Com a gentileza do Joaquim Caldeira, da CCAÇ 2314,
transcrevemos este artigo do Alferes Trabulo, hoje Coronel, que relata também o que se
passou no desastre de Bissassema, em Fevereiro de 1968.
Conjunto João Paulo e o Alferes Rosa
Hoje vou recordar um dos mais terríveis e tristes dias que vivemos em Tite.
O conjunto João Paulo estava em Tite quando chegámos da Operação " Velha
Guarda" em 31Jan/01Fev68 que efectuamos na região de Bissássema e Banaussa
e deixámos em Bissássema o Alferes Rosa, da CART 1743, com e seu pelotão
de europeus e mais 3 pelotões de milícias, estes armados de mauser; para
guarnecer e controlar a região de Bissássema pois esta situava-se em frente de
Bissau do outro lado do rio Geba. Pensou-se que ocupar Bissássema não parecia
ser muito difícil. Tratava-se de uma tabanca de onde as forças do PAIGC tinham
desaparecido sem deixar rasto. Foi nesta operação que tivemos os primeiros
militares feridos: o Augusto José Rebouta e o Manuel Branco, na região de
Brandãozinho. O conjunto João Paulo era, na altura, um conjunto de renome
nacional e foi a Tite para dar um espectáculo para "levantar a morar das
tropas" o que pelos vistos não se verificou. Viram, foi os horrores e
amargura de uma guerra e nunca lhes passou pela cabeça o que iriam viver e
presenciar na sua vida de cantores e de militares. Encontram-se na foto tirada
com os outros oficiais junto ao monumento da parda do quartel de Tite.
Diz a História da Companhia:
" Depois do ataque IN, em 030000FEV68, a BISSÁSSEMA, as posições das NT
que se encontravam naquela tabanca ficaram desguarnecidas.
Encontrando-se esta C. Caç. 2314 em TITE, recebeu ordem para se deslocar para BISSÁSSEMA
a fim de socorrer as NT que se encontravam nessa tabanca. Á chegada a
BISSÁSSEMA, verificou-se que o IN já havia retirado, apenas se encontravam na
tabanca um pequeno número de elementos da população. Foi dada ordem a esta
Companhia para guarnecer BISSÁSSEMA a fim de proteger a população."
Tinham apenas passado 19 dias da nossa permanência na Guiné. Em consequência da
forte flagelação, o IN na madrugada de 3 de Fevereiro de 1968 ocupou
Bissássema, tendo feito prisioneiros o Alf. Rosa e mais dois militares e os
restantes puseram-se em debandada para salvar a vida. Na retirada desapareceram
um furriel e sargento da milícia de Tite que mais tarde foi encontrado morto no
rio Geba. No percurso para Bissássema deparámos com a terrível visão do que
tinha acontecido aos nossos camaradas.
Ainda hoje temos nos nossos olhos o doloroso estado em que se encontravam na
fuga para Tite, bem como as lágrimas que lhes vimos na face, os olhos cobertos
de lama e a maioria descalços e rotos ou mesmo nus, parecendo figuras de filmes
de terror, apenas com forças para agarrarem desesperadamente a G3, a sua
própria e única salvação para manter a vida, quando em redor somente havia a
morte...
Pela meia-noite começou um ataque do PAIGC, meia hora depois o tiroteio parecia
ter acabado. Foi esperança de pouca dura, pois logo a seguir começou um novo
ataque, a força do PAIGC entrou dentro do quartel lançando granadas e semeando
o pânico. Abalado com a explosão de uma granada, António Rosa e dois soldados,
Capitulo e Contino, todos da CART 1743, foram apanhados à mão. Na noite
de 21 de Novembro de 1970, no decurso da operação "Mar Verde"
portugueses na Guiné-Conacri irão ser libertados e transportados em navios de
guerra até aos Bijagós e daqui para Bissau e depois Lisboa. Segue-se o regresso
a Abrunhosa-a-Velha do António Júlio Rosa.
Joaquim Caldeira
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