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“Se servistes a Pátria que vos foi ingrata, vós fizestes o que devíeis e ela, o que costuma”


(Do Padre António Vieira, no "Sermão da Terceira Quarta-Feira da Quaresma", na Capela Real, ano 1669. Lembrado pelo ex-furriel milº Patoleia Mendes, dirigido-se aos ex-combatentes da guerra do Ultramar.).

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"Ó gentes do meu Batalhão, agora é que eu percebi, esta amizade que sinto, foi de vós que a recebi…"

(José Justo)

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“Ninguém desce vivo duma cruz!...”

"Amigo é aquele que na guerra, nos defende duma bala com o seu próprio corpo"

António Lobo Antunes, escritor e ex-combatente

referindo-se aos ex-combatentes da guerra do Ultramar

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Eles,
Fizeram guerra sem saber a quem, morreram nela sem saber por quê..., então, por prémio ao menos se lhes dê, justa memória a projectar no além...

Jaime Umbelino, 2002 – in Monumento aos Heróis da Guerra do Ultramar, em Torres Vedras
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“Aos Combatentes que no Entroncamento da vida, encontraram os Caminhos da Pátria”

Frase inscrita no Monumento aos Heróis da Guerra do Ultramar, no Entroncamento.

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Sem fanfarra e sem lenços a acenar, soa a sirene do navio para o regresso à Metrópole. Os que partem não são os mesmos homens de outrora, a guerra tornou-os diferentes…

Pica Sinos, no 30º almoço anual, no Entroncamento, em 2019
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"Tite é uma memória em ruínas, que se vai extinguindo á medida que cada um de nós partir para “outra comissão” e quando isso nos acontecer a todos, seremos, nós e Tite, uma memória que apenas existirá, na melhor das hipóteses, nas páginas da história."

Francisco Silva e Floriano Rodrigues - CCAÇ 2314


Não voltaram todos… com lágrimas que não se veem, com choro que não se ouve… Aqui estamos, em sentido e silenciosos, com Eles, prestando-Lhes a nossa Homenagem.

Ponte de Lima, Monumento aos Heróis da Guerra do Ultramar


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terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Os Natais - pelo José Justo!




O nosso amigo Guedes fez-me uma encomenda, tipo faca ao peito!!...
Falar de Natais em Tite...
Francamente, com alguns pormenores não me lembro de nenhum Natal a destacar, mas de uma grande ceia de fim de ano de 1967, primeiro ano do nosso Batalhão em Tite, já sobejamente relatado e  para mim e companheiro de apartment, Pica Sinos, de triste memória!!!...

Aqui vai um resumo:

Como sempre no pouco que escrevia para casa (o que me dói hoje pensar nisso) sempre tive o cuidado de compor o ramalhete sem pormenores de guerra nem lamentos, o que a juntar á desinformação e habitual escondidinho impostos pelo regime, tranquilizaria os pais, mau grado as saudades e o afastamento.

Fotos sempre limpinhas e felizes, relatos sobre caçadas, jogos de futebol (em que eu inábil nesse mister e devido a ter dois pés esquerdos, nunca participei) e principalmente relatos dos muitos petiscos que fazia-mos, o que até era pura verdade.

Numa das cartas da costumada pedincha que habitualmente antecedia as saudades e os beijinhos, pedia entre outros, um daqueles medidores plásticos de líquidos, porque já não lembro porquê, fazia-nos falta para as petiscadas.

Creio que foi no Natal de 67, o Palma arrancou com a ideia de se fazer uma festa com o maior número possível de pessoal, o Cavaleiro encarregou-se do MENU, que ficou super giro e combinou-se que cada um dos convivas arranjaria os comes & bebes  que entendesse para compor a mesa, sendo o lema; tudo para todos.

Foi mesmo um sucesso (tenho umas fotos que vou ver se descubro).

Comeu-se e bebeu-se em substância, e as vitualhas apareceram em quantidade e variedade. Vinhos e cervejas e creio que até houve um grupo que fez uma grande sangria num tacho de ferro.

