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“Se servistes a Pátria que vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis e ela, o que costuma”


(Do Padre António Vieira, no "Sermão da Terceira Quarta-Feira da Quaresma", na Capela Real, ano 1669. Lembrado pelo ex-furriel milº Patoleia Mendes, dirigido-se aos ex-combatentes da guerra do Ultramar.).

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"Ó gentes do meu Batalhão, agora é que eu percebi, esta amizade que sinto, foi de vós que a recebi…"

(José Justo)

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“Ninguém desce vivo duma cruz!...”

"Amigo é aquele que na guerra, nos defende duma bala com o seu próprio corpo"

António Lobo Antunes, escritor e ex-combatente

referindo-se aos ex-combatentes da guerra do Ultramar

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Eles,
Fizeram guerra sem saber a quem, morreram nela sem saber por quê..., então, por prémio ao menos se lhes dê, justa memória a projectar no além...

Jaime Umbelino, 2002 – in Monumento aos Heróis da Guerra do Ultramar, em Torres Vedras
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“Aos Combatentes que no Entroncamento da vida, encontraram os Caminhos da Pátria”

Frase inscrita no Monumento aos Heróis da Guerra do Ultramar, no Entroncamento.

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Sem fanfarra e sem lenços a acenar, soa a sirene do navio para o regresso à Metrópole. Os que partem não são os mesmos homens de outrora, a guerra tornou-os diferentes…

Pica Sinos, no 30º almoço anual, no Entroncamento, em 2019
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"Tite é uma memória em ruínas, que se vai extinguindo á medida que cada um de nós partir para “outra comissão” e quando isso nos acontecer a todos, seremos, nós e Tite, uma memória que apenas existirá, na melhor das hipóteses, nas páginas da história."

Francisco Silva e Floriano Rodrigues - CCAÇ 2314


Não voltaram todos… com lágrimas que não se veem, com choro que não se ouve… Aqui estamos, em sentido e silenciosos, com Eles, prestando-Lhes a nossa Homenagem.

Ponte de Lima, Monumento aos Heróis da Guerra do Ultramar


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quarta-feira, 19 de julho de 2017

