…Eu direi que, embora qualquer local servisse, o sítio privilegiado, para os rapazes da minha geração, era o terreno de terra batida, por detrás da praça, a caminho do campo da bola. Aqui não havia “velhas” a chatear e, a mandar-nos calar, dos barulhos resultantes da algazarra motivada pela paixão da competição...
…Referir que para a construção das covas em terra batida, muitas vezes utilizavam-se os calcanhares. Quando o terreno era rijo, para o amolecer, uma mijadela (q.b.) auxiliaria...
Num destes dias, ao atravessar uma rua, deparo com um berlinde perdido no asfalto. Era um berlinde de dimensão e diâmetro acima dos normais. Bem bonito. Incorporava várias meias luas de cores diversas. Pelo respeito e pelo divertimento que, os bilas me ocasionaram no passado, enquanto menino, não resisti. Curvei-me e apanhei-o. Tenho-o guardado.
Creio não ser difícil encontrar berlindes nas ruas, sobretudo quando há colégios/escolas para miúdos por perto. Como eu me lembro, a caminho da minha escola primária, ou na volta para casa, da doidice por “jogatanas” com os bilas, sobretudo no jogo das 3 covinhas, que me “obrigou” várias vezes a chegar atrasado às aulas, tal não era a paixão.
Na verdade, o calor dado às brincadeiras, não ficava só pelos jogos dos berlindes nas diversas modalidades. Muitas outras brincadeiras ocupavam o tempo do recreio e, não menos apaixonantes, nomeadamente do peão. Também gostava muito de “andar/correr” com o arco, este, quando acionado com o auxílio de uma gancheta. E o gozo que dava corridas com os carros de lata, feitos com as caixas da graxa e das sardinhas que, construía. Rememoro os jogos; do lenço, da cabra-cega e da macaca, sem bem que, para com estes, a minha atração era menor.
Sobressalta-me, no momento que escrevo estas memórias, um misto de alegria e de nostalgia. Alegria; por relembrar as reinações, as arrelias, as quezilas, resultantes das competições com os “putos” do meu bairro. Nostalgia; por razões sentidas pelo brilho, ao “regressar”, no pensamento e na escrita, às brincadeiras do passado.
Voltando ao jogo das 3 covinhas (bilas), que, privilegiava, nunca é demais recordar que, algumas vezes, quem perdia e, não queria pagar o justo “tributo”, ganhava, por via disso, umas chapadas. Seguia-se; “um agarra aqui, um agarra acolá”, ou “um puxa camisola”, dando origem, não raras vezes, a estatelamentos, pelo chão, dos “beligerantes”.
O sururu era ainda pior, quando sujo e roto chegava a casa. No entanto, os desentendimentos com a rapaziada, (quando “aceites” as explicações), eram “sol” de pouca duração, mas… a diversão quase sempre era dada como acabada.
Para se jogar, raras eram as ruas, no velho Bairro das Furnas, que não tinham buracos construídos por rapazes e raparigas. Eu direi que, embora qualquer local servisse, o sítio privilegiado, para os rapazes da minha geração, era o terreno de terra batida, por detrás da praça, a caminho do campo da bola. Aqui não haviam “velhas” a chatear e, a mandar-nos calar, dos barulhos resultantes da algazarra, motivada pela paixão da competição. Quem se lembra, sabe que naquele sítio, no lado esquerdo desta larga vereda, acompanhavam algumas oliveiras e outras árvores de média dimensão. No clivo, estavam em construção alguns prédios na Rua das Furnas.
Quase todos os miúdos levavam os berlindes num pequeno saco de pano. Também possuía um. Tinha um atilho em cima, onde ao puxar, o saco ficava fechado. Dentro, transportava berlindes de todos os tamanhos e feitios. As cores e os nomes variavam; na generalidade e, em maior quantidade, chamavam-se guelas, mas ainda havia; os carolos que, eram mais “fortes”, com vistas a aguentarem melhor as piladas. Com o mesmo objetivo, as esferas de metal. Em menos quantidade e, bem guardados; os abafadores, as leiteiras, os olho-de-bois, etc..