Nesse tempo, e antes da tropa, como Lisboeta de gema BA, já tinha o vício dos petiscos e como, pouco a pouco, lá fui chegando a casa cada vez mais tarde (durante anos apanhava sempre na Estação do Rossio o último comboio, o das 2,25 h, o que adorava, pois apanhava todo o pessoal dos teatros do Parque Mayer, no regresso a casa, depois da segunda sessão, com as lindas coristas e principalmente com o MAX, que era um espanto de humor e boa disposição.  Eu e o grupo bilharista do Café Nacional, tinha-mos conta aberta, a pagar no fim do mês, nalguns tascos conhecidos e eram jantaradas de horas. O dono era galego, e a oração era sempre a mesma “si num pagas una vez, te corro com lo porro (pau)”.

Lembro-me do Bife do Luanda, do Relento de Algés e da Trindade, embora este último já fosse puxado para os nossos bolsos.

Dessa ceia de  Natal em Tite, ainda hoje tenho no palato o sabor dos enchidos da província que a maioria dos camaradas tinha pedido para casa. Não se via muito por Lisboa material daquele...chourições, linguiças, alheiras, torresmos e sei lá que mais, em que até a gordura era divinal.

Claro que queimei bem, pois o motor estava a aquecer com tanto petisco de eleição...

Abreviando:
O tal copão plástico que tinha pedido para casa, estava-me a servir de copo, e recordo que me deu um travadinha que comecei a deitar-lhe um pouco de cada bebida da mesa??!!...e ato contínuo...em duas ou três goladas...ficou vazio??!!....

A ceia, fez bastante sucesso no aquartelamento e alguns furriéis e oficiais, depois das suas ceias nas messes próprias, vieram até à nossa para continuar a petiscada.

Entre eles o Alferes Médico do Batalhão...que eu admirava imenso.

Virei-me para ele de copão em riste e disparo: - É pá és um médico porreiro, és de Lisboa??!!...e passados momentos, caio redondo no chão??!!...

Pobre do Pica Sinos e do médico que me aguentaram creio que dois dias, in extremis com coma alcoólico, resultado final da brincadeira do copão.

Gostava de ter tido durante todos estes anos a oportunidade de por feliz acaso reencontrar o nosso Médico.

Ao Pica, não há obrigados que cheguem...devo-te a vida companheiro!!

Outros Natais!!

Desde muito criança que os Natais eram vividos em nossa casa de uma maneira muito intensa.

Havia sempre o presépio com muitas figuras e o pinheiro de Natal enfeitado com pinhas, bogalhos e estrelinhas, abrilhantados com anelinas multicores, tudo feito pelo pai, que cada ano juntava um figura nova no presépio e um adereço novo o pinheiro (que recordação do cheirinho a resina pela casa fora), que com muitos cuidados era sempre feito às escondidas para nossa surpresa suprema na abertura do Natal.

O pai tinha umas mãos quase sobrenaturais...já muito miúdo eu ficava horas a apreciar e ajudar as suas múltiplas facetas. Móveis, obras em casa e até um enorme fogão a lenha de ferro maciço, que para o trazer do sótão para baixo foram precisos oito homens,  alargar a escada, e construir uma rampa.

Tenho em mãos uma pequena homenagem escrita de louvor a esse grande homem, que só mais tarde vim a compreender e a amar como ele merecia. A sua vida e sucesso profissional, sempre os admirei e pós Guiné foi por ele que me facultou o curso com que reiniciei a minha vida de trabalho.

Ponhamos os sapatinhos na chaminé e no dia 25 logo de manha lá ia-mos numa correria embasbacar com os brinquedos, doces (as célebres sombrinhas da Regina que nos sabiam pela vida) e algumas peças de roupa, a que eu e o meu irmão não ligava-mos nenhuma, pois os olhos iam só para o que interessava??!!

Pós Guiné, continuamos os rituais Natalícios, que intensificamos a partir de 23 DEZ 71 fatídico dia para uma dama, que me tem aturado deste então.

Se eu gostava do Natal e tudo o que ele engloba de lúdico, minha mulher superava tudo, e sempre fez questão que a ceia fosse na nossa casa.

Eram festas, com quase três centenas de familiares e amigos, em que ela se desdobrava numa trabalheira que a mim por vezes me levava a extremos de irritação, porque teimava em fazer praticamente tudo sozinha, mas caindo em mim refletia e lá dava uma mãozinha na loiça e muitos beijinhos.

