Com a devida vénia transcrevo a seguir um artigo do blog do Pica Sinos:
MANCEBO NA RECRUTA MILITAR
Os meus sentimentos e inquietações mudaram, quando aos 18 anos de idade, dou obrigatoriamente o nome para o serviço militar.
É exactamente no ano de 1963, que a guerra colonial se intensifica. Em Setembro, começa a guerrilha do PAIGC, na Guiné, de forma sistemática, enquan
to o MPLA abre a segunda frente de guerra, em Angola, no enclave de
Cabinda.
Com grande aparato realizam-se pela primeira vez cerimónias militares no Terreiro do Paço, por ocasião do Dia de Portugal, onde se condecoram militares vivos e a título póstumo, em resultado das acções na guerra colonial.
Em 1964, com a reorganização do MPLA e da FRELIMO, a guerra passará a ter uma fase mais agravada em Angola e Moçambique.
Todos estes acontecimentos, entre outros, começam a originar dúvidas e medos na minha pessoa. Os amigos que comigo conviviam, no Café Ferro d’Engomar, ao Calhariz de Benfica, são levados a pensar na imigração para um qualquer país da Europa a exemplo do que faziam muitas famílias que fugiam à miséria, de um país que lhes negava a felicidade. Muitos jovens, inclusive com o assentimento dos pais, exilavam-se para fugir a participação na guerra colonial cada vez mais amplificada.
Mas, comigo, não era fácil concretizar esta opção. A imigração clandestina, que milhares de portugueses escolhiam maioritariamente os países europeus mais desenvolvidos: a França em primeiro lugar, mas também a Alemanha (RFA), a Suíça e o Reino Unido, inclusivamente, o pequeno Luxemburgo, não tinha a vida facilitada: viviam em barracas, não falavam a língua do país de acolhimento nem possuíam qualificações profissionais. Dispunham apenas da sua força de trabalho, que era empregue nas fainas mais pesadas, na construção e obras públicas ou no saneamento e higiene urbana. Para os refractários e desertores da vida militar, tinham que estar sujeitos ao estatuto de refugiados políticos, não podiam pensar em regressar ao seu país de origem, pois seriam presos com a “classificação” de traidores à Pátria.Deixar a minha mãe sozinha a braços com a doença do meu pai, a “miúda”, e o facto de não saber quando voltava a este país á beira mar plantado, optei pelo mais “fácil”, ou seja, sujeitar-me a ser mobilizado para uma guerra, que maioritariamente os portugueses já condenavam, entrando nas fileiras, como recruta, a 2 de Maio de 1966, no quartel (C.T.S.C.) situado na Serra da Carregueira (Sintra).Aqui, desde inicio a disciplina imposta era muito rígida. Não havia facilidades para ninguém. As marchas de quilómetros, o rebolar pelas silvas e por terrenos acidentados propositadamente escolhidos, não me afectava grandemente. A prática, durante cerca de um ano, das modalid
ades desportivas – luta greco-romana – no Ginásio Clube Português e mais tarde Rugby no Sport Lisboa e Benfica – permitiu-me enfrentar sem grandes dificuldades a “radicalidade” da instrução militar. Os ombros, esses sim, tinham que suportar as dores originadas pelo “coice” ocasionado pelo disparo da espingarda mauser. Também me incomodava seriamente acordar de madrugada, quando menos previa para fazer exercícios militar. Três meses de esforço praticamente inútil, confirmando mais tarde quanto desajustado à guerra de guerrilha em África.
Raul Pica Sinos
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