"Bolama: Terra maravilhosa, de Leo Silva
País em constante instabilidade política, palco de guerras
civis e golpes militares, aqui luta-se por assegurar um lugar no mapa da
Guiné-Bissau
Texto de Carlota Montenegro • 23/12/2013 - 12:59"
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"Para cá chegar, é preciso paciência, destreza de
espírito e não ter compromissos agendados. Mesmo que seja dia de barco, nada
garante que ele exista; a hora anunciada é geralmente atrasada... ou adiantada.
Tudo depende das marés, das greves dos trabalhadores, da disponibilidade de o
barco ser destinado à travessia Bissau-Bolama, que não gera afluência turística
nem prioridade política. Seguem-se cerca de 60 quilómetros esgotados em seis a
sete horas de viagem, na companhia de pessoas, galinhas (e por vezes porcos),
sacos de arroz e grades de Super Bock.
O porto avista-se ao longe e o alpendre do mítico Sal Pengue
também. A varanda de uma casa particular torna-se espaço de convívio ao final
do dia, com meia dúzia de cadeiras e uma mesa de plástico. Seja de cerveja na
mão ou Mazza de goiaba, o assento mais confortável é sem dúvida o parapeito.
Daqui quase que se sente a água a bater no muro, as canoas a boiarem e o verde
São João bem lá ao fundo, no continente, que uma só milha de braço de mar
separa da ilha Bolama.
Apenas três casas possuem electricidade e os brancos
contam-se pelos dedos. Não há caminho sem buracos, também poucos são os pneus
que lhes têm de fazer frente. Porcos e cabras à solta, fontes comunitárias
indevidamente protegidas dos mesmos. Silêncio arrasador quando o sol se vai,
mas bons dias incontáveis a qualquer outra hora. Os sinais na pele dos brancos
são vistos pelas crianças como “manchas de Deus” e o desenho de maçãs como
tomates ou pêras como papaias.
O hospital, tido como a referência regional, peca no básico,
não tendo electricidade, água ou saneamento. Os seus interiores estão em
decomposição, os lençóis não existem e é uma luta manter recursos humanos fixos
a esta terra isolada. Antiga caserna dos oficiais portugueses, este é apenas um
dos muitos edifícios de tempos mais prósperos. Uma cidade em ruínas vive agora
do antigamente e luta hoje por ter transporte regular para Bissau, por
conseguir captivar investimento e desenvolver o comércio. Mas, mais ainda, em
situações de saúde em emergência luta por meios de salvação cuja inexistência é
muitas vezes causa de morte.
Escrever sobre a região e não mencionar a Ilha das Galinhas
é impensável. Foi pena Albert Uderzo e René Goscinny não terem levado os seus
personagens Astérix e Obélix a este pedaço de ilha, pois ter-se-iam integrado
na perfeição. Palhotas, uma escola, a igreja evangélica, e campos de futebol a
formar os futuros Brumas compõem a ilha. As vacas são montadas pelas crianças caminhos
fora e a diversão fica refém da imaginação de cada um. Durante o dia, parte
tudo para o mato e, no final, só o exagerado consumo de vinho de caju faz
esquecer o cansaço.
Esta é a principal ilha Bijagó, etnia tida como das mais
tradicionais e fechadas do país, e se o tempo anda a meio-gás em Bolama, nas
Galinhas fica suspenso. De tal maneira que os mais velhos têm dificuldade em
recordar a sua idade e o régulo, o chefe de tabanca, assume o cargo, ao
tornar-se o mais idoso da comunidade. É um desafio fazer compreender como e
quando devem ser tomados os comprimidos e a separação entre famílias é pouco
clara. Casados desde cedo, ainda assim as mulheres ficam para um lado e os
homens para outro. O dinheiro a circular é praticamente nulo, pois quase não existe
troca comercial e quem procura "souvenirs" de artesanato tradicional
pode ficar desiludido.
País com 10 etnias, na região sanitária de Bolama convivem
muitas delas em harmonia. País em constante instabilidade política, palco de
guerras civis e golpes militares, aqui luta-se por assegurar um lugar no mapa
da Guiné-Bissau.
A antiga capital da Guiné-Bissau perdeu esse estatuto em
1941 mas adquiriu outro — Bolama tornou-se um museu vivo, um retrato de uma
ex-colónia portuguesa, testemunha do tempo parado, de valor patrimonial e de
quão crua pode uma beleza ser."
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