As regras do jogo, das 3 covinhas, eram bem simples: Obviamente, em primeiro lugar, construíam-se as 3 covinhas que, distavam entre si um passo bem largo. Referir que, para a construção das covas em terra batida, muitas vezes utilizavam-se os calcanhares. Quando o terreno era rijo, para o amolecer, uma mijadela (q.b.) auxiliaria.
Prontas as covas, decidia-se quem seria o primeiro na competição. Como? Um de cada vez começava o jogo com o arremesso do bilas, tentando acertar na terceira cova na sua frente. No arremesso, os jogadores posicionavam-se, se quisessem, inquinados para a frente, mas nenhum dos pés, podia pisar a primeira cova. De todos os jogadores, aquele que conseguia colocar o bilas, mais perto do buraco, ou acertar dentro dele, jogava em primeiro lugar. O objetivo consistia em fazer um percurso de ida e volta e, terminar na cova onde se começara. Mas…
Se falhasse deixava o bilas onde parasse. Seguia outro jogador. Assim sucessivamente. Se se chegasse a “fazer” todos os buracos, ganhava-se. Era então pago ao ganhador o “tributo” combinado (geralmente 2 ou 3 bilas).
Como se “matava” ou ganhavam os bilas?
Imaginemos que no desenrolar do jogo, e depois de se fazer as 3 primeiras covas, eu acertava no buraco seguinte. Tinha o direito, com as piladas “matar” os berlindes que estivesse (ou não) mais próximos desse buraco. Para isso, era-me permitido utilizar um palmo da mão que, não raras vezes fazia “aumentar” o seu tamanho (o espaço passava de 15 para 20 cm). Seguia para o próximo buraco e, a cena repetia-se com os bilas mais próximos, se conseguisse conquistar o 6º buraco, o jogo acabava, ganhando a todos os bilas em competição.
Porque não um dia destes um grupo de “cotas” fazer uma partidinha com os bilas dos seus netos? Com uma condição: Quem derrotado, aceitar com fair play a derrota!
Raul Pica Sinos
Notas:
Texto com a participação de Teresa Carvalho (no relembrar nomes dos bilas e modalidades)
Foto do topónimo da criação do autor
Fotos Google, dos meninos a jogar (com montagem do autor) e berlindes
E o que já disseram as “maria-rapaz”!
Eu aceito essa jogatana, tenho "guelas" cá em casa, sempre fui uma Maria Rapaz e as melhores covas para se jogar ao “guelas” na minha zona, ficava praticamente em frente à minha casa, na rua das Tílias, onde existia uma Geradora de electricidade e à frente um espaço relativamente razoável onde existiam as 3 covas de jogo.
Tive sempre a sorte de conter um "abafador", lembraste como eram? Normais com as particularidades de ter uma risca preta que ia de um lado ao outro do guelas, ao trocarmos 3 vezes com o nosso abafador num dos berlindes de alguém, esse alguém ficava sem esse mesmo berlinde e automaticamente era nosso.
Eu não os guardava em nenhum saco, na minha geração, muito depois da tua, usávamos garrafas e ficávamos orgulhosos quando a conseguíamos encher até cá acima de “guelas”, sempre tive uma grande variedade tanto de cores como de tamanhos, os grandes lembro me de exibi-los com o maior orgulho como de um tufo se tratasse, comprei alguns na D. Olívia, outros e a grande maioria eram "abafados"....reguila eu!!!!
Mónica Carvalho
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Olá Raul
Tudo bem contigo e família.
Nós estamos bem graças a Deus. Sabes com quem eu jogava o bilas....com a Fátima Alves, irmã do Aníbal, (o Tripa ) na rua das Nogueiras, quando eu morava na rua dos salgueiros...dava-lhe cada puxão de cabelos que nem imaginas....era só a brincadeira não correr bem e pumba....ás vezes levava eu para não me armar em espertalhona.....
Belos tempos.
Uma bjoca
Fernanda Arsénio
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Meu Querido
De facto, o texto está absolutamente delicioso, e lembro-me agora que o outro jogo não era o círculo mas sim o "roda". Voltando ao teu texto; como seria de esperar, está um texto bestialmente bem escrito e como a exemplo de outros, transporta os seus leitores para o cenário da história.
Parabéns meu amigo
Jinho gd
Té (Teresa Carvalho)