Hoje, pela lei da vida, a família e amigos foi-se reduzindo, mas já poucos, continuamos a fazer tudo como se continuasse-mos muitos.

NATAL 1965


Dos Natais pré tropa, recordo um; o de 1965 meu último ano como cívil....

Nos anos 1960, entre muitos sítios típicos para petiscos, havia um que talvez fosse dos mais frequentados pela boémia Lisboeta: O Vinho Verde, Caramão da Ajuda ou Mata Verde.

Três alcunhas que designavam o mesmo restaurante com tasca anexa, situado no cimo da Serra de Monsanto. Hoje totalmente remodelado dá pelo nome de Mercado do Peixe, sendo como o nome indica o seu enorme interior uma réplica do mercado Ribeira, com banca de pedra, peixe fresco, que o cliente escolhe e manda cozinhar ao momento.

A convite gentil de meu administrador, almocei lá um robalo escalado, que me soube pela vida!!!.

O antigo restaurante era enorme, e a tasquinha embora relativamente pequena juntava muito pessoal, principalmente noite-a-dentro.

Foi a primeira vez que bebi vinho verde tinto, e não fiquei cliente!!...cá por baixo, no Sul, tirando o velho tinto, verde...só branco.

Como um velhote muito sábio, certa noite de copos na Casa do Caracol na Rua do Comércio, degustando umas supremas caracoletas assadas ao piri-piri, e em amena cavaqueira, me disse: - Amigo, vinho: só tinto, o branco é para vinagre e o verde é a cor da garrafa!!!...

Exatamente dois dias antes do Natal de 65, baseados à volta do bilhar grande de três tabelas do Nacional, a ver o vice-campeão de três tabelas, e quem explorava o salão de  bilhares, Jorge Pinto, a fazer as suas raras demonstrações ás três tabelas e fantasia, a categoria das carambolas a que assistia-mos abriram-nos o apetite e decidimos nessa noite não fazer o jantar, tantas vezes costumado mesmo ali juntinho ao pano verde (Galão escuro e Torrada)!!.

Onde vamos...onde não vamos...MATA VERDE, está decidido.

Rastreio ás massas disponíveis (sempre fraquitas) e a coisa estava preta...que fazer?. Pede-se emprestado ao António, empregado de mesa do Nacional que fazia serviço no salão de bilhar, e que era abastecido por um mini-elevador da cave à copa do Café no piso superior.

Este António era um porreirinho!!...baixote, mas muito mexidinho, muitas vezes lhe ficava-mos a dever o galão e a torrada...além disso, de quando em vez, lá nos abonava uns tustes. Nenhum de nós quatro lhe ficou a dever um centavo.

Ao nosso grupo “Poolista” (o nosso forte era a variante de snooker com bolas numeradas, designado Poole) decidimos chamar-lhe; Trio los Quatro.

Era-mos todos grandes amantes de Poole e trabalhadores-estudantes na Veiga Beirão.

Com o tempo acabamos por tirar o curso bilharista em prejuízo do curso Comercial na Veiga.

As presenças às aulas aconteciam na razão inversa das presenças no Café nacional (hoje Celeiro na rua 1º Dezembro ao Rossio).

Voltando um pouco atrás, lá conseguimos uns dinheiritos emprestados pelo António, que cálculos feitos, dariam para os táxis e petisqueira.

Dinheiro no bolso, ala com rumo ao Caramão da Ajuda, e eu no taxi já estava a pensar nas sandóchas de torresmos, moda da altura, que lá, eram sempre molinhas e super saborosas.

Torresmos, salada de polvo, pataniscas, saladinha de orelha de porco cheia de coentros e picante, peixinhos-da-horta (mais um petisco que adoro) e para não embuchar....tinto da pipa em caneca de barro a pedido.

Tudo isto foi consumido numas horas, e paga a conta chegamos á conclusão que já não havia dinheiro para o taxi de retorno à base.

Que fazer???...bem há que dar corda nos sapatos e rumar até Belém para apanhar o elétrico para a baixa, pois três de nós apanharíamos o costumado último comboio das 2,25 h.

As noites de Inverno de 65 foram especialmente frias em Lisboa e o pessoal vestia aquelas gabardinas curtinhas, pelos joelhos e luvas, moda da época.

A caminhada tornou-se numa galhofa. Ria-mos, cantava-mos, todos de gabardinas na mão!! não sei porquê!!, de repente todos ficamos acalorados!!

