Por imposição do Guedes, presumivelmente, a alvitre do “agulheiro” Pica, a quem (aleluia !) reputo, do que conheço, honra lhe seja feita, como homem recto, lutador indómito e de convicções fortes, nas causas que considera justas, seriíssimo e, acima de tudo, apesar dos seus engulhos particulares, que não são pequenos e fáceis, amigo do amigo e sempre preocupado com o semelhante, sobretudo com todos os que, com ele, conviveram na Guiné: Mal chegados a Tite, um ou dois dias após, creio que o major, 2º comandante, dispara:
- Oh nosso cabo, foste indigitado para SPM.
- Meu major, mas eu não pesco um corno disso.
- Não sei. Desenrasca-te, retorquiu, voltando-me as costas . . .
Bonita encomenda ! Manda quem pode, obedece quem deve . . . e logo, a mim, que nem sabia do que se tratava, nunca tinha tido (nem vim a ter) qualquer formação para o cargo e não fazia a menor ideia do assunto.
O SPM (serviço postal militar) tinha as funções de uma estação dos correios e, em Tite, tinha bastante movimento, na medida em que abrangia um grande número de militares (mais de 500 militantes escrevinhadores), quer da sede do batalhão, quer de outros destacamentos, como o Enxudé, Nova Sintra, Jabadá, Fulacunda e S. João.
Aí vendia-se selos, processava-se o recebimento e expedição, via aérea ou marítima, de todo o tipo de correspondência, desde os célebres aerogramas, cartas simples e registadas, encomendas de todo o tipo e até valores declarados que eram, nem mais nem menos, um meio de os familiares dos militares enviarem “patacão” da metrópole, com segurança.
Talqualmente, como hoje, um posto dos CTT da metrópole, menos a venda, para alcançar objectivos, de lotarias, bijuterias e quejandas .
Retenho, à distância de 42 anos, os dias da chegada do “correio”. Era um sufoco, um frenesim, que, só quem viveu esses momentos da chegada de notícias dos entes queridos, pode avaliar.
Era ver os militares, de olhos esgazeados, a sair das órbitas, ansiosos e à espera de que, em voz alta, se pronunciasse o seu nome.
A ponto de, ainda inexperiente, me terem, nas primeiras distribuições, rasgado a camisa, na ânsia de receberem , rapidamente, as missivas.
Estes momentos são retratados mas fotos acima.
Uma guerra, dentro de outra. Um alvoroço que, por artes mágicas, repentinamente, desaparecia, logo que feita a distribuição. E, durante uma hora, no quartel de tanta viv’alma, não se ouvia sequer o restolho de uma folha. Um silêncio sepulcral, enquanto, cada um, isoladamente, no seu recanto, saboreava e devorava as últimas do seu mundo.
E, depois, a descompressão e o bulício do quartel, regressavam à normalidade . . .
Dos, quase, dois anos que penei na tarefa, recordo, apenas, uma reclamação de um familiar, sobre um valor declarado, isto é, de uma quantia enviada a um militar e provinda, creio eu, de Paranhos-Porto.
Estava no SPM, a tratar do expediente, quando me vieram intimar para, no gosse-gosse, ir ao gabinete do capitão Vicente, chefe da secção de reabastecimentos e que superintendia no SPM.
- Tenho aqui uma reclamação de um valor declarado que não chegou ao destino, disparou o capitão, desconfiado e militarão.
- Pode, por favor, meu capitão, fornecer-me o número desse valor declarado, gaguejou o SPM.
- Faça favor, nosso cabo.
- Um momento e se me der licença, irei ao SPM consultar o livro de registos que, à cautela e precavendo equinócios, mantinha assinado por todos os que recebiam aqueles valores.
- Aqui está, meu capitão, exibindo o livrinho à merceeiro. Recebido e assinado no dia x . . .
- Ora, deixe cá ver . . . mas, . . . a assinatura é aqui do fur.mil, que, a meu lado, trabalha !!!
[O dito juvininho, cujo nome se me varreu, vendo gorada a expectativa, digo eu, de os familiares, face à demora propositada em acusar a recepção, remeterem 2ª dose monetária, assentia, enquanto assistia à cena, e lá ia abanando, afirmativamente, a cabeça, desconsoladíssimo].
- Muito bem ! Esclarecido. Pode retirar-se, despachou-me o chefe.
Prova superada. Por pouco, não ia recebendo mais uma medalha ! . . .
Sou, quem sabeis
Hipólito
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