A Guiné foi "incontestavelmente" o cenário mais
difícil na guerra colonial, disse à agência Lusa o almirante Leiria Pinto, que
em 1966/67 comandou um destacamento com 80 homens na antiga colónia portuguesa.
“Não haja dúvida de que foi o sítio em que a Marinha
desempenhou um papel muito importante, porque a Guiné é um pântano, a parte
fluvial é fundamental”, afirmou em entrevista à Lusa o almirante, que foi, aos
25 anos, o mais jovem comando de destacamento de fuzileiros, tendo cumprido
comissões em Angola, na Guiné e em Timor.
O transporte logístico e a “penetração para operações” eram
comummente assegurados pelos rios, onde operavam as lanchas de desembarque da
Marinha. As lanchas de maior porte faziam grande parte do apoio logístico: “Na
época das chuvas aquilo fica tudo alagado. Julgo que, com a maré cheia, um
quarto da Guiné fica alagado”.
Além da adversidade do clima, as forças portuguesas
encontraram na Guiné “um inimigo muito mais bem preparado” do que em Angola.
“Angola tinha uma vantagem. É um espaço muito grande e dava para
haver zonas mais calmas. No sul não havia problemas nenhuns. Dava para várias
táticas, manobras! A Guiné é um terreno muito curto e os países (vizinhos), o
Senegal e a Guiné-Conacri, davam asilo ao inimigo”, recordou o oficial da
Armada, atualmente contra-almirante na situação de reforma.
De acordo com Leiria Pinto, a grande missão da Marinha, além
da logística, era manter as vias fluviais navegáveis. “Mesmo até ao fim, nunca
houve interdição da operacionalidade da Marinha”, assegurou.
O receio de minas aquáticas acabou por não se confirmar.
Surgiu um ou outro caso, mas “sem qualquer problema”, contou: “É muito mais
difícil pôr uma mina num sítio com lodo, com grandes correntes. É muito
difícil, o inimigo não tinha a tecnologia”.
Na Guiné, foi feito um levantamento geo-hidrográfico,
trabalho a cargo da Marinha, que levantou a carta fluvial e terrestre. “Nós,
oficiais de Marinha, navegávamos como que em terra. Bastava uma agulha
magnética e íamos a qualquer local”, explicou.
Entre as várias experiências que viveu no Ultramar, teve
feridos a lamentar, mas não perdeu qualquer homem, frisou, ao recordar a
situação mais crítica, vivida na Guiné, quando a Marinha se deslocou a uma
povoação, junto a um rio secundário, onde não ia há muitos anos.
“Fomos lá por uma questão de presença e também para ir
buscar a mancarra – o amendoim -, que é um dos produtos de exportação da
Guiné”, relatou.
Tudo tinha de ser “muito bem calculado”, por forma a ir com
a maré e regressar com a maré. Leiria Pinto comandava um grupo dividido por
duas lanchas. “Os patrões das lanchas eram peritos na zona. Sabiam exatamente
onde se encontravam os bons locais para desembarcar”, referiu.
“Muitas vezes o desembarque tinha de ser feito naquele
preciso ponto e à noite. Não havia sinalização, não havia nada. Se se
desembarcasse 50 metros ao lado, já aquilo era mais complicado”, acrescentou o
almirante.
As lanchas conseguiram furtar-se aos ataques da resistência
local e chegar ao destino, mas o regresso foi mais complicado. “Bastante mais
complicado”, nas palavras do almirante.
Uma das lanchas foi atingida por 32 balas. O artilheiro
ficou ferido na emboscada, a máquina parou e a lancha que seguia à frente, onde
se encontrava Leiria Pinto, teve de voltar atrás para a rebocar a embarcação
danificada.
O atraso foi fatal à navegação. Atrasaram-se e encalharam à
noite. “Não podíamos transmitir para Bissau porque estávamos absolutamente em
ocultação de luzes. Foi um bocado complicado”, admitiu.
Os fuzileiros acabaram por ser salvos pelo macaréu, um
fenómeno que se manifesta através de uma onda de enchente que faz elevar o
nível da água em um a dois metros, em apenas dois ou três minutos.
“Veio o barulho do macaréu, entretanto eles localizaram-nos,
pedimos apoio aéreo e tal, tínhamos um ferido. Tive várias cenas complicadas,
mas essa talvez tivesse sido a mais complicada”, estimou o oficial, em
entrevista realizada no Arquivo Histórico da Marinha, em Lisboa.
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este artigo foi enviado pelo Pica Sinos - entrevista da agência Lusa ao Senhor Almirante Leiria Pinto - a todos o nosso agradecimento.
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