Devia-mos estar muito perto de Belém, quando o Tony, empregado do Nicola e um dos meus mais chegados amigões (tempos atrás tinha-nos dado na veneta fazer musculação, e conseguido o dinheiro para pagar um mês de treino para cada um, lá nos fomos inscrever no Ginásio Hércules, que ficava na Avª do Brasil.

Marcação feita do primeiro treino para o dia seguinte, o Tony teve a brilhante ideia de irmos em crosse até ao Ginásio??!!...”gandas malucos”...o percurso do Nacional até lá devem ser uns 10 kms talvez!!!...e não é que fizemos a gracinha durante uma semana??!!

Claro que acabaram os crosses, o Hércules passados tempos também se finou, e com alívio deixa-mos de beber as 7 garrafas de leite vigor diárias, recomendadas pelo treinador??!!

Portanto a caminho de Belém, o Tony manda-nos parar??!!...É pá está ali uma bicicleta!!...vamos dar umas voltas!.

Montou a bicicleta, pés nos pedais e...catrapuz...chão com ele para um lado e a bicicleta para outro. - Então não sabes andar?...- Sei mas não percebo, isto não anda??!! Todos de volta da máquina para analisar, e...tinha uma corrente com cadeado na roda traseira.

O Tony ainda estatelado no chão, foi perentório...essa m....na anda pelo chão, vai andar pelo ar!!!

E vai de meter a bicicleta ao ombro e recomeçando a caminhada para Belém. Estava-mos aparvalhados??...mas onde é que esta gajo quer ir com a bicicleta?

Voltou-se para nós, poisou a bicicleta e começou a calçar as luvas, enrolando a gabardina no quadro do velocípede.

...- Isto é pra não ficarem as impressões digitais.

Bem...aos malucos é melhor não contrariar!!, e lá fomos todos atrás do nosso António, sempre á espera de ver no que aquilo daria.

De repente ouvimos um grande alarido e gente a correr??!! - Agarra, agarra...ladrões, ladrões!!!

É pá, bicicleta no chão e toca a correr que nem desalmados, mas sempre sentindo gente aos berros na nossa peugada.

O Tony gritou, pirem-se cada para seu lado, encontramo-nos junto á estação de comboios de Belém. Dito e feito cada um fugiu para seu lado.

Eu quase tive uma coisinha má!!...o tinto especial de pipa era bom, mas precisava de muito sossego, e eu não lhe estava a dar nenhum...

Com várias paragens pelo caminho para ganhar folgo, sempre escondendo-me atrás de árvores para confirmar não ser perseguido, cheguei finalmente á estação de Belém e num cantinho fiquei esperando a chegada dos amigos.

Esperei bem perto de uma hora, olhei para o relógio...3,20 da manhã!!...bonito!!...comboio já foi, dinheiro para taxi não há.

Já estava disposto a meter-me ao caminho, a pé, até casa dos pais, coisa aí para uns 30 kms...

Andei uns bons metros, mas sempre roído a pensar nos companheiros. E se eles foram apanhados, senão todos, algum?...devem estar na esquadra de Belém!!!

Não estava bem comigo, pirar-me sem saber deles?...NÃ...

Inverti a marcha e comecei a rumar na direção da dita, já com a gabardina vestida e as luvas, porque os calores já se tinham dissipado.

Ainda a uns largos metros da esquadra, na zona frontal ajardinada, oiço um grande rebuliço e sou agarrado??!! - Apanhei-te meu sacana!...a bicicleta, onde é que está a bicicleta??

Apanhei um sustão dos grandes, aparece-me assim aquela prenda do nada, parecia um fantasma, a agarrar-me á bruta e chamar-me nomes...é pá, ia-me passando, mas o sujeito era do tipo armário... parecia uma torre, e eu claro, já com os copitos mais que destilados e a cabeça a funcionar, fiz-me de parvo.

Ele insistia, eu negava, ele perguntava o que é que estava ali a fazer aquelas horas...rebéubeu etc. não me largava.

De repente, saiu-me: - Largue-me já, que eu quero ir fazer queixa de si ali á esquadra.

Queres fazer queixa...então tá bem, vamos lá fazer queixa.

