sábado, 26 de fevereiro de 2022

Pica Sinos fala ao Correio da Manhã

 Saiu hoje no Correio da Manhã, o depoimento do Pica Sinos. Obrigado amigo pela tua disponibilidade.

O Pica Sinos era primeiro cabo, no Centro cripto, em Tite e pertencia ao Batalhão de Artilharia 1914 (BART 1914).

Agradecidos ao Correio da Manhã, à sua Jornalista D. Manuela Guerreiro e aos seus fotojornalistas.

Leandro Guedes.




Passagem de modelos após o banho


O Pica na recruta
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"Raul Pica Sinos

Para que conste Este foi o texto que foi entregue à jornalista D. Manuela Guerreiro:

GUINÉ – NÃO SEI QUANTOS MIL ACOMPANHARAM NA VIAGEM

No cais de Alcântara em Lisboa, a 8 de Abril de 1967, despeço-me da família que me acompanhou ao embarque.

Não sei quantos mil na formatura. Um emproado oficial superior e sua comitiva fazem a revista da praxe. O embarque das tropas sucede-lhe ao som da fanfarra militar e do acenar dos lenços, o paquete Uíge largou amarras. A Torre de Belém fica para trás, a ponte sobre o rio Tejo já não se vê, a terra é coisa sumida aos meus olhos há muito rasos de água.

Tive a sorte de não ser colocado nos lugares do navio que outrora eram destinados às cargas. Os lugares destinados às praças, os porões, as mesas que serviam para refeições, em madeira, tinha a lotação para uma vintena de militares. Os beliches, também em madeira, acompanhava-as em altura. Os vomitados do enjoo eram constantes, a limpeza deveras precária que em conjunto com a falta do banho diário o cheiro era nauseante, asfixiante, o barulho dos motores

Etc., o ambiente era insuportável.

Foi neste contexto que os jovens militares obrigatoriamente mobiliados para a guerra fizeram a sua vida no navio Uíge que ancorou em Bissau no dia 14 do mesmo mês. Mas o pior estava para vir…a guerra. Aqui o sofrimento a todos tocou. Praças, Sargentos e Oficiais.

NO REGRESSO NEM TODOS E DIFERENTES

No quartel de Depósitos de Adidos em Brá/Bissau, na breve cerimónia de despedida do Batalhão de Artilharia (Bart1914) que regressa a Lisboa, é-me entregue um “papel verde”

…O Comandante Militar atesta o seu apreço pelos serviços prestados à Pátria na Província da Guiné…

Ficando, ainda hoje, por saber se a “Pátria” também atestou o seu apreço aos camaradas mortos, mutilados e estropiados do agrupamento.

Março de 1969, a tarde já vai alta.

Sem fanfarra e lenços a acenar soa a sirene do navio na partida. São menos os que partem, não são os mesmos jovens de outrora, a guerra tornou-os diferentes.

Nada importa que as mesas e os beliches nos porões do Uíge, pelo seu uso, não se notem que são de madeira. Negra já é a sua cor. Os vomitados do enjoo é coisa menor. A limpeza precária e a falta do banho diário, o barulho dos motores pouca ou nada incomoda.

Xc Naquela manhã de 9 de Março de 1969, a brisa do mar gela-me a cara, os meus olhos já avistam a terra e o rio que me viu nascer.

Além vêm-se cartazes.

Estou aqui Manuel…Leiria esperamos por ti…Família Santos aqui…Massarelos presente

Mães, pais, filhos, mulheres, noivas, amigos todos se abraçam!

Vou para casa onde a família me espera. A nuvem negra parece ter passado o sofrimento acabado. A guerra, essa sim durou mais cinco anos.

Raul Pica Sinos

1º Cabo – Operador de Cripto

Janeiro 2022"

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