HISTÓRIAS DO
MEU VELHO BAIRRO DAS FURNAS (XLIII)
O PÊSSEGO REBOLÃO
Muitos dos
quintais do meu velho Bairro das Furnas tinham árvores de frutos cultivadas,
não sendo raro haver pessegueiros! O meu brotava uma qualidade de pêssegos que
pela sua cor vermelha e fina penugem que os cobria, fazia inveja a quem na
passagem os admirava. Os ramos, carregados, dobravam pelo peso de tantos
rebentos. Cá o rapaz, não raras as vezes, era criticado pela D. Georgina, minha
mãe, por os apanhar, às escondidas, ainda pouco maduros.
Ao longo da
vida sempre gostei de pêssegos, direi mesmo que é um dos frutos que mais
aprecio. Hoje, quando como pêssegos, não me parecem tão saborosos como os desta
árvore que me viu crescer.
Exactamente
por gostar tanto deste fruto, guardo uma história que me atrevo a contar.
Aos
fins-de-semana, era comum a rapaziada do bairro, ainda imberbe e em grupo,
rumarem ao Pavilhão dos Desportos, em S. Sebastião da Pedreira. A Câmara
Municipal de Lisboa, para gáudio da cachopada, oferecia, na ausência das
modalidades desportivas, nos períodos da manhã ou nas tardes, fitas de desenho
animados entre outros filmes.
Também o
Jardim Zoológico era destino a ter em conta.
Com a
chegada do verão, era forte a discussão entre a miudagem na casa da Mocidade
existente na entrada do Bairro. A organização dos acampamentos e dos cursos
para graduados da Mocidade Portuguesa era alegre, divertida e
entusiasmante.
Os rapazes
acabados de sair da instrução primária, ainda sem trabalho, ou em período de
férias escolares antecedentes ao ensino secundário, aos fins-de- semana, eram
convidados a passar esses dias fora de casa. Uns com vistas a acampar nos mais
variados sítios nos arredores de Lisboa, outros a obter cursos de “Chefe de
Quina” e de “Comandante de Castelo”, na Quinta da Graça, à Cruz Quebrada.
Passar o
fim-de-semana fora de casa tornava-se uma aventura. Acampar com a “malta” tendo
como manta o som das ondas do mar era o máximo! Como seria passar o
fim-de-semana na Quinta da Graça, na companhia dos rapazes oriundos das mais
variadas casas da Mocidade do distrito de Lisboa? A minha curiosidade era mais
que muita. Contudo, aqui, ao contrário dos acampamentos, não gostei. Só por lá
passei um fim-de-semana.
Nesta
quinta, as mesas do refeitório tinham bancos corridos que comportavam cerca de
12 rapazes (6 de cada lado). Dispostas para acompanhar o comprimento da sala,
divididas por um corredor. No final ficava atravessada a mesa dos “vips” com as
respectivas cadeiras na direcção dos alunos.
Fazia parte
da tradição um aluno representar os demais na mesa das personalidades, composta
por monitores e convidados. Ainda hoje não sei o porquê de ter sido eu o
escolhido para esse jantar de sábado. Ocupei a cadeira frente ao corredor,
“encaixado” na minha esquerda por um padre, e pela direita, um engravatado
qualquer.
Não me
lembro de como era composto o menu, mas os olhos não se desviavam do centro de
mesa carregado de fruta, onde abundava o fruto que tanto apreciava – os
pêssegos -!
Uma dúvida
me sobressaltava….Será que os “vip(s)”! comem os pêssegos à dentada…?
Demoro a
ver, na minha frente, um prato pequeno acompanhado de faca e garfo.
Uma voz soa
ao meu ouvido. Era a voz do padre:
…Como te
chamas? ...Não comes fruta…?
Quero um
pêssego, mas nunca os descasquei com faca e garfo, retorqui!
…Vê como eu
faço… Disse o meu companheiro vip.
Sobre o
olhar da rapaziada por perto, quiçá com as mesmas dificuldades no descasque, lá
fui atabalhoadamente descascando com a faca e com o garfo o suculento pêssego. Quando
perto do final de tão arriscada operação, o popular fruto, certamente ofendido
pelo trato, salta a bom saltar do prato e rebola apressadamente pelo corredor,
acompanhado na sua desenfreada correria as gargalhadas de todos que assistiram.
Em conclusão
direi:
Nunca mais
visitei a Quinta da Graça!
E jamais, ao
longo da vida, comi pêssegos com faca e garfo!
2 comentários:
Conheci o Bairro das urnas com casas de lusalite nos anos 50 do século passado. O que aconteceu com o pêssego aconteceu-me a mim com uma laranja num dos restaurantes da antiga praça da Figueira. Era um mercado no centro daquele espaço onde hoje está uma estátua.
Joaquim Cosme
Obrigado amigo Cosme pelo seu comentário.
O Pica Sinos tem um blog cujo endereço está referido neste blog
onde conta muitas outras interessantes histórias sobre o SEU VELHO BAIRRO DAS FURNAS.
Vale a pena visitá-lo.
Um abraço.
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