Vamos a entrar na esquadra e o guarda de serviço à porta, barra-nos a entrada, com aquela carinha típica de muitos policias dos anos 60 da nossa Lisboa (os Zé Broa, como o pessoal lhes chamava).

Abreviando:
Mandaram-me sentar num banco e esperar...esperei, esperei, e nada. Olho para o relógio 4,30 da manhã...estou feito!!!

Entretanto tinha acabado o tabaco (já nesse tempo fumava bastante) e dirigi-me ao guarda da porta, perguntando se por acaso não teria um cigarro, pois tinha acabado os meus. – Queres fumar, queres?...já vais levar pra tabaco, vai-te sentar que já vais ser interrogado pelo chefe.

Comecei a ver a coisa muito mal parada. O tal tipo que tinha entrado lá para o gabinete do dito chefe, não o vi sair nem soube mais nada dele??!! Estranhei, mas que fazer senão esperar.

Passada mais cerca de meia-hora, abre-se a porta do gabinete  e aparece o chefe, que afinal era sub-chefe: Pançudo de bigode farfalhudo, fica uns instantes a medir-me de alto a baixo, a abanar a cabeçourra, e finalmente lá me manda entrar.

Com que então a roubar bicicletas ás tantas da noite!...bonito...bonito!

Bem... atalhando o diálogo entre nós: o chefe afirmando eu negando. O que estava ali a fazer aquelas horas, com quem estava etc. etc.

Aí contém o que realmente se tinha passado, mas como estando sozinho, saindo no entanto da tasca acompanhado poucos metros por clientes com quem tinha estava à conversa lá dentro, e por me aperceber que já não tinha dinheiro para o taxi de volta, decidi ir a pé até Belém para apanhar o primeiro transporte da manhã.

Vais ficar detido para averiguações!
Bem...caiu-me o céu em cima naquele momento.

Mas o cérebro começou logo a funcionar na velocidade máxima...
Trabalhava então numa das Companhias da Família Oulman, ao fundo da rua dos Fanqueiros.

Tantas e gratas recordações mantenho de quatro anos de trabalho com estas pessoas de alto coturno: Albert Oulman o pai e Alain Oulman o filho, este com quem lidava diariamente.

Era genro de Albert e cunhado de Alain uma figura super típica, muito alto, diferente e que eu admirava pelo exotismo e porte. Sempre com o seu chapéu de aba direita tipo espanhol e fumava imenso. Tratava-se do Conde de Mesquitela casado com uma irmã de Alain Oulman.

O Conde de Mesquitela tinha um cargo de estado que exercia, creio lá para os lados do Campo dos Mártires da Pátria (já não recordo bem) e eu fui por várias vezes levar-lhe expediente para assinar relativo á firma.

Eu tinha uma certa vaidade naquelas entregas!!!...um puto, com pasta de cabedal preto debaixo do braço entrar por ali dentro e dizer que queria falar com o senhor Conde de Mesquitela, ficavam a olhar para mim??!!...mas eu xutava logo... - O senhor Conde está à minha espera, venho do escritório com despacho para assinaturas.

Ele era na verdade impecável, e não sei porquê simpatizava comigo, e havendo outro colega, fazia questão que fosse eu a tratar dos seus assuntos exteriores, o que por vezes era frete, outras lá dava uns cobres de gratificação.

De novo na esquadra.
Queria tentar resolver aquilo de qualquer maneira, e não me estava a ver passar uma noite na esquadra.
O Chefão via e revia os documentos que lhe mostrava, BI, cartão de aluno da Veiga Beirão, Licença de Isqueiro??!!, cartão do ginásio e mais uns cartões de grupos desportivos do Bairro Alto e Carmo.

Há meia volta...disparo com esta: - Se o senhor guarda...- Eu não sou guarda, sou sub-chefe, ouviste!!!..- OK desculpe sr. Sub-chefe!!...já me chamou ladrão várias vezes e isso é grave. Fala-me em bicicleta, e eu mal sei andar nisso, e depois para ficar esclarecido sobre quem eu sou, agradeço-lhe que ligue para o sr. Alvaro Moreira de Carvalho da Costa de Sousa de Macedo, Conde Mesquitela e perguntará ao senhor quem eu sou, pois sou seu funcionário. Terá no entanto que fazer o favor de esperar pela abertura do Ministério que é as nove horas. Um pormenor: primeiro terei eu que ligar para a secretária do sr. Conde a contar esta situação e ela porá de aviso o sr. Conde, porque ele não atende qualquer pessoa sem passar pela secretária.

