PSD.” A Guiné independente nasceu ali, naqueles escombros,
agora um misto de ferrugem e de lama."
1 comentário:
Desconhecia esta história. É sempre bom vir até aqui pois aprende-se sempre alguma coisa. Joaquim Cosme
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