O nosso amigo Guedes fez-me uma
encomenda, tipo faca ao peito!!...
Falar de Natais em Tite...
Francamente, com alguns
pormenores não me lembro de nenhum Natal a destacar, mas de uma grande ceia de
fim de ano de 1967, primeiro ano do nosso Batalhão em Tite, já sobejamente
relatado e para mim e companheiro de apartment,
Pica Sinos, de triste memória!!!...
Aqui vai um resumo:
Como sempre no pouco que escrevia
para casa (o que me dói hoje pensar nisso) sempre tive o cuidado de compor o
ramalhete sem pormenores de guerra nem lamentos, o que a juntar á desinformação
e habitual escondidinho impostos pelo regime, tranquilizaria os pais,
mau grado as saudades e o afastamento.
Fotos sempre limpinhas e
felizes, relatos sobre caçadas, jogos de futebol (em que eu inábil nesse
mister e devido a ter dois pés esquerdos, nunca participei) e principalmente
relatos dos muitos petiscos que fazia-mos, o que até era pura verdade.
Numa das cartas da costumada
pedincha que habitualmente antecedia as saudades e os beijinhos, pedia entre
outros, um daqueles medidores plásticos de líquidos, porque já não lembro
porquê, fazia-nos falta para as petiscadas.
Creio que foi no Natal de 67, o
Palma arrancou com a ideia de se fazer uma festa com o maior número possível de
pessoal, o Cavaleiro encarregou-se do MENU, que ficou super giro e combinou-se
que cada um dos convivas arranjaria os comes & bebes que entendesse para compor a mesa, sendo o
lema; tudo para todos.
Foi mesmo um sucesso (tenho umas
fotos que vou ver se descubro).
Comeu-se e bebeu-se em
substância, e as vitualhas apareceram em quantidade e variedade. Vinhos e
cervejas e creio que até houve um grupo que fez uma grande sangria num tacho de
ferro.
Nesse tempo, e antes da tropa,
como Lisboeta de gema BA, já tinha o vício dos petiscos e como, pouco a
pouco, lá fui chegando a casa cada vez mais tarde (durante anos apanhava sempre
na Estação do Rossio o último comboio, o das 2,25 h, o que adorava, pois
apanhava todo o pessoal dos teatros do Parque Mayer, no regresso a casa, depois
da segunda sessão, com as lindas coristas e principalmente com o MAX, que era
um espanto de humor e boa disposição. Eu
e o grupo bilharista do Café Nacional, tinha-mos conta aberta, a pagar no fim
do mês, nalguns tascos conhecidos e eram jantaradas de horas. O dono era
galego, e a oração era sempre a mesma “si num pagas una vez, te corro com lo
porro (pau)”.
Lembro-me do Bife do Luanda, do
Relento de Algés e da Trindade, embora este último já fosse puxado para os
nossos bolsos.
Dessa ceia de Natal em Tite, ainda hoje tenho no palato o
sabor dos enchidos da província que a maioria dos camaradas tinha pedido para
casa. Não se via muito por Lisboa material daquele...chourições, linguiças,
alheiras, torresmos e sei lá que mais, em que até a gordura era divinal.
Claro que queimei bem,
pois o motor estava a aquecer com tanto petisco de eleição...
Abreviando:
O tal copão plástico que tinha
pedido para casa, estava-me a servir de copo, e recordo que me deu um travadinha
que comecei a deitar-lhe um pouco de cada bebida da mesa??!!...e ato
contínuo...em duas ou três goladas...ficou vazio??!!....
A ceia, fez bastante sucesso no
aquartelamento e alguns furriéis e oficiais, depois das suas ceias nas messes
próprias, vieram até à nossa para continuar a petiscada.
Entre eles o Alferes Médico do
Batalhão...que eu admirava imenso.
Virei-me para ele de copão em
riste e disparo: - É pá és um médico porreiro, és de Lisboa??!!...e
passados momentos, caio redondo no chão??!!...
Pobre do Pica Sinos e do médico
que me aguentaram creio que dois dias, in extremis com coma alcoólico,
resultado final da brincadeira do copão.
