OLHAI PARA ESTAS MÃOS QUE AQUI VÊDES, JÁ FORAM PEQUENINAS E FORMOSAS, LEVES E MACIAS COMO LIRIOS, ROSADAS E FRESCAS COMO ROSAS.
DECLAMOU EM ALMOÇO FESTIVO O EX-OPERADOR DE TRANSMISSÕES DE INFANTARIA E OPERARIO VIDREIRO DE PROFISSÃO
Não posso deixar de recordar o Vítor Barros. Nosso camarada d’armas na guerra colonial e operário vidreiro de profissão. Era um homem bom ao contrário do frágil vidro que trabalhava. Era um homem forte, educado, afável e gentil. Um amigo de pronto a dar o seu ombro para chorarmos nos momentos menos bons, escutar e partilhar as vivências contemporâneas e passadas.
Um dia, no final da tarde, sentados junto à porta do CC, recordo este homem bom, mobilizado para a guerra na Guiné como primeiro-cabo de transmissões de infantaria a lamentar-se pela falta de equipamento bélico quando em patrulha no terreno.
Dizia-me ele:
Há aqui alguma coisa que falha. Sou operador de transmissões de infantaria (radiotelefonista) e sou colocado numa companhia de artilharia. Vou para o mato só com o radio às costas, G3 “cá tem”. Enquanto tu tens no teu “escritório” duas armas no armeiro não utilizadas.
Já desmobilizados era comum nas conversas que tínhamos por telefone, e não só, estar quase sempre presente as lutas dos operários vidreiros por melhores condições de vida, surpreendendo-me uma vez:
Em minha casa, de volta de um frango assado, bem acompanhados, frisou:
Não sou natural de Lisboa como tu, mas gosto de fado!
Pena tenho que não saber cantar mas declamar talvez.
Cá vai uma parte:
Olhai para estas mãos que aqui vedes
Já foram pequeninas e formosas
Leves e macias como lírios
Rosadas e frescas como rosas
Mãos vidreiras que o gás do forno queimou
Mãos vidreiras que o trabalho calejou
Mãos vidreiras que só fazem obras de arte
Mãos que sabem ser vidreiras
Honradas em toda a parte
Mãos que se irmanam com o fogo
Trabalhando o vidro em ebulição
Mãos que são a alma de um povo
Na sua dura vida e duro pão
Descansa em paz camarada
Raul Pica Sinos
Agosto de 2020
Notas:: Na estante museu da minha casa tenho uma garrafa em cristal, com o meu apelido, que o Vítor Barros me ofertou. Esta garrafa, cheia de ginja feita pela Dª. Maria de Jesus sua mulher, já também defunta, simboliza os operários vidreiros. São ofertadas no museu do vidro na Marinha Grande a gentes de cariz importante quando na visita à cidade. É também religiosamente guardada a flor rosa em vidro que recentemente ofertou à Maria Emília, minha mulher.
Obrigado Vítor,
Os versos são da autoria de Francisco Correia Moita
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