Isto até era tudo a pura da verdade, embora fosse um grande abuso da minha parte mencionar um nome ilustre, com um cargo político relevante e pior ainda, familiar dos meus patrões, assim como se almoçasse com ele todos os dias, como que sendo da sua igualha. Era muito atrevimento e arriscado da minha parte, mas a situação impunha-se...
No entanto estava desesperado e ao mesmo tempo convencido de que se, se confirmasse a chamada do trombudo bigodaças, e como o Conde Mesquitela não podia com policias, a coisa se resolveria, talvez a meu favor.

Caso contrário, estaria metido numa grande alhada com a policia e com a firma onde trabalhava.
Bem o Sub-chefe parecia que tinha apanhado um choque!!! Ficou calado uns minutos e disse: - Bem, não há necessidade de incomodar o senhor...afinal já me convenci que isto foi brincadeira de uns copitos a mais, e como é Natal a coisa fica assim.

Tomou umas notas, deu-me os cartões e disse que podia ir, mas que não se repetisse a gracinha. Guardei todos os pertences, pedi a gabardina, e com uma grande lata, tentei mais uma jogada...pedi-lhe um cigarro!...ficou de novo a olhar para mim uns segundos, tocou a campainha de secretária, veio o tal policia da porta e ele mandou-o dar-me um cigarro, o que o trombudo dois assim fez....- Desculpe, se pudessem ser dois agradecia-lhe muito...ia-me comendo com os olhos, mas lá dobrou a dose.

Desejei-lhes bom dia e bom Natal, e pus-me a andar, para o escritório dos Oulman pois esperava-me mais um dia de trabalho, depois de mais uma noite em branco.

Á saída da esquadra, encostada à parede lá estava a bicicleta, assim como que a rir-se para mim. Não faço ideia como foi lá parar.

Nesse dia, à noite no Café Nacional, no reencontro com os protagonistas da véspera, todos ficaram de boca aberta com o que me aconteceu. Todos eles se tinha safado sem problemas, foram para casinha e o Zé com o coração partido a pensar nos colegas acabou por se prejudicar.

Nas minhas rotinas de saúde, sempre que vou ao Egas Moniz passo pela dita esquadra que está exatamente na mesma, e recordo sempre o Natal de 1965. A Aldinha sorri e comenta... - Eras fresco!!!

Guedes, não tenho grande prosa, mas grandes recordações que dariam vários volumes em biografia.
Foi o que se me surgiu, de Natais e recordações dos saudosos anos 60.
Para mim; Saudade é a permanente presença feliz da ausência.

Não quis deixar de responder á tua solicitação.
Se bem, se sofrível, se mau...tu o analisarás e se vires que tem o mínimo...PRANTA, no inverso, arquiva cronologicamente no cesto dos papéis...

BRAÇÕES para ti.
______________________
Grande texto do Justo.
Esteve para se dividido em dois, mas perdia o encanto e por isso se publicou na integra.
Os leitores, com paciencia, com uma fatia de bolo rei e um calice de vinho do Porto, vão saboreando tudo e verão que valeu a pena.
Feliz Natal para todos. Boas Festas.
LG.
______________________ 


Tenho montes de relatos escritos, mas que não gosto quando releio, tento corrigir e ficam piores. A mente acelera a 200 à hora mas a pena respeita os limites de velocidade.

Gostava de fazer uma coletânea de experiências diurnas e principalmente noturnas que se tornariam interessantes, não só pela quantidade, mas pela qualidade!!

Sei que isso nunca se irá concretizar, mas tenho pena.

Hoje num dos meus  hobbies, talvez o preferido, o Modelismo e Colecionismo, que mais do que isso acaba por ser uma importante terapia, quando estou de volta dos brinquedos lá vêm à memória estas antigas estórias, muitas delas, e durante décadas com a Aldinha; Uma mulher à homem...como lhe chamo!!!...

Um fragmento muito pequeno das minhas imensas recordações.

Tentei muito e consegui fazer-me feliz QB até hoje. só invejei na vida “quem bebe água em todas as fontes”. Sempre foram as pequenas coisas da vida que me fizeram feliz.