Gostava de ter tido durante todos
estes anos a oportunidade de por feliz acaso reencontrar o nosso Médico.
Ao Pica, não há obrigados que
cheguem...devo-te a vida companheiro!!
Outros Natais!!
Desde muito criança que os Natais
eram vividos em nossa casa de uma maneira muito intensa.
Havia sempre o presépio com
muitas figuras e o pinheiro de Natal enfeitado com pinhas, bogalhos e
estrelinhas, abrilhantados com anelinas multicores, tudo feito pelo pai, que
cada ano juntava um figura nova no presépio e um adereço novo o pinheiro (que
recordação do cheirinho a resina pela casa fora), que com muitos cuidados era
sempre feito às escondidas para nossa surpresa suprema na abertura do Natal.
O pai tinha umas mãos quase sobrenaturais...já
muito miúdo eu ficava horas a apreciar e ajudar as suas múltiplas facetas.
Móveis, obras em casa e até um enorme fogão a lenha de ferro maciço, que para o
trazer do sótão para baixo foram precisos oito homens, alargar a escada, e construir uma rampa.
Tenho em mãos uma pequena
homenagem escrita de louvor a esse grande homem, que só mais tarde vim a
compreender e a amar como ele merecia. A sua vida e sucesso profissional,
sempre os admirei e pós Guiné foi por ele que me facultou o curso com que
reiniciei a minha vida de trabalho.
Ponhamos os sapatinhos na chaminé
e no dia 25 logo de manha lá ia-mos numa correria embasbacar com os brinquedos,
doces (as célebres sombrinhas da Regina que nos sabiam pela vida) e algumas
peças de roupa, a que eu e o meu irmão não ligava-mos nenhuma, pois os olhos
iam só para o que interessava??!!
Pós Guiné, continuamos os rituais
Natalícios, que intensificamos a partir de 23 DEZ 71 fatídico dia para uma
dama, que me tem aturado deste então.
Se eu gostava do Natal e tudo o
que ele engloba de lúdico, minha mulher superava tudo, e sempre fez questão que
a ceia fosse na nossa casa.
Eram festas, com quase três
centenas de familiares e amigos, em que ela se desdobrava numa trabalheira que
a mim por vezes me levava a extremos de irritação, porque teimava em fazer
praticamente tudo sozinha, mas caindo em mim refletia e lá dava uma mãozinha na
loiça e muitos beijinhos.
Hoje, pela lei da vida, a família
e amigos foi-se reduzindo, mas já poucos, continuamos a fazer tudo como se
continuasse-mos muitos.
NATAL 1965
Dos Natais pré tropa, recordo um;
o de 1965 meu último ano como cívil....
Nos anos 1960, entre muitos
sítios típicos para petiscos, havia um que talvez fosse dos mais frequentados
pela boémia Lisboeta: O Vinho Verde, Caramão da Ajuda ou Mata
Verde.
Três alcunhas que designavam o
mesmo restaurante com tasca anexa, situado no cimo da Serra de Monsanto. Hoje
totalmente remodelado dá pelo nome de Mercado do Peixe, sendo como o nome
indica o seu enorme interior uma réplica do mercado Ribeira, com banca de
pedra, peixe fresco, que o cliente escolhe e manda cozinhar ao momento.
A convite gentil de meu
administrador, almocei lá um robalo escalado, que me soube pela vida!!!.
O antigo restaurante era enorme,
e a tasquinha embora relativamente pequena juntava muito pessoal,
principalmente noite-a-dentro.
Foi a primeira vez que bebi vinho
verde tinto, e não fiquei cliente!!...cá por baixo, no Sul, tirando o
velho tinto, verde...só branco.
Como um velhote muito sábio,
certa noite de copos na Casa do Caracol na Rua do Comércio, degustando umas
supremas caracoletas assadas ao piri-piri, e em amena cavaqueira, me disse: -
Amigo, vinho: só tinto, o branco é para vinagre e o verde é a cor da garrafa!!!...
