"Álvaro de Campos
"Estou cansado, é claro," (adaptado)
Estou cansado, é claro,
De que estou cansado, não sei: (talvez do confinamento...)
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto — por enquanto...
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente: eis tudo. (estou a brincar)
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto me dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.
24-6-1935
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática,
1944 (imp. 1993). - 78.
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