Recordando o nosso Alferes Fernando Vaz Alves, publico a seguir uma carta já anteriormente publicada, que o Alferes Vaz Alves me enviou acerca duma famosa foto que relata a visita do Gen. Spínola a Nova Sintra. Esta foto foi enviada ao Alferes Vaz Alves pelo Comandante Hélio Felgas. A carta vai publicada em dois formatos, uma escrita no computador e a original escrita pelo próprio punho do Alferes Vaz Alves.
Paz à sua Alma companheiro.
“Amigo Guedes
Um abraço antes de mais e as desculpas por só agora ir ao
encontro do que me solicitaste. Já tinha há tempos o “rascunho” feito desta
história, mas perdi-lhe o sitio onde o tinha guardado. Ontem, ao passar a vista
no blog, envergonhei-me ao ler a tua carta e prometi a mim mesmo que de hoje
não passava a história da foto do comandante Spínola.
Não sei se a foto tem alguma data no verso mas ela anda à
volta do dia 7 de Junho de 1968.
A minha referencia vai para essa data uma vez que tinha
passado um mês sobre o inicio da construção de Nova Sintra. (esta data
confirma-se, escrita pelo então Ten-Cor. Hélio Felgas).
Nesse dia o comandante Felgas disse-me que no dia seguinte
viria a Nova Sintra a Companhia Operacional de Tite e por sua vez a Companhia
de Nova Sintra ia a S.João buscar reabastecimentos. Nessa altura a ementa
estava limitada a arroz com chouriço e
chouriço com arroz.
A chegada dos helicópteros com a poeira do quartel ainda em
construção, encheu-nos a panela de areia e arroz. Ao mastigar é que notávamos a
diferença.
O comandante Spínola viu a situação e no dia seguinte enviou
alguns helis com frango e outros alimentos.
A situação era um pouco “gágá” em termos de segurança, uma
vez que fiquei só no quartel, a fazer a defesa e a segurança aos helicópteros,
com alguns cozinheiros e elementos do meu pelotão, num total de cerca de uma
dúzia de homens. Isto porque o meu pelotão (Nativos 66) tinha sido reduzido por
ferimentos no 1º. ataque ao quartel, em 10 de Maio.
Nesse ataque vi uma série de granadas de morteiro a
explodirem nas árvores em frente ao meu abrigo.
Essas que explodiram em cima das árvores, espalhavam os
estilhaços e atingiam as pessoas em especial na cabeça. Uma das que não
explodiu em cima, veio pela árvore abaixo, atingir o Sapador Neto, que faleceu
dali a dois dias.
Algumas dessas granadas, pelo que me disse o rádio
telegrafista, que estava com o meu pelotão, andaram por bem perto de mim, com
os estilhaços a ficarem marcados na árvore do meu abrigo.
Nesta dia, melhor, a esta hora lembrei-me de Bissássema e
até a sombra dos baga-baga, lembravam alguém a rastejar na nossa direcção.
Aliás nesse ataque os “turras” chegaram a tropeçar no arame farpado.
Nesse período de Bissássema, eu não estava em Tite, porque
fui destacado pelo Quartel General, para fazer exames aos que tivessem 3ª. ou
4ª. classe, como se dizia na altura.
Foi o período negro do Batalhão em que, além de Bissássema
com a captura pelo IN do Alf. Rosa e dos Soldados Contino e Capítulo, (da CART
1743) rapazes das transmissões, aconteceram a morte do Alf. Carvalho, do
Soldado Victor e do furriel Rato, que trabalhava ao meu lado na sala de
operações, em Tite.
Durante esses quatro meses o Comandante Felgas pressionou o
Quartel General de tal maneira que tive de voltar a Tite. Ele argumentava que
eu lhe fazia falta, mas o que é certo é que logo a seguir me mandou para Nova
Sintra, como que “castigado”, embora eu nada fizesse para sair para os exames.
Conheci no entanto vários pontos da Guiné e cheguei a pernoitar em Madina do
Boé (o Algarve da Guiné...).
Com estas e com outras já não te falava na foto.
Em primeiro plano estão o Alf. Domingos Sá, um antigo colega
meu do Liceu de Braga e que faleceu num dos ataques a Nova Sintra, em finais de
1968.
Logo a seguir aparece o Cap. Vicente que estava a comandar a
Companhia Operacional 1802 em Nova Sintra, a substituir um Capitão que tinha
sido apanhado por uma mina anti-pessoal.
Voltando ao caso da foto, queres saber o porquê da foto com
toda a gente em calções e tronco nu? É simples. Era assim que se andava há
um mês, com barba por fazer, vestidos o
mais aligeirado possivel. Ninguém avisou da ida do Gen. Spínola e os guarda
fatos estavam “fechados”, com as fardas nº. 1.
Aliás, o nosso banho era tomado com uma mangueira não sei de
quantos polegadas e um motor a puxar água dum charco. Tenho a impressão que no
meu album, que há tempos vos enviei, existe lá uma foto do banho, penso que com
o Cap. Vicente, o Alf. Sá e eu.
Sem mais, aí vai mais um abraço e telefona quando receberes
este “arrazoado”.
Vaz Alves”
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