Exatamente dois dias antes do
Natal de 65, baseados à volta do bilhar grande de três tabelas do
Nacional, a ver o vice-campeão de três tabelas, e quem explorava o salão
de bilhares, Jorge Pinto, a fazer as
suas raras demonstrações ás três tabelas e fantasia, a categoria das carambolas
a que assistia-mos abriram-nos o apetite e decidimos nessa noite não fazer o
jantar, tantas vezes costumado mesmo ali juntinho ao pano verde (Galão escuro e
Torrada)!!.
Onde vamos...onde não
vamos...MATA VERDE, está decidido.
Rastreio ás massas disponíveis
(sempre fraquitas) e a coisa estava preta...que fazer?. Pede-se emprestado ao
António, empregado de mesa do Nacional que fazia serviço no salão de bilhar, e
que era abastecido por um mini-elevador da cave à copa do Café no piso
superior.
Este António era um
porreirinho!!...baixote, mas muito mexidinho, muitas vezes lhe ficava-mos a
dever o galão e a torrada...além disso, de quando em vez, lá nos abonava uns tustes.
Nenhum de nós quatro lhe ficou a dever um centavo.
Ao nosso grupo “Poolista” (o
nosso forte era a variante de snooker com bolas numeradas, designado Poole)
decidimos chamar-lhe; Trio los Quatro.
Era-mos todos grandes amantes de
Poole e trabalhadores-estudantes na Veiga Beirão.
Com o tempo acabamos por tirar o
curso bilharista em prejuízo do curso Comercial na Veiga.
As presenças às aulas aconteciam
na razão inversa das presenças no Café nacional (hoje Celeiro na rua 1º
Dezembro ao Rossio).
Voltando um pouco atrás, lá
conseguimos uns dinheiritos emprestados pelo António, que cálculos feitos,
dariam para os táxis e petisqueira.
Dinheiro no bolso, ala com rumo
ao Caramão da Ajuda, e eu no taxi já estava a pensar nas sandóchas de
torresmos, moda da altura, que lá, eram sempre molinhas e super saborosas.
Torresmos, salada de polvo,
pataniscas, saladinha de orelha de porco cheia de coentros e picante,
peixinhos-da-horta (mais um petisco que adoro) e para não embuchar....tinto da
pipa em caneca de barro a pedido.
Tudo isto foi consumido numas
horas, e paga a conta chegamos á conclusão que já não havia dinheiro para o
taxi de retorno à base.
Que fazer???...bem há que dar
corda nos sapatos e rumar até Belém para apanhar o elétrico para a baixa, pois
três de nós apanharíamos o costumado último comboio das 2,25 h.
As noites de Inverno de 65 foram
especialmente frias em Lisboa e o pessoal vestia aquelas gabardinas curtinhas,
pelos joelhos e luvas, moda da época.
A caminhada tornou-se numa
galhofa. Ria-mos, cantava-mos, todos de gabardinas na mão!! não sei porquê!!,
de repente todos ficamos acalorados!!
Devia-mos estar muito perto de
Belém, quando o Tony, empregado do Nicola e um dos meus mais chegados amigões
(tempos atrás tinha-nos dado na veneta fazer musculação, e conseguido o
dinheiro para pagar um mês de treino para cada um, lá nos fomos inscrever no
Ginásio Hércules, que ficava na Avª do Brasil.
Marcação feita do primeiro treino
para o dia seguinte, o Tony teve a brilhante ideia de irmos em crosse até ao
Ginásio??!!...”gandas malucos”...o percurso do Nacional até lá devem ser uns 10
kms talvez!!!...e não é que fizemos a gracinha durante uma semana??!!
Claro que acabaram os crosses, o
Hércules passados tempos também se finou, e com alívio deixa-mos de beber as 7
garrafas de leite vigor diárias, recomendadas pelo treinador??!!
Portanto a caminho de Belém, o
Tony manda-nos parar??!!...É pá está ali uma bicicleta!!...vamos dar umas
voltas!.
Montou a bicicleta, pés nos
pedais e...catrapuz...chão com ele para um lado e a bicicleta para outro. -
Então não sabes andar?...- Sei mas não percebo, isto não anda??!! Todos de
volta da máquina para analisar, e...tinha uma corrente com cadeado na roda
traseira.
O Tony ainda estatelado no chão,
foi perentório...essa m....na anda pelo chão, vai andar pelo ar!!!
