O 1º. ATAQUE
A TITE (19 DE JULHO DE 1967), DURANTE A NOSSA PERMANENCIA, DESTA VEZ VIVIDO
PELO JUSTO.
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A guerra na
Guiné 7.000 guerrilheiros era sem dúvida muito mais intensa e sistemática, que
em Angola 6.500 guerrilheiros e Moçambique 6.500 guerrilheiros.Devia-se isso
principalmente a:Pequenez do território 36.128 Km2, portanto mais controlável
pela guerrilha.Ser o PAIGC o único grupo armado que nos combatia; (ver mapa
Africa)Fazer fronteira com dois países que nos eram hostis - Senegal a norte e
Guiné Conakry a sul - e dos quais o IN recebia apoios.Como se não bastasse,
tinha um clima terrível; calor e humidade intensos, pragas de mosquitos,
formigas gigantes vorazes, dificuldade de abastecimento e conservação de
frescos, água só filtrada e com um sabor horrível, tomava-mos duche e quando
nos estava-mos a limpar já suava-mos de novo, etc.O PAIGC concentrava a luta de
guerrilha, principalmente nos ataques nocturnos aos quartéis, com armas pesadas
- de véspera engajavam os civis das tabancas próximas para carregarem as
granadas e muitos fugiam a coberto da noite antes de espoletarem as granadas de
morteiro (esta cena vai dar outra história curiosa).A nossa vida diária, e logo
que começava a escurecer, era ir para dentro, ou estar muito perto dos abrigos
subterrâneos (ver foto), ou de alguns edifícios reforçados com sacos de areia
entre o telhado e a cobertura.O quartel estava sempre iluminado com duas
principais linhas periféricas: o quartel propriamente dito, e uma linha
posterior onde se situavam os postos de defesa avançada.A força motriz era
fornecida por dois enormes geradores que funcionavam alternadamente 24 horas
por dia, e tinham sempre um electricista de dia, que além da manutenção normal,
tinha a função importantíssima de, quando se ouvissem as “saídas” (nome dado
aos estrondos dos primeiros disparos dos morteiros e canhões sem-recuo)
desligar todas as luzes, excepto da vedação posterior, para pudermos ver e
repelir tentativas de aproximação e invasão do quartel.A parte mais mortífera
dos ataques, eram os primeiros rebentamentos, O PAIGC instalava-se de noite, a
alguns kms do quartel e como tinha a referência das luzes, podia calibrar e
apontar as armas pesadas, sem pressas e com toda a precisão. Daí as primeiras
granadas a cair, sempre tocavam os pontos mais vitais (numa operação, foi
capturado a um guerrilheiro morto, um mapa pormenorizado do nosso quartel,
assinalado com o comando, tms, etc. e até da prisão, com uma exactidão
impressionante !!??)Uma noite, como sempre, estava no abrigo subterrâneo a
jogar á Sueca e era hábito haver sempre alguém que se encarregava de ganhar algum
“patacão” com um mini comércio de vinho, cerveja e alguns petisquitos de
ocasião.Só que naquela noite, mau grado, não apareceu ninguém a “abrir a tasca”
e estava tudo a seco. A “secura” na Guiné tinha dois grandes inconvenientes; O
calor chegava aos 40 e tal graus, e “não bebo, logo penso...portanto...não
rebentes a tola”.Claro que as jogas da Sueca eram levadas muito a sério, e
sempre para as bebidas...quem perde paga, e segue a música.Dispus-me a ir á
cantina buscar quatro belas e grandes cervejas de 6 dl.Tinha acabado de pagar,
quando um barulho intenso denúncia as “saidas” bum...bum...bum...bum, aí estava
mais um ataque...logo se apagam todas as luzes e desato a correr e a contar
intimamente 1.2.3... - tinha aprendido na recruta, com um alferes que tinha
estado na Guiné, que quando apanhados nesta situação, devemos começar a correr
para o abrigo mais próximo, a contar e chegando ao 10-12-15 deitar no chão,
fechar a boca e tapar fortemente os ouvidos com as mãos, por causa da
descompressão de rebentamentos muito próximos.Corri que nem um desalmado,
sempre a contar, mas aos vinte e tal, parei de contar...mas não me deitei no
chão, sempre na ânsia de chegar até ao abrigo das transmissões.Sem luzes e numa
noite bastante escura, corria e guiava-me mais pela intuição e o desespero de
me abrigar, do que pela visão, quando um rebentamento tremendo de granada, na
paliçada junto à porta de armas, me projecta não sei para onde, e senti um
calor enorme. Ainda fiquei mais em pânico, pois as ondas de choque dos rebentamentos
próximos, levantavam muita terra, e parte dessa “chuva” caiu-me em cima.Com a
projecção, caí, mas logo me levantei e recomecei a correr. Dois ou três passos
dados, senti uma pancada enorme na cara e na mão direita, que me deixou
completamente tonto !! cheio de dores começo às apalpadelas, e passados
segundos, apercebo-me que em vez de estar a correr na direcção da rua, com o
rebentamento, tinha ficado virado para a parede do edifício já muito perto do
abrigo, e tinha corrido a bom correr...DE ENCONTRO Á PAREDE.Por fim lá me
abriguei, incólume, mas sem uma sapatilha e a cabeça toda empoeirada.Desta vez
o ataque tinha feito desgraça entre nós, um deles foi o “piriquito” da Compª
operacional, com 5 dias de Guiné, que se tinha desenfiado do reforço e morreu
com um estilhaço que lhe entrou pelo anus...incrível.A seu tempo vou contar
esta triste história, mais uma ironia do destino.No dia seguinte, na cantina e
enquanto comentávamos a noite desgraçada da véspera, , perguntei como descargo
de consciência das quatro cervejas que tinha pago e ficaram em cima do balcão,
claro que já previa que tinham sido “capturas pelo IN”, mas não !!! o
cantineiro (mas uma vez...os nomes) abre a arca e pôe-me as cervejas no balcão
!!! fiquei de boca aberta...não comentei...e acabamos os dois por beber as 4
loirinhas.Não acredito num gesto destes na cantina de um quartel na Metrópole,
onde os gajinhos das cantinas eram uns lateiros-mete-nojo.Se a maldita da
guerra, terá uma única coisa de bom, será a forte amizade entre irmãos de armas
e sofrimento, durante dois anos, num teatro estúpido de guerra.O que me dói, e
ofende a minha inteligência, é; porque se provocam carnificinas, e passados
anos os então inimigos, passam a irmãos !! não será possível a tal irmandade
antes do morticínio ?? tá bem...pronto, já sei que não sou deste planeta !!Zé
Justo.
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