Ainda hoje mantenho muitas das antigas amizades a vários níveis.

Neste Portugal de hoje, tão diferente do dos nossos tempos, já não me apetece viver. Não consigo aceitar e digerir  o que diariamente, mesmo tentando fugir, vejo e oiço de mau e vergonhoso. A perda total de valores horroriza-me.

O tal dia 21 em que se anuncia o fim do mundo??!!|...não estaremos há muito nesse dito fim?. Todas as antigas civilizações quando atingiram o apogeu do desenvolvimento, o perigeu foi a sequência, e a extinção a morte final. Será que estamos perto dum final idêntico??

Mais um abraço.
José Justo        
Natal 2012 

7 comentários:

José Justo disse...

ERRATA
Amigos, claro que tinha que haver argoladas, ou não fosse eu especialista nisso. No texto "Natal 67" é na verdade a ceia de Fim Ano 67.
O médico do batalhão, era Capitão e não Alferes e a frase correta que disparei, está inscrita na pag.3 da foto do menu feito pelo Cavaleiro.
...é o costume!!!...

Albertina Granja disse...

Tantas e boas recordações da infância e juventude....!!!!
Ao ler-se este texto percebe-se perfeitamente que são muitas as memórias de tempos idos e que existe uma fonte inesgotável de acontecimentos interessantes que, com toda a certeza, mereciam ser divulgados.....
O Sr. Justo deveria pensar em escrever um livro de memórias....
Acredito que seria garantidamente um sucesso.....
Vale a pena pensar nisso....!!!!

Pica Sinos disse...

Oi Justo
Quando queres sabes escrever e bem. Mas é quando queres.
Bonito texto. Gostei
Continua
Aquele abraço

José Justo disse...

Pois é amigo, mas foi tirado a ferros e o esforço foi tanto que a cabeça aqueceu aos 50º!!!!
Como disse, tenho tanta coisa para contar, mas....
Agora que reli, como sempre, há emendas que se impunham, mas já está...já está.
Abraços e Saudades

Albertina Granja disse...

De uma só penada (e conclui-se que com relativa facilidade, foram aqui relatados, diferentes Natais que revelam interessantes vivências (umas melhores do que outras), mas que sem dúvida consubstânciam momentos muito importantes que nunca serão esquecidos....!!!
Ao ler este texto facilmente se percebe que além das memórias ora relatadas, muitas outras existem...!!!E é ma pena se o autor deste bonito texto decide guardá-las na gaveta e não trazê-las a público...!!!
Acredito que se fossem publicadas, seria um sucesso....
Pense nisso...!!!!

Joaquim Cosme disse...

Não conheço o autor do texto nem as pessoas referenciadas mas apreciei imenso ter lido.
Parecia que estava ler algo do Eça, do Aquilino, do Saramago, ou de outros escritores talentosos.
Feliz NATAL.
Joaquim Cosme

José Justo disse...

Amigos
Não esperava que as linhas que escrevi fossem aceites desta forma??!!
Valeu a pena encher-me de vontade e não falhar perante o Guedes.

Ao Pica Sinos:
Desta vez lá saiu alguma coisita. Mas jovem, comparando com o leio no teu Blog em quantidade e qualidade, ainda fico a umas milhas!!

A Albertina Granja:
Obrigado pela opinião expressa.
Pelas suas palavras escritas, vou tentar por à estampa mais alguns textos, já começados e esperando melhores dias!!
Visito regularmente o seu Blog, que aprecio bastante. Para ele que continuem as visitas que já são em número bastante significativo.
Um Natal repleto de sucessos pessoais e saúde da melhor.

A Joaquim Cosme
Meu caro, também não tenho o prazer de o conhecer, deduzo ser amizade do nosso amigo comum Leandro.
Quem serei eu que mereça ser comparado com estes nossos Egrégios avós?!
Muita generosidade sua, que não merecendo agradeço.
Nas minhas leituras, desde sempre, excluí romances pois não gosto mesmo nada de narrativas locais nem do discurso direto!!...no entanto dou comigo de quando em vez a conseguir esses mesmos predicados??!!
Tenha Um Bom Natal com tudo o que acha merecer.

A todos os meus melhores cumprimentos