E vai de meter a bicicleta ao
ombro e recomeçando a caminhada para Belém. Estava-mos aparvalhados??...mas
onde é que esta gajo quer ir com a bicicleta?
Voltou-se para nós, poisou a
bicicleta e começou a calçar as luvas, enrolando a gabardina no quadro do
velocípede.
...- Isto é pra não ficarem as
impressões digitais.
Bem...aos malucos é melhor não
contrariar!!, e lá fomos todos atrás do nosso António, sempre á espera de ver
no que aquilo daria.
De repente ouvimos um grande
alarido e gente a correr??!! - Agarra, agarra...ladrões, ladrões!!!
É pá, bicicleta no chão e toca a
correr que nem desalmados, mas sempre sentindo gente aos berros na nossa
peugada.
O Tony gritou, pirem-se cada para
seu lado, encontramo-nos junto á estação de comboios de Belém. Dito e feito
cada um fugiu para seu lado.
Eu quase tive uma coisinha
má!!...o tinto especial de pipa era bom, mas precisava de muito sossego, e eu
não lhe estava a dar nenhum...
Com várias paragens pelo caminho
para ganhar folgo, sempre escondendo-me atrás de árvores para confirmar não ser
perseguido, cheguei finalmente á estação de Belém e num cantinho fiquei
esperando a chegada dos amigos.
Esperei bem perto de uma hora,
olhei para o relógio...3,20 da manhã!!...bonito!!...comboio já foi, dinheiro
para taxi não há.
Já estava disposto a meter-me ao
caminho, a pé, até casa dos pais, coisa aí para uns 30 kms...
Andei uns bons metros, mas sempre
roído a pensar nos companheiros. E se eles foram apanhados, senão todos,
algum?...devem estar na esquadra de Belém!!!
Não estava bem comigo, pirar-me sem
saber deles?...NÃ...
Inverti a marcha e comecei a
rumar na direção da dita, já com a gabardina vestida e as luvas, porque os
calores já se tinham dissipado.
Ainda a uns largos metros da
esquadra, na zona frontal ajardinada, oiço um grande rebuliço e sou
agarrado??!! - Apanhei-te meu sacana!...a bicicleta, onde é que está a
bicicleta??
Apanhei um sustão dos grandes,
aparece-me assim aquela prenda do nada, parecia um fantasma, a agarrar-me á
bruta e chamar-me nomes...é pá, ia-me passando, mas o sujeito era do tipo
armário... parecia uma torre, e eu claro, já com os copitos mais que destilados
e a cabeça a funcionar, fiz-me de parvo.
Ele insistia, eu negava, ele
perguntava o que é que estava ali a fazer aquelas horas...rebéubeu etc. não me
largava.
De repente, saiu-me: - Largue-me
já, que eu quero ir fazer queixa de si ali á esquadra.
Queres fazer queixa...então tá
bem, vamos lá fazer queixa.
Vamos a entrar na esquadra e o
guarda de serviço à porta, barra-nos a entrada, com aquela carinha típica de
muitos policias dos anos 60 da nossa Lisboa (os Zé Broa, como o pessoal lhes
chamava).
Abreviando:
Mandaram-me sentar num banco e
esperar...esperei, esperei, e nada. Olho para o relógio 4,30 da manhã...estou
feito!!!
Entretanto tinha acabado o tabaco
(já nesse tempo fumava bastante) e dirigi-me ao guarda da porta, perguntando se
por acaso não teria um cigarro, pois tinha acabado os meus. – Queres fumar,
queres?...já vais levar pra tabaco, vai-te sentar que já vais ser interrogado
pelo chefe.
Comecei a ver a coisa muito mal
parada. O tal tipo que tinha entrado lá para o gabinete do dito chefe, não o vi
sair nem soube mais nada dele??!! Estranhei, mas que fazer senão esperar.
Passada mais cerca de meia-hora,
abre-se a porta do gabinete e aparece o
chefe, que afinal era sub-chefe: Pançudo de bigode farfalhudo, fica uns
instantes a medir-me de alto a baixo, a abanar a cabeçourra, e finalmente lá me
manda entrar.
Com que então a roubar bicicletas
ás tantas da noite!...bonito...bonito!
