Meu amigo
Continuas na tua saga de nos dares a conhecer as tuas
vivencias daquele tempo.
Relembro nestas tuas memorias, também as minhas.
O cheiro a terra vermelha, sêca, tinginda pelos primeiros pingos
de chuva e que depressa se tornavam autenticas trombas de água. Relembro as
trovoadas e aquela gente passando por elas como se nada fosse. Relembro o
regresso das patrulhas encharcados até aos ossos. Relembrei tanta coisa nesta
tua crónica.
Mas há uma coisa que me marcou sempre que foi a agitação que
havia no aquartelamento sempre que um pelotão era atacado no mato. As
mensagens, as correirias do cap. Vicente a caminho da sala de operações, a
preparação da enfermaria e de toda a ansiedade que nos envolvia naqueles
momentos.
"" morreu alguém, não morreu, há feridos, chama o
heli, já não vale a pena...""
Há tempos em conversa com um "operacional" ele me
dizia que neste blog só aparecem os "administrativos" . Quero aqui
fazer homenagem, também aos operacionais, mas principalmente aos
imcompreendidos da retaguarda, sem os quais não havia operacionais activos - as
transmissões, refeitórios, maqueiros, reabastecimentos, spm's, mecanicos auto e
de armamento, processadores de salários e sei lá quantos mais (que me perdoem
os que aqui não menciono). A guerra pôe em movimento um conjunto de pessoas e
especialidades, todas necessárias e se formos a rever a história, existem
mortos e feridos de todos os lados.
Have a nice day...
Leandro Guedes
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6 de Julho de 2009 às 12:42
Blogger Zé disse...
Tens toda a razão sobre os ainda "mais
operacionais" que nós.
Digo mais, porque nos ataques ao quartel, as granadas às
centenas não faziam destrinças, nem traziam escrito destinatários ou
especialidades.
Muitas vezes me punha na pele dos camaradas, quando os via
sair para as operações e emboscadas diárias, e ainda mais no seu arrastado
regresso.
Interrogava-me se suportaria tal vida.
Tinha e tenho o máximo de respeito e admiração por eles.
Se dentro do arame farpado nós já penava-mos, fora dele
decerto que tudo se tornava mais duro.
No entanto não posso deixar de comentar uns pormenores.
A maneira como cada um sentiu a guerra, tem muito, repito
muito, a ver com a sua sensibilidade, formação, ambiente onde fui criado etc.
É triste constatar, mas devido ao país que eramos, a tropa e
a guerra mostrou e proporcionou a muitos uma profissão, e deu-lhes alguns
"trocos".
Outro pormenor, o de tentar por todos os modos uma
especialidade, dentro do mal menor.
Na Veiga corria a dica, que com a cada vez maior crise de
furrieis e alferes, a maioria desses quadros mobilizados ía para operacionais.
Fui dos muitos que não dei habilitações, na tentativa de
conseguir benefícios nos psico-técnicos para a especialidade.
Tive problemas na Trafaria no fim do curso (creio que o Pica
também estava no rol).
Criam que fosse para as aulas regimentais (fazer a 4ª
classe) e creio ainda tenho na minha caderneta militar, em primeiro, nas
habilitações literárias: "sabe ler e escrever" !!
Repito que muito apreço tinha pelos "mais
operacionais", mas como dizes; sem rectaguarda o que fariam eles.
Tenho para mim que a muitos "não-operacionais", as
marcas da guerra castigaram muito mais fundo as suas vidas.
Todos nos recordamos do Contino e os outros camaradas feitos
prisioneiros de guerra, durante anos.
Ao ler as Cartas de Guerra em Angola, livro do Lobo Antunes,
que em benesses como oficial médico em nada se comparariam com um soldado
operacional, é latente carta-a-carta um desânimo e revolta
impressionantes.
Sobre o comentário dos "administrativos" no Blog
!! pena deves tu e nós ter que, tão poucos dêm um ar das suas memórias.
José Justo
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6 de Julho de 2009 às 15:34
Blogger Raul Pica Sinos disse...
Meu bom Amigo Justo
Porque a memória já me vai faltando e porque não consigo,
hoje, retratar com exactidão todos os momentos maus que todos nós (sem
excepção) passámos em Tite e que tu brilhantemente consegues estampar no papel,
não tento sequer fazê-lo, mas uma só coisa quero dizer e prometo que nunca mais
falo sobre o assunto.
O Guedes diz que em conversa com um "operacional"
fez este uma critica que, no blog, só aparecem cenas (e os) dos
"administrativos".
Meu bom Guedes, já tinha ouvido, por outro camarada essa
afirmação em Ovar e, não deves desanimar.
É no meu entender uma afirmação muito descabida e injusta
com tal não lhe devemos dar muita importância, se bem que é uma evidência que
quem tem tido a coragem de escrever, têm sido defacto os
"administrativos", faltando à chamada (e a coragem)aqueles que fazem
esse reparo.
Mas mesmo assim, não é inteiramente verdade que os
"administrativos" só falem para "dentro". De uma leitura
mais atenta podem, aquele ou aqueles que fizeram o "reparo" que, no
que se escreve, não foi para "dentro" dos autores, eu diria que, se
foi para dentro terá sido para dentro quartel. O sofrimento que por vezes é
descrito, infelizmente, não foi só dos "administrativos" como é fácil
de se concluir.
É verdade, indiscutível, que os saíam em operações tiveram
mais sofrimento daqueles que não o fizeram, mas muitas vezes ouvi dizer que,
quando eram, também, vitimas nos ataques ao aquartelamento, prefeririam naquela
hora estar no mato. Tinham razão? Não sei, o que sei é que grande parte dos
feridos e mortos das NT foram por flagelações ao aquartelamento.
Mas porque é que aqueles que fazem os reparos não vêm à
"estampa" contar toda essa diferença, acreditem que os
"administrativos" humildemente aceitam a "diferença".
Tenham um bom dia, sempre!
Pica Sinos
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6 de Julho de 2009 às 17:18
Blogger Hipólito disse...
Estava a “have a nice day”, quando, ao abrir estes
comentários, me deparo com um “trilema” . . ., a ponto de não saber para que
lado cair.
E, como sou “murcon”, não atinjirei o alcance das
v/altercações filosóficas e, por isso, peço me elucidem para, ao menos, entrar
na v/onda.
A minha especialidade foi condutor-auto (nosso cabo,
cuidado), a que, ainda hoje, não sei porquê e nem quem, agregaram mais dois
tachos, o de SPM e o de auxiliar de serviço religioso ( e não sacrista, qual
quê?!), além de outros biscates para compor a mesada.
Daí o trilema.
Fui operacional, administrativo ou mais um que andou lá
nessa guerra de que vocês falam e de que já nem me lembro lá muito bem?
Nesta idade, digo eu, quero, é que se . . .lixe a taça . .
Hipólito