quinta-feira, 2 de maio de 2024

O Soldado Castro

 Após a nossa conversa de hoje e depois de termos falado do Dr. Paraíso Pinto, junto o texto do dia em que eu descrevo o meu aniversário em 2 de maio de 1968, data em que fui informado de que tinha sido punido pela perda de um soldado em combate e, por esso motivo, impedido de poder gozar férias até maio de 1969.

Sorte que o então capitão Neves patrocinou a festa do meu aniversário com uma prenda e a leitura da ordem do dia com a minha punição.

Um abraço, meu caro.

Joaquim Caldeira                                                                                                                                                          -------------------

“O SOLDADO CASTRO

Nunca percebi porque sendo eu apenas um simples furriel, menos que sargento, tivesse que assumir funções que pertenceriam a oficiais ou, na sua ausência, a sargentos.

Em mais um regresso de Nova Sintra, comandando uma força de cerca de 30 homens, na qual se incluía o soldado Castro que até era da secção do sargento Faria, também integrante da força, sofremos uma emboscada. Mas antes o Faria tinha oferecido o cantil de aguardente ao Castro e, este, não se fazendo rogado, bebeu talvez em quantidade razoável. Ficou grogue e, durante o tiroteio, resguardou-se debaixo de umas raízes de embondeiro e por lá adormeceu. Tropa fandanga.

No final da emboscada, reunido o pessoal, certifiquei-me de que não tinha havido danos pessoais e, após comunicar com a sede do batalhão, certifiquei-me de estávamos todos e mandei prosseguir. Passadas duas horas fui informado de que faltava o Castro. Pensei logo o pior. Que talvez estivesse morto ou ferido e que, por eu nem sequer o conhecer - estávamos há muito pouco tempo na Guiné e ele nem pertencia à minha unidade - não tinha dado pela sua falta. O Faria também não. Nova comunicação para o batalhão a informar da falta de um elemento. Recebo ordens para prosseguir e informaram que pessoal da companhia de Nova Sintra, por estar mais perto do local da emboscada, iria procurá-lo. Mas não o encontrou. Quando acordou, ainda sob o efeito da cachaça, dando pela nossa falta, caminhou errante para Nova Sintra. Chegou lá no dia seguinte. Foi um heli buscá-lo para Tite. E eu tive um processo disciplinar que resultou em castigo de dois dias de detenção que vim a cumprir fora do quartel, a caminho de Bissássema.

Como não podia deixar de ser, estes processos são demorados e só vim a saber da minha punição uns meses depois. Precisamente no dia 2 de Maio, data do meu aniversário. Até foi giro. O capitão presenteou-me com uma lembrança, um álbum para fotografias e a nota de culpa.

Quanto ao Castro, por remorso tentou dar um tiro na boca e eu fui chamado para o impedir. Não me foi difícil convencer do seu erro, mas sei que ficou marcado para sempre.

Uns anos mais tarde, fui chamado para ser sua testemunha num processo em que pedia uma pensão de reforma, que lhe foi concedida por incapacidade motivada por stress de guerra. Perdi-lhe o rasto, mas gostava de reencontrá-lo.”

 


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