BISSASSEMA 50 ANOS DEPOIS...
"Foi há 50 anos que António Júlio Rosa, Alferes Miliciano,
natural da Abrunhosa, Mangualde, e mais dois seus militares, cabo cripto
Geraldino Marques Contino e soldado Victor Manuel Jesus Capitulo, da CArt.
1743, foram feitos prisioneiros, na madrugada de 3 de Fevereiro de 1968, por
forças do PAIGC. A tragédia ocorreu numa acção militar na região de Bissassema,
tabanca situada na península a sul do rio Geba, em frente de Bissau. Alferes
Rosa comandava uma força, composta por um pelotão de europeus e três africanos,
ali instalada, no dia 31 de Janeiro, para subtrair o apoio logístico, manter a
segurança afastada e impedir qualquer flagelação sobre Bissau pelo PAIGC. Num
ataque violento de 250 guerrilheiros, penetraram no dispositivo e obrigaram a
força portuguesa a abandorar em pânico, apressada e desornamente a tabanca para
salvar a vida. A fuga foi trágica, com consequências imprevistas, a que assisti
e que, ainda hoje, está no meu subconsciente. Fazia parte da força que, saída
de Tite, nessa madrugada, foi impotentemente em seu auxílio. Após uma tentativa
fracassada de fuga do cativeiro, Alferes António Rosa e mais 25 prisioneiros
portugueses, seriam libertados da prisão 'Montanha' na República da
Guiné-Conakry, numa acção militar "Operação Mar Verde" pelas Forças
Armadas Portuguesas, realizada em 22 de Novembro de 1970, concebida e executada
pelo fuzileiro capitão-tenente Alpoim Calvão, com o apoio do Comandante Chefe e
Governador da Província Portuguesa da Guiné, brigadeiro António de Spínola.
Entretanto, após a chegada a BISSÁSSEMA, verificou-se que o
PAICG já havia retirado, apenas se encontravam na tabanca um pequeno número de
elementos da população. Foi dada ordem para guarnecer BISSÁSSEMA a fim de
proteger a população.
Mas isto não acabou por aqui, o PAICG não queria perder
aquela posição estratégica e a todo custo desenvolveu ações no sentido de
recuperar a tabanca. Assim, na noite do dia 4 e na madrugada do dia 5,
desencadeou ações com a finalidade de experimentar e recolher informação sob o
posicionamento dos militares ali instalados. E 10 minutos antes da meia-noite
do mesmo dia 5 de fevereiro, uma forte flagelação, que apenas durou cerca de 25
minutos por, ao pretenderem tomar de assalto o dispositivo, sofreram baixas o
que os levou a retirar. Mas no dia 9 de fevereiro, pela uma da manhã,
regressaram com maior efetivo e melhor armamento, talvez comandado por Nino
Vieira, com a vontade de tomar de assalto, capturar e desalojar os militares
portugueses. Conseguiram abrir uma brecha no dispositivo de defesa em
consequência de terem sido feridos 4 elementos de um abrigo, tendo penetrado no
interior do dispositivo de defesa. Mas a forte reação das NT obrigou as forças
do PAIGC a retirar com pesadas baixas, deixadas no local, abandonando grande
quantidade de material de guerra e, apressadamente, transportar elevada
quantidade de feridos que sofreram no ataque. Finalmente, passados cerca de 15
dias, no dia 25 de fevereiro, o PAIGC voltou a desencadear mais uma ação
violenta de flagelação, agora com menor efetivo e armamento, tendo retirado,
novamente, com várias baixas.
Em face do falhanço tido na efetivação da instalação de um
aquartelamento e também aos resultados que se registaram no início, foi
decidido abandonar a tabanca de Bissassema no dia 10 de março, procedendo-se à
recolha de arroz, e ao reordenamento das populações na região a norte de Tite.
Por isso, foram destruídas todas as moranças das tabancas que o PAIGC tinha
aliciado na região, bem como os próprios abrigos que tínhamos construído para a
defesa de Bissassema. Nunca mais lá voltámos.
Sabesse que esta intervenção, em Bissassema, foi um fracasso
para ambos os lados. Se pelo lado português, para além dos prisioneiros e dois
desaparecidos e feridos não se conseguiu contretizar os objetivos propostos;
para o lado do PAICG, o elevado números de baixas, levou a que o PAIGC sempre
escondesse as suas consequencias tendo, inclusivamente, ter sido considerado
por alguns, como um dos maior desaires que sofreu no seu movimento de
libertação da Guiné.
Passados que foram estes 50 anos, a visão dolorosa do estado
dos militares em fuga para Tite, as lágrimas que corriam nas suas faces, os
olhos cobertos de lama, a maioria descalços, ou mesmo nus, parecendo figuras de
terror, apenas com forças para agarrarem, desesperadamente, a arma, a sua única
salvação para manter a vida, em redor da morte, hoje, podemos questionar-nos:
"será que valeu a pena o sacrifício e a vida destes jovens de ambos
intervenientes na guerra…?
João Trabulo, Coronel"
NOTA - Nesta tragédia desapareceram ao atravessar o rio, o Furriel Cardoso e o sargento das Milicias, tendo o corpo deste ultimo aparecido mais tarde.
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