O primeiro ataque a Tite após a nossa chegada - pelo José Justo



O 1º. ATAQUE A TITE (19 DE JULHO DE 1967), DURANTE A NOSSA PERMANENCIA, DESTA VEZ VIVIDO PELO JUSTO.
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A guerra na Guiné 7.000 guerrilheiros era sem dúvida muito mais intensa e sistemática, que em Angola 6.500 guerrilheiros e Moçambique 6.500 guerrilheiros.Devia-se isso principalmente a:Pequenez do território 36.128 Km2, portanto mais controlável pela guerrilha.Ser o PAIGC o único grupo armado que nos combatia; (ver mapa Africa)Fazer fronteira com dois países que nos eram hostis - Senegal a norte e Guiné Conakry a sul - e dos quais o IN recebia apoios.Como se não bastasse, tinha um clima terrível; calor e humidade intensos, pragas de mosquitos, formigas gigantes vorazes, dificuldade de abastecimento e conservação de frescos, água só filtrada e com um sabor horrível, tomava-mos duche e quando nos estava-mos a limpar já suava-mos de novo, etc.O PAIGC concentrava a luta de guerrilha, principalmente nos ataques nocturnos aos quartéis, com armas pesadas - de véspera engajavam os civis das tabancas próximas para carregarem as granadas e muitos fugiam a coberto da noite antes de espoletarem as granadas de morteiro (esta cena vai dar outra história curiosa).A nossa vida diária, e logo que começava a escurecer, era ir para dentro, ou estar muito perto dos abrigos subterrâneos (ver foto), ou de alguns edifícios reforçados com sacos de areia entre o telhado e a cobertura.O quartel estava sempre iluminado com duas principais linhas periféricas: o quartel propriamente dito, e uma linha posterior onde se situavam os postos de defesa avançada.A força motriz era fornecida por dois enormes geradores que funcionavam alternadamente 24 horas por dia, e tinham sempre um electricista de dia, que além da manutenção normal, tinha a função importantíssima de, quando se ouvissem as “saídas” (nome dado aos estrondos dos primeiros disparos dos morteiros e canhões sem-recuo) desligar todas as luzes, excepto da vedação posterior, para pudermos ver e repelir tentativas de aproximação e invasão do quartel.A parte mais mortífera dos ataques, eram os primeiros rebentamentos, O PAIGC instalava-se de noite, a alguns kms do quartel e como tinha a referência das luzes, podia calibrar e apontar as armas pesadas, sem pressas e com toda a precisão. Daí as primeiras granadas a cair, sempre tocavam os pontos mais vitais (numa operação, foi capturado a um guerrilheiro morto, um mapa pormenorizado do nosso quartel, assinalado com o comando, tms, etc. e até da prisão, com uma exactidão impressionante !!??)Uma noite, como sempre, estava no abrigo subterrâneo a jogar á Sueca e era hábito haver sempre alguém que se encarregava de ganhar algum “patacão” com um mini comércio de vinho, cerveja e alguns petisquitos de ocasião.Só que naquela noite, mau grado, não apareceu ninguém a “abrir a tasca” e estava tudo a seco. A “secura” na Guiné tinha dois grandes inconvenientes; O calor chegava aos 40 e tal graus, e “não bebo, logo penso...portanto...não rebentes a tola”.Claro que as jogas da Sueca eram levadas muito a sério, e sempre para as bebidas...quem perde paga, e segue a música.Dispus-me a ir á cantina buscar quatro belas e grandes cervejas de 6 dl.Tinha acabado de pagar, quando um barulho intenso denúncia as “saidas” bum...bum...bum...bum, aí estava mais um ataque...logo se apagam todas as luzes e desato a correr e a contar intimamente 1.2.3... - tinha aprendido na recruta, com um alferes que tinha estado na Guiné, que quando apanhados nesta situação, devemos começar a correr para o abrigo mais próximo, a contar e chegando ao 10-12-15 deitar no chão, fechar a boca e tapar fortemente os ouvidos com as mãos, por causa da descompressão de rebentamentos muito próximos.Corri que nem um desalmado, sempre a contar, mas aos vinte e tal, parei de contar...mas não me deitei no chão, sempre na ânsia de chegar até ao abrigo das transmissões.Sem luzes e numa noite bastante escura, corria e guiava-me mais pela intuição e o desespero de me abrigar, do que pela visão, quando um rebentamento tremendo de granada, na paliçada junto à porta de armas, me projecta não sei para onde, e senti um calor enorme. Ainda fiquei mais em pânico, pois as ondas de choque dos rebentamentos próximos, levantavam muita terra, e parte dessa “chuva” caiu-me em cima.Com a projecção, caí, mas logo me levantei e recomecei a correr. Dois ou três passos dados, senti uma pancada enorme na cara e na mão direita, que me deixou completamente tonto !! cheio de dores começo às apalpadelas, e passados segundos, apercebo-me que em vez de estar a correr na direcção da rua, com o rebentamento, tinha ficado virado para a parede do edifício já muito perto do abrigo, e tinha corrido a bom correr...DE ENCONTRO Á PAREDE.Por fim lá me abriguei, incólume, mas sem uma sapatilha e a cabeça toda empoeirada.Desta vez o ataque tinha feito desgraça entre nós, um deles foi o “piriquito” da Compª operacional, com 5 dias de Guiné, que se tinha desenfiado do reforço e morreu com um estilhaço que lhe entrou pelo anus...incrível.A seu tempo vou contar esta triste história, mais uma ironia do destino.No dia seguinte, na cantina e enquanto comentávamos a noite desgraçada da véspera, , perguntei como descargo de consciência das quatro cervejas que tinha pago e ficaram em cima do balcão, claro que já previa que tinham sido “capturas pelo IN”, mas não !!! o cantineiro (mas uma vez...os nomes) abre a arca e pôe-me as cervejas no balcão !!! fiquei de boca aberta...não comentei...e acabamos os dois por beber as 4 loirinhas.Não acredito num gesto destes na cantina de um quartel na Metrópole, onde os gajinhos das cantinas eram uns lateiros-mete-nojo.Se a maldita da guerra, terá uma única coisa de bom, será a forte amizade entre irmãos de armas e sofrimento, durante dois anos, num teatro estúpido de guerra.O que me dói, e ofende a minha inteligência, é; porque se provocam carnificinas, e passados anos os então inimigos, passam a irmãos !! não será possível a tal irmandade antes do morticínio ?? tá bem...pronto, já sei que não sou deste planeta !!Zé Justo.

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