…Era pela manhã que  se ouvia o som constante da sineta a anunciar o compasso, accionado pelo Sr.  José – o jardineiro -. Com uma opa vermelha vestida. 
Atrás, de traje  igual, - o sacristão -, o Sr. Cristóvão, homem alto e de voz forte. Carregando  na sua frente, de dimensão modesta, uma cruz, com o Jesus  pregado...
…Creio que uma boa  parte de quem não abria as portas, neste domingo de Páscoa, era fundamentalmente  por vergonha da sua pobreza.
Estou convencido,  por aquilo que assisti, que tais famílias não tinham sequer dinheiro para comer,  quanto mais para dar dinheiro e amêndoas ao padre, que com elas durante o ano  nada repartia...
Um conjunto de  amigos foi chamado a um almoço, lá para os lados das Olaias, na casa da Nelinha.  Esta grande amiga foi (é), uma das “Miúdas” da minha rua, do velho Bairro das  Furnas que, um dia me fez um pronto “xó pra lá”, quando lhe procurei roubar um  beijo, debaixo da figueira, que, existia no seu quintal. Mas deixemos isto para  outra ocasião.
Continuando; Na  chegada a casa, depois dos beijinhos e abraços e, certamente, tendo em conta a  aproximação do período da Páscoa, alguém ofertou a esta querida amiga, um pacote  com variados e diferentes tipos amêndoas. 
O gesto foi muito  admirado, dando para ver, as ditas cujas, “partirem”, de forma “acelerada”, do  recipiente em que foram colocadas. 
Bonita foi a  controvérsia que originou na apreciação das diferentes variedades, de tão  apreciado e gostoso produto de torrefacção ou caramelização de frutos secos, ou  com outros recheios. 
Dizia uma. Ah… gosto  muita das amêndoas torradas…
Dizia outra…Eu gosto  daquelas que têm no recheio licor ou chocolate…
Retorquiu outra….Ah…  eu também gosto muito de amêndoas, mas não arrisco comê-las, só chupa-las, por  via da minha placa dentária…
Mas, o mais  importante, foi alguém se ter lembrado das amêndoas oferecidas ao padre, no  período da Pascoa, nas casas quando benzidas, do nosso velho Bairro.  
Como era bonito o  compasso (andamento), no domingo de Pascoa, no velho Bairro das  Furnas!
Lembro-me que, uma  semana antes, começavam os preparativos do povo. Os muros e as escadas das  velhas casas eram caiados. Os ripados dos quintais, virados para a frente, eram  arranjados e pintados quanto bastasse. Aproveitava-se para podar as flores. Tudo  que era restolho ou lixo era retirado. Uma ou outra peça de roupa, a custo,  quiçá ao rol, era comprada. 
 
Ao tempo, todos  primavam por vestir o que melhor conservavam. Aproveitando para estrear, nesse  domingo, uma ou outra peça de roupa. As janelas eram engalanadas com colchas e  outras coberturas das camas, por sinal bem garridas. Os crentes, tudo bem  tratavam para receberem nas suas casas, Jesus pregado na cruz.  
Era pela manhã que  se ouvia o som constante da sineta, a anunciar o compasso, acionada pelo Sr.  José – o jardineiro -. Que trazia vestida uma opa vermelha.  
A atrás, de traje  igual, - o sacristão -, o Sr. Cristóvão, homem alto e de voz forte. Carregando  na sua frente, de dimensão modesta, a cruz com o Jesus  pregado.
O padre vinha atrás  acompanhado de 2 miúdos. Estes, vestidos com trajes em acordo com a cerimónia.  Um transportava o incensário, o outro, transportava o balde da água benta, lá  dentro o espargidor. O padre apresentava-se de batina branca, com as mãos  escondidas pela estola, de cor verde, colocadas sobre a  barriga.
Adultos e miúdos,  estes, bem desinquietos, finalizavam o cortejo.
As casas, cujos  donos as queriam ver abençoadas, tinham a portas abertas. O sinal que era dado  ao sacristão, para o sacerdote entrar. 
No interior da casa,  sobre a mesa, havia sempre um prato com algum dinheiro e,  amêndoas.
Aleluia, Aleluia…  dizia o padre.
Estendendo a cruz  para permitir que o crente beijasse os pés do Senhor.  
Aleluia, Aleluia…  repetia o sacristão.
Seguia-se a bênção,  ao mesmo tempo que o seu ajudante movimentava o incensário, purificando o lar  com o incenso queimado, proveniente de uma qualquer árvore  aromática.
Por fim, o dinheiro  era recolhido pelo padre. Na rua, as amêndoas oferecidas, eram atiradas aos  miúdos que, se empurravam para as apanhar.
As portas das casas  que se encontravam fechadas, a este costume religioso, havia sempre vizinhos  algo criticadores, dizendo não raras as vezes:
...Olha aquele não é  crente…
…Aqueles ali são  contra a igreja… 
…Caramba…a porta  abre-se a toda a gente…
…Olha …aquele, não  deixa a mulher e a filha beijar o Jesus…
Creio que uma boa  parte de quem não abria as portas, neste domingo de Páscoa, era fundamentalmente  por vergonha da sua pobreza.
Estou convencido,  por aquilo que assisti, que tais famílias não tinham sequer dinheiro para comer,  quanto mais para dar dinheiro e amêndoas ao padre, que com elas, durante o ano  nada repartia.
Assim era, o  compasso no Domingo de Pascoa, no meu velho Bairro das  Furnas.
Nota: Agradeço à Clarisse Caetano, à Helena Ferraz e à  Manuela Silva as dicas que me deram, pois essas dicas o texto não seria tão  “rico” em termos históricos. 
A  foto do cruzeiro foi montada, pois tinha pessoas na sua frente. Mais uma vez  agradeço à Clarisse Caetano por permitir as alterações na foto que  dispensou.
Pica Sinos
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este relato foi copiado, com a devida vénia, do blog do Pica Sinos, cujo endereço é
  
 
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