O alf. Vaz Pinto, tinha grandes objectivos, passados e futuros, ele e outros familiares, estavam ligados ao Ténis de alta competição em Portugal, notando-se um “estar” diferente comparado a alguns “brogessos” da sua classe.
No período mais critico de ataques do PAIGC ao nosso quartel, habitualmente, à noite estavam sempre duas auto-metralhadoras Daimler de prevenção estacionadas frente à porta-de-armas, para, que quando começasse um ataque, logo as mesmas saissem disparando, na direcção do ataque, pois se o IN estivesse perto, seria uma persuasão.
Nesse dia de folga, tinha bebido umas bazookas valentes e à noite já estava “benza-te Deus”.
Sabendo que o alf. Vaz Pinto estava de oficial de dia, e que estava junto das Daimler, aproveitei, e para lá me dirigi para a conversa e com a esperança que ele me deixasse ir à messe de oficiais buscar “xarope” pois a minha “gripe” estava a piorar !!
Eu estava com um espírito “anedótica” de eleição, o alferes e o pessoal das Daimler riam que nem uns perdidos, senão quando se ouvem os estrondos das “saídas”...mais um ataque tinha começado...o pessoal salta para dentro das auto-metralhadoras, e uma delas arranca logo. Eu pirei-me para dentro da casa da guarda mas olhando para fora vejo o condutor da Daimler que não tinha saído a gesticular e aos gritos “não tenho apontador...onde está o ???” a aflição dele era tremenda...olhou para mim e disse “Justo embora pá, tenho que sair, vamos embora”.
Francamente nem hesitei, saltei para dentro da Daimler - ainda me entalei ao fechar a tampa de ferro - e ele arrancou para a estrada de Nova-Sintra.
As Daimler, todas fechadas, tem uma luz vermelha no interior, para o pessoal ter o mínimo de visibilidade, tem apontador e condutor, sendo que o apontador fica num nível mais elevado para disparar a metralhadora Dryse.
O condutor - tenho pena de não lembrar o nome - começa aos gritos...”dispara essa merda, porra...dispara prá frente”...e eu que não atinava com a Dryse...só tinha feito fogo com aquilo na recruta à quase um ano atrás...mas lá consegui começar a disparar - os disparos mesmo não vendo o IN, serviam para atemorizar e dar uma resposta rápida ao ataque - mas...que cena louca...a metralhadora não tinha colocado o resguardo-tipo saco para recolha dos envólucros vazios pós disparo, e o desgraçado do condutor, mais abaixo, sem capacete e aos berros, pois estava a levar com os envólucros em brasa, na cabeça, nas pernas...por todo o lado.
Deixei de disparar, e passados largos minutos, já com a Daimler de regresso ao quartel, tive a noção perfeita que me tinha passado a bebedeira, sentia-me perfeitamente sóbrio e todo eu tremia. Não falava...saí da viatura...olhei para o condutor...e arranquei dali para fora.
Felizmente, desta vez, tinha sido um ataque pequeno, sem consequências muito graves.
Já no Centro Cripto, sózinho...comecei a chorar compulsivamente e em silêncio...se alguém me visse, ou ouvisse...que vergonha !! “um militar não chora” tenho a certeza que se não tivesse com os copos, nunca iria para dentro da Daimler...sempre pensei que o medo é um reflexo de inteligência, mas a partir dessa noite fiquei a apreciar ainda mais os homens de Cavalaria, Artilharia e Infantaria, que todas as noites, tinham que sair para operações e emboscadas.
Viemos a saber depois, que o condutor Daimler de prevenção tinha apanhado uma “gripe” monumental e adormeceu na caserna. Conseguimos todos que o alf. Vaz Pinto não o lixasse.
Hoje compreendo perfeitamente o sofrimento dos camaradas com Síndrome Pós-traumático.
Zé Justo
1 comentário:
Eh Pá! Quase que também levei, bolas! Esqueceu-se de dizer que, pelos vistos, a morte saía à rua quase todos os dias e para todos. Perante isto, Leandro, como é que se safou?
Enviar um comentário