TORMENTOS QUE AINDA HOJE A MUITOS MARCAM
Todos nós ao longo da vida e, após estes e outros
acontecimentos que vamos relatando da guerra colonial, procurámos na viagem de
regresso, “lançar ao mar” tudo o que nos ia na alma. Pura ilusão.
Comigo e certamente com muitos outros, por muito que o
queiramos esquecer contando apenas as histórias de bom convívio e de respeito
mútuo, de irreverência, que naquela juventude nos caracterizava, as feridas,
dores, tristezas que por todos nós passaram, também são histórias. Mas por
serem chagas, procuramos, ou melhor, evitamos contar, certamente para não
chocar aos que de mais perto nos ligam, sobretudo familiares. Mas sobre “As
Batalhas de Bissássema” é tempo de abrir a excepção e expor as memórias.
Sobre algumas situações militares ocorridas na Guiné, um
homem deu-me a oportunidade, pelo livro que escreveu, de conhecer a versão dos
primórdios dos acontecimentos, no terreno, daquilo a que eu chamo “As batalhas
de Bissássema”. Esse homem é o ex. Alferes Júlio Rosa e o livro tem por título
“Memórias de um Prisioneiro de Guerra”.
Pelas 05,00 horas do dia 2 de Fevereiro de 1968, aquando da
chegada, dispersa, à porta d’armas do aquartelamento em Tite, de outros homens,
carregados de dor e sofrimento, também tive a oportunidade de ouvir depoimentos
dos acontecimentos, e de verificar quanto profunda, imensa e forte tristeza os
assolava que, ainda hoje, não os consigo apagar da memória.
Aliás o Justo no seu diário (3), espelha muito bem os
momentos de frustração vividos por todos nós, quando afirma…
…Rostos que tinha visto sorrir, estavam marcados pelos
vincos profundos da dor, do desespero e desânimo. As lágrimas que lhes vi na
face, os olhos vermelhos e inchados, cobertos de lama e na maioria descalços e
rotos, parecendo figuras de filmes de terror, com forças apenas para agarrarem
desesperadamente a G3, a sua própria e única salvação para manter a vida,
quando em redor somente a morte…
Ao longo dos tempos, sobretudo a partir do 25 de Abril de
1974, na imprensa escrita, radiofónica, televisiva e a não menos rica narração
oral, ou escrita, apresentada por variadíssimas formas, inclusive por via
informática – em páginas pessoais ou colectivas (bloogs) de quem esteve nas
frentes da guerra colonial – não tive a possibilidade de ler, com o rigor
histórico necessário, outras narrações dos fundamentos de tal operação militar,
que ocorreu no inicio do ano de 1968.
Assim sendo, para que fique em conhecimento mais vasto,
passo a transcrever o fundamental de um documento a que tive acesso. Tal
documento procura traduzir os motivos operacionais, o projecto, os
acontecimentos e as consequências das batalhas, sendo de todo importante e
desejável, que os que nela participaram, o comentassem, corrigissem, ou o
complementassem (se for o caso), para que os jovens de hoje, sobretudo e em
especial as mulheres, os filhos e os netos, daqueles que foram intervenientes
em Bissássema, saibam e daí tirem conclusões de entendimento dos tormentos que
ainda hoje a muitos marcam.
As batalhas de Bissássema, no período a que se faz
referência, não foram só as que decorreram contra o IN. Também classifico como
“batalhas” as resultantes das consequências de um projecto deficiente, quer
para a implementação da ocupação e da manutenção das tropas no terreno, quer
aquelas que foram derivadas da fome, sede e, por falta da assistência médica,
as doenças. Os contactos com o IN foram em número de 5, com pesadas e
dramáticas baixas para ambos os lados. As NT sofreram 2 mortos (afogados no Rio
Feninque), 3 capturados e cerca de uma dezena de feridos, sem necessitarem
contudo de evacuação hospitalar. O IN sofreu 55 mortos estimados e, para mais
de uma centena de feridos, alguns muito graves, segundo noticias a posteriori.
Continua
Pica Sinos
______________
O Pica dispôs-se a escrever sobre Bissassema. Esperamos pelos próximos capítulos e que não demorem muito.
Sem comentários:
Enviar um comentário