Bem... atalhando o diálogo entre
nós: o chefe afirmando eu negando. O que estava ali a fazer aquelas horas, com
quem estava etc. etc.
Aí contém o que realmente se
tinha passado, mas como estando sozinho, saindo no entanto da tasca acompanhado
poucos metros por clientes com quem tinha estava à conversa lá dentro, e por me
aperceber que já não tinha dinheiro para o taxi de volta, decidi ir a pé até
Belém para apanhar o primeiro transporte da manhã.
Vais ficar detido para
averiguações!
Bem...caiu-me o céu em cima
naquele momento.
Mas o cérebro começou logo a
funcionar na velocidade máxima...
Trabalhava então numa das
Companhias da Família Oulman, ao fundo da rua dos Fanqueiros.
Tantas e gratas recordações
mantenho de quatro anos de trabalho com estas pessoas de alto coturno: Albert
Oulman o pai e Alain Oulman o filho, este com quem lidava diariamente.
Era genro de Albert e cunhado de
Alain uma figura super típica, muito alto, diferente e que eu admirava pelo
exotismo e porte. Sempre com o seu chapéu de aba direita tipo espanhol e fumava
imenso. Tratava-se do Conde de Mesquitela casado com uma irmã de Alain Oulman.
O Conde de Mesquitela tinha um
cargo de estado que exercia, creio lá para os lados do Campo dos Mártires da
Pátria (já não recordo bem) e eu fui por várias vezes levar-lhe expediente para
assinar relativo á firma.
Eu tinha uma certa vaidade
naquelas entregas!!!...um puto, com pasta de cabedal preto debaixo do braço
entrar por ali dentro e dizer que queria falar com o senhor Conde de
Mesquitela, ficavam a olhar para mim??!!...mas eu xutava logo... - O senhor
Conde está à minha espera, venho do escritório com despacho para assinaturas.
Ele era na verdade impecável, e
não sei porquê simpatizava comigo, e havendo outro colega, fazia questão que
fosse eu a tratar dos seus assuntos exteriores, o que por vezes era frete,
outras lá dava uns cobres de gratificação.
De novo na esquadra.
Queria tentar resolver aquilo de
qualquer maneira, e não me estava a ver passar uma noite na esquadra.
O Chefão via e revia os
documentos que lhe mostrava, BI, cartão de aluno da Veiga Beirão, Licença de
Isqueiro??!!, cartão do ginásio e mais uns cartões de grupos desportivos do
Bairro Alto e Carmo.
Há meia volta...disparo com esta:
- Se o senhor guarda...- Eu não sou guarda, sou sub-chefe, ouviste!!!..- OK
desculpe sr. Sub-chefe!!...já me chamou ladrão várias vezes e isso é grave.
Fala-me em bicicleta, e eu mal sei andar nisso, e depois para ficar esclarecido
sobre quem eu sou, agradeço-lhe que ligue para o sr. Alvaro Moreira de Carvalho
da Costa de Sousa de Macedo, Conde Mesquitela e perguntará ao senhor quem eu
sou, pois sou seu funcionário. Terá no entanto que fazer o favor de esperar
pela abertura do Ministério que é as nove horas. Um pormenor: primeiro terei eu
que ligar para a secretária do sr. Conde a contar esta situação e ela porá de
aviso o sr. Conde, porque ele não atende qualquer pessoa sem passar pela
secretária.
Isto até era tudo a pura da
verdade, embora fosse um grande abuso da minha parte mencionar um nome ilustre,
com um cargo político relevante e pior ainda, familiar dos meus patrões, assim
como se almoçasse com ele todos os dias, como que sendo da sua igualha. Era
muito atrevimento e arriscado da minha parte, mas a situação impunha-se...
No entanto estava desesperado e
ao mesmo tempo convencido de que se, se confirmasse a chamada do trombudo
bigodaças, e como o Conde Mesquitela não podia com policias, a coisa se
resolveria, talvez a meu favor.
Caso contrário, estaria metido
numa grande alhada com a policia e com a firma onde trabalhava.
