Intencional ou mero feliz acaso,
ouve-se no início do trabalho video que o amigo Guedes mostrou no almoço das
Caldas da Rainha, o Fado “Na Hora da
Despedida” da Ada de Castro.
Tem este fado uma história e uma
lembrança triste para mim, Pica Sinos, furriel Bagulho e outros camaradas que
com pena não recordo nomes.
Lembra-nos o companheirão Furriel
Rato. Falecido em Tite.
Aos tempos de hoje, para quem não
viveu aquele episódio, poderá parecer naive a letra deste fado. No entanto, no
auge da Guerra Colonial estes singelos versos retratavam muito dos sentimentos
de milhares e milhares de mães, noivas, e esposas, ao ficarem destroçadas com a
partida para uma guerra, a milhares de quilómetros, por terras de África,
durante dois longos anos, dos seus entes queridos, e sempre na grande incerteza
do seu regresso.
Transcrevo um texto já anteriormente
publicado no Blog.
De novo, numa simples lembrança e
homenagem ao amigo.
Requiem para um Saudoso Amigo
Com nostalgia revi várias vezes as
fotos do Cavaleiro onde está o saudoso furriel Rato. Há pessoas com o quase
divino dom de criar empatias logo aos primeiros contactos.
O Rato era um homem com quem facilmente
se sentia simpatia e com quem apetecia conversar.
Era a antítese de alguns, poucos, mas
ilustres desconhecidos, que se viam com umas divisas e a dar ordens, e logo
lhes provocava um tremendo inchaço no pequenino ego!
Anteriormente neste Blog, já contei
uma história sobre um desses cromos, numa cena com o Pica Sinos, que reflecte
bem a mentalidade atávica, de alguns indivíduos da classe de sargentos. Eles
aperceberam-se “que elas não trazem nome” frase corrente no quartel.
Grande verdade, e que passado pouco
tempo de Guiné, sentiriam na pele com o primeiro e forte ataque que sofremos.
Das muitas coisas que me fizeram
odiar a “tropa” e as regras militaristas, era sem dúvida: o avaliar a pessoa
pelo primeiro olhar directo aos ombros...a outra; o ser tratado por “tu” por
marmanjos que nunca tinha visto na vida...nem conhecia de lado nenhum.
Como isso mexia comigo !! Já findo o
tormento da farda, curiosamente, mesmo colegas com quem trabalhei durante anos,
não logo tratava e mesmo detestava que me tratassem por “tu”, até, claro, que a
admiração e amizade, a isso levassem. Provavelmente reflexo dos tristes anos de
tratamento cavalar e suplício militar.
Meu irmão era da Força Aérea e este
hábito do “tu” e “meu este, meu aquele” não se praticava. Esses termos caricatos
“avis rara” não existiam, e ao que penso, só eram utilizados no exército.
O furriel Rato era moderado, mas
alegre, de fino trato e um camaradão nas pequenas farras que durante os dias
que estivemos no quartel da Parede fazia-mos antes de embarcarmos para a Guiné.
Já em Tite, eram longas as conversas
de grupo, onde facilmente ele se incluía. acompanhou connosco num pequeno grupo
que naturalmente se criou, sem sabermos bem como.
Eu o Pica Sinos, o furriel Bagulho e
furriel Rato e mais uns poucos que infelizmente não recordo, sempre que
podia-mos dar uma escapadela, lá rumávamos a um café na baixa da Parede, para
umas conversas e claro uns petiscos bem regados, para fazer esquecer o que
breve nos esperava.
Lembro que num desses dias, as
conversas estavam um pouco tristonhas, talvez pela proximidade do embarque, e
das saudades que já começavam a doer.
O Rato fixou-se num fado da fadista,
então muito em voga, a Ada de Castro, que tocava na velha Jukebox.
Recordo exactamente, não o nome nem
toda a letra do dito fado, mas sei que falava em saudade e partidas sem
retorno, dentro do género de tocar ao sentimento. À época detestava fado, mas
sem saber porquê, naquela altura senti como que um calafrio, e quase automaticamente
fixei um verso que durante dias vinha trauteando mentalmente.
Qual presságio..., muito calado,
ouvia o fado super concentrado, findo o disco, levantou-se e meteu nova moeda e
de novo ouvimos o fado. Repetiu-se esta cena várias vezes, e por estranho que
pareça, e quase contra natura, ninguém comentou, pois quase todos éramos de
Lisboa, e para nós, fado era coisa que não entrava !!
Ninguém se insurgiu e todos ouvimos
as vezes que se repetiram os versos tristes daquela “despedida”, sem um comentário.
O furriel Rato tinha os olhos lacrimejantes, e continuava muito calado e
pensativo.
Parece que algo no seu íntimo fazia
adivinhar o seu prematuro e infeliz desaparecimento na Guiné. Faleceu poucos
dias depois de ter regressado de um mês de férias na Metrópole.
Recordo ainda hoje aquele fado da Ada
de Castro...e a tal premunição que o Rato parecia sentir!!
Todas as mortes dos nossos amigos
foram dolorosas, mas para mim, a deste companheiro de armas, fez-me doer muito,
e deixou-me muitas saudades.
A sua simpatia natural e simplicidade
ficaram na memória de muitos de nós.
Estarei em pensamento com os
camaradas que em breve irão deslocar-se á sua campa no cemitério da Figueira da
Foz e colocar uma placa, símbolo das recordações ainda vivas que deixou.
Dos vários livros sobre a Guerra do
Ultramar, numas páginas com fundo negro, onde constam os nomes dos milhares de
mortos da guerra, lá encontrei o do nosso amigo.
De pouco consolo servirá para os
familiares e amigos que o recordam, mas pelo menos, o seu nome está perpetuado
no Monumento aos Mortos da Guerra em Belém.
José Justo
Março 2013 (Maio 2014)
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