Bart Tite – Guiné
23 DE JANEIRO DE 1963, QUARTEL DE TITE
INICIO DA GUERRA COLONIAL NA GUINE-BISSAU.
É difícil explicar a geografia da Guiné a quem nunca lá
foi. Afinal “aquilo tem o tamanho do Alentejo”. Mas é um engano. Todo o
litoral é uma planície pantanosa que se abre à foz de vários rios. O que
quer dizer que para descer o equivalente a 30 quilómetros em linha reta,
teremos que utilizar um barco ou dar voltas por terra horas sem fim a contornar
a boca de várias entradas de rios. E há o terreno de lama. A vegetação. O
clima tropical. As chuvas. Os mosquitos. No início dos anos 60, a Guiné não
era como as jóias da Coroa: Angola e Moçambique. Para o meio milhão de
autóctones de dezenas de etnias, havia uns meros dois mil portugueses da
Metrópole. Alguns deles militares, espalhados por quartéis nos principais
pontos do país. A zona sul, que faz fronteira com Conacri, terrível em termos
de geografia, e que seria comandada por Nino Vieira, iria ser o ponto de
partida da guerra na Guiné. Tite, um quartel da tropa portuguesa, foi
escolhido para a primeira investida noturna do PAIGC. É conhecido por ser o
local do primeiro tiro. E ainda se comemora como tal. É uma data.
O quartel português de Tite ainda lá está. Mas em
escombros. Restam as paredes e como sempre o mato vem reclamar o que lhe
pertence. Ainda foi ocupado pela tropa guineense, mas abandonado em 1994. A
poucos metros, impassível, está um poilão, uma magnífica árvore sagrada
com dezenas de metros de altura. À sua sombra, os velhos. E, com eles, a
memória. Logo ali dois que lutaram no exército português. Pedro Ussumani, 66
anos; e Brema Jasse, 73. Foram tropa feijão-verde. Brema, aliás, passou de soldado
‘tuga’ a coordenador do PAIGC, e fala desses tempos com cumplicidades e
risadas. “Querem um terrorista? Vamos a casa do grande bazuqueiro”, e lá
caminhamos umas dezenas de metros até à casa de Braine Sane, 63 anos, o tal
artista da bazuca. Tudo amigo. “Fomos soldados, não há rancores”, diz.
Ussumani vai adiantando “que depois das descolonizações
há sempre uns exageros”. Mas a questão não era entre guineenses, era da
política de Salazar. Gostava de acabar nesta frase. Não posso. Da mesma
maneira que entre os jovens não há grande ligação com o poder colonial, há
um saudosismo verbalizado sem medo na geração mais velha. Até em combatentes
da libertação. Um cansaço da instabilidade. Da destruição. Da pobreza.
Mais do que do resto. O que confunde. E ouve-se isto. “Se era para ficar assim,
sem nada, com este braço sem força devido aos estilhaços, não tinha ido
combater”, diz o bazuqueiro do PAIGC.
E o tal primeiro tiro, como foi? O homem que o deu morreu
há poucos meses. E eis que chega à sombra do poilão Pape Dabo, 89 anos, um
homem pequenino. Não sabe de ouvir dizer. Esteve presente no ataque de 23 de
janeiro de 1963 e participou nas reuniões que decidiram a operação no
quartel de Tite. Tiro? Não foi tiro. “Só tínhamos dez armas e a sentinela
estava a dormir e, quando avançámos pela porta do quartel, matámos o homem
com um canhaco.” Canhaco? É uma lança que se põe num arco. Mas foi com a
mão. Perfurou-lhe o pescoço.
Ussumani vai adiantando “que depois das descolonizações
há sempre uns exageros”. Mas a questão não era entre guineenses, era da
política de Salazar. Gostava de acabar nesta frase. Não posso. Da mesma
maneira que entre os jovens não há grande ligação com o poder colonial, há
um saudosismo verbalizado sem medo na geração mais velha. Até em combatentes
da libertação. Um cansaço da instabilidade. Da destruição. Da pobreza.
Mais do que do resto. O que confunde. E ouve-se isto. “Se era para ficar assim,
sem nada, com este braço sem força devido aos estilhaços, não tinha ido
combater”, diz o bazuqueiro do PAIGC.
Mas voltemos um pouco atrás. Pape Dabo conta a história do
ataque como já a terá repetido centenas de vezes. Não permite
interrupções. Ele é o narrador e o dono da versão. Começa com ele e o
irmão no quartel, a trabalharem como padeiros dos portugueses, e termina
depois do ataque com ele a voltar a ser reconhecido pelos militares portugueses
como um “dos bons” e, assim, a poder espiar. Pelo meio, o ataque: divididos em
quatro grupos, só o primeiro entra no quartel; os portugueses acordam; os tiros;
as mortes do lado dos ‘tugas’ terroristas (“terroristas eram vocês do PAIGC”,
diz Pedro); depois, teve que voltar no outro dia, foi obrigado a ver os
cadáver dos companheiros mortos e ter de fingir que não os conhecia. E
recorda ainda quando o comandante alinhou a população na praça em frente ao
quartel e disse:
“A guerra começou.”
A guerra colonial na Guiné, começou em Tite há sessenta e dois anosanos.
Nesta foto tirada há
poucos anos, estão alguns guerrilheiros que fizeram parte do primeiro ataque a
Tite e que marca o inicio da Guerra colonial na Guiné - 23 de Janeiro de 1963.
"N o dia 23 de Janeiro de 1963, teve início a luta
armada na Guiné. Neste dia o PAIGC - Partido Africano para a Independência da
Guiné e Cabo Verde, fundado por Amílcar Cabral, através de um grupo de
combatentes sob o comando de Arafam Mané (N'Djamba), atacou o quartel de Tite.
A Guerra do Ultramar, começava na Guiné.
As várias equipas preparadas para atacar o quartel partiram
de uma aldeia próxima de Nova Sintra. Reuniram-se numa mata próxima de Tite
muito cedo, de manhã, à espera da hora para atacar. Havia apenas uma arma por
cada dez homens, estando os outros combatentes armados com catanas e paus. O
ataque iniciou-se apenas à uma hora da madrugada.
No rescaldo do ataque os combatentes do PAIGC tiveram dois
mortos e dois feridos.
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