Bem o Sub-chefe parecia que tinha
apanhado um choque!!! Ficou calado uns minutos e disse: - Bem, não há
necessidade de incomodar o senhor...afinal já me convenci que isto foi
brincadeira de uns copitos a mais, e como é Natal a coisa fica assim.
Tomou umas notas, deu-me os
cartões e disse que podia ir, mas que não se repetisse a gracinha. Guardei
todos os pertences, pedi a gabardina, e com uma grande lata, tentei mais uma
jogada...pedi-lhe um cigarro!...ficou de novo a olhar para mim uns segundos,
tocou a campainha de secretária, veio o tal policia da porta e ele mandou-o
dar-me um cigarro, o que o trombudo dois assim fez....- Desculpe,
se pudessem ser dois agradecia-lhe muito...ia-me comendo com os olhos, mas lá
dobrou a dose.
Desejei-lhes bom dia e bom Natal,
e pus-me a andar, para o escritório dos Oulman pois esperava-me mais um dia de
trabalho, depois de mais uma noite em branco.
Á saída da esquadra, encostada à
parede lá estava a bicicleta, assim como que a rir-se para mim. Não faço ideia
como foi lá parar.
Nesse dia, à noite no Café
Nacional, no reencontro com os protagonistas da véspera, todos ficaram de boca
aberta com o que me aconteceu. Todos eles se tinha safado sem problemas, foram
para casinha e o Zé com o coração partido a pensar nos colegas acabou por se
prejudicar.
Nas minhas rotinas de saúde,
sempre que vou ao Egas Moniz passo pela dita esquadra que está exatamente na
mesma, e recordo sempre o Natal de 1965. A Aldinha sorri e comenta... - Eras
fresco!!!
Guedes, não tenho grande prosa,
mas grandes recordações que dariam vários volumes em biografia.
Foi o que se me surgiu, de Natais
e recordações dos saudosos anos 60.
Para mim; Saudade é a permanente
presença feliz da ausência.
Não quis deixar de responder á
tua solicitação.
Se bem, se sofrível, se mau...tu
o analisarás e se vires que tem o mínimo...PRANTA, no inverso, arquiva
cronologicamente no cesto dos papéis...
BRAÇÕES para ti.
______________________
Grande texto do Justo.
Esteve para se dividido em dois, mas perdia o encanto e por isso se publicou na integra.
Os leitores, com paciencia, com uma fatia de bolo rei e um calice de vinho do Porto, vão saboreando tudo e verão que valeu a pena.
Feliz Natal para todos. Boas Festas.
LG.
______________________
Tenho montes de relatos escritos,
mas que não gosto quando releio, tento corrigir e ficam piores. A mente acelera
a 200 à hora mas a pena respeita os limites de velocidade.
Gostava de fazer uma coletânea de
experiências diurnas e principalmente noturnas que se tornariam
interessantes, não só pela quantidade, mas pela qualidade!!
Sei que isso nunca se irá
concretizar, mas tenho pena.
Hoje num dos meus hobbies, talvez o preferido, o Modelismo e
Colecionismo, que mais do que isso acaba por ser uma importante terapia, quando
estou de volta dos brinquedos lá vêm à memória estas antigas estórias,
muitas delas, e durante décadas com a Aldinha; Uma mulher à homem...como
lhe chamo!!!...
Um fragmento muito pequeno das
minhas imensas recordações.
Tentei muito e consegui fazer-me
feliz QB até hoje. só invejei na vida “quem bebe água em todas as fontes”.
Sempre foram as pequenas coisas da vida que me fizeram feliz.
Ainda hoje mantenho muitas das
antigas amizades a vários níveis.
Neste Portugal de hoje, tão
diferente do dos nossos tempos, já não me apetece viver. Não consigo aceitar e
digerir o que diariamente, mesmo
tentando fugir, vejo e oiço de mau e vergonhoso. A perda total de valores
horroriza-me.
O tal dia 21 em que se anuncia o
fim do mundo??!!|...não estaremos há muito nesse dito fim?. Todas as antigas
civilizações quando atingiram o apogeu do desenvolvimento, o perigeu foi a sequência,
e a extinção a morte final. Será que estamos perto dum final idêntico??
Mais um abraço.
José Justo
Natal 2012