Cerca de meia centena de ex-combatentes da guerra colonial manifestaram-se ontem em frente à Assembleia da República, afirmando-se esquecidos pelo país e apelando a um conjunto de direitos para quem “serviu a pátria”.
MANUEL DE ALMEIDA/LUSA
A manifestação estava prevista para as 14:00 e perto dessa
hora já alguns dos manifestantes se juntavam em frente ao parlamento, com
camisolas onde se lia “ex-combatente” ou “somos combatentes de Portugal”, ao
mesmo tempo que uma outra manifestação de enfermeiros começava também a organizar-se.
Cerca de uma hora depois, um dos responsáveis pelo protesto,
Germano Miranda, 70 anos, chegou de megafone em punho e bandeira de Portugal no
braço, pedindo desculpa aos “camaradas” pelo atraso e deixando algumas palavras
a quem o ouvia.
“O nosso objetivo principal é aquilo que nós sabemos: o
desprezo que os políticos têm por nós e a falta de nos ouvir, não nos ouvem”,
clamou, sendo apoiado por quem o rodeava.
Dizendo-se muito honrado “por ter servido a pátria”, o
ex-combatente que foi sargento durante 19 meses no Ultramar lamentou que se
ensine, considerou, às novas gerações que estes ex-combatentes “foram uns
traidores”: “sofremos o que sofremos em terras que não eram nossas, temos
consciência disso. Nós não estávamos errados, o regime é que estava errado. (…)
Fomos fieis à pátria”, vincou.
Os organizadores do protesto disseram ter intenção de
entregar esta tarde, na Assembleia da República, um “dossier dos combatentes do
Ultramar (1961/1975)” onde constam 14 pontos que definiu como “um caderno de direitos”.
Entre estes pontos está a “recolha imediata de todos os
combatentes sem-abrigo e colocação em locais com dignidade, conforto e carinho,
com toda a assistência de saúde geral”, o “internamento imediato para todos os
que necessitarem, em hospitais, lares públicos ou privados e militares, para
todos os combatentes, suas viúvas e suas esposas” ou o direito à gratuitidade
de todos os medicamentos ou tratamentos e exames que necessitem, extensivos
também a viúvas e esposas.
Uma “pensão mensal de guerra para todos os combatentes do
Serviço Militar Obrigatório e para os voluntários que não seguiram a carreira
militar após o 25 de abril de 1974, no mínimo 200 euros, tendo por base o
ordenado mínimo nacional que todos os combatentes devem ter direito, livres de
impostos” é outro dos apelos, tal como os transportes públicos gratuitos em
todo o território nacional.
Os manifestantes mostraram-se desagradados com a versão
atual do Estatuto do Antigo combatente, aprovado no parlamento em agosto de
2020 e que prevê o direito de preferência na habitação social, isenção de taxas
moderadoras no Serviço Nacional de Saúde, passe intermodal e entrada para
museus e monumentos grátis e honras fúnebres especiais a ex-combatentes, entre
outras medidas.
Apelando à sua melhoria, os ex-combatentes disseram não
aceitar o cartão de antigo combatente, associado ao estatuto, uma vez que não
se sentem “iguais ou comparáveis” aos combatentes pós-25 de abril.
“O cartãozinho é uma fraude, uma fraude completa”, disse
Germano.
Entre os manifestantes presentes começaram a erguer-se
alguns cartazes e viam-se camisolas com referências a organizações como a
‘Combatentes do Ultramar em Luta’ (CUL), a ‘Unir Combatentes do Ultramar’ (UCU)
ou até mesmo do Partido Unido dos Reformados e Pensionistas (PURP) – cujo
presidente, Fernando Loureiro, esteve presente e se associou às reivindicações.
Porque o seu tempo é precioso.
Junto a um muro, com a mulher Arminda Carvalho ao lado, o
ex-combatente José Figueiredo, de 74 anos, natural de Viseu, disse à Lusa que o
Estatuto do Antigo Combatente “é só para tapar o sol com a peneira” que “não
tem resultado material nenhum”.
“As leis que estão a sair relativamente às benesses que
estão a dar passam pela Assembleia da República, e eu nos debates que tenho
acompanhado onde se discute isso não há ninguém que diga assim: opa, isso não é
bem assim, isso devia-se acrescentar qualquer coisa, porque aquilo que deram
não é nada”, considerou.
José lembrou o tempo em que embarcou para Angola, onde
esteve 19 meses, sem saber se iria voltar, com a mulher ao lado a acrescentar
que por cá ficou “à espera das cartitas”, sem ir “a uma festa, nem um baile”.
“Nas escolas nós somos fascistas, nas escolas nós somos
assassinos (…). Não pegaram na juventude e não lhes explicaram como é que isto
aconteceu, quem é que nos empurrou para uma guerra destas. E ainda para cúmulo
tenho uma neta que me vem dizer indiretamente que eu fui assassino?”, relatou
um dos manifestantes, visivelmente emocionado.
João Magalhães, 70 anos, que esteve dois anos na guerra
colonial, e veio do Porto por ser um dos organizadores do protesto, deixou
ainda um apelo final: "Neste momento o Governo foi-se embora ou vai-se
embora mas ainda tem poderes, nomeadamente o Presidente da República, acho que
poderia fazer alguma coisa por nós. E apelo a ele que olhe para nós, acho que
merecemos que nos veja com olhos de ver".
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Enviado por Raul Pica Sinos a quem agradecemos.