sexta-feira, 7 de julho de 2023

Lêde, relêde-o... Fernando Pessoa

 Tardia homenagem, quiçá, mas com propósito, pois se dele ''bebo'' cada dia inspiração e jeito, aí vos deixo reposto poema feito a pensar em FERNANDO PESSOA. 

Lêde, relêde-o. Apreciai e dai-me alguma nota disso.

Abraço-vos, a todos, com amizade total.

(LMD, 05.07.23)

À leitura, pois:

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A FERNANDO PESSOA

Do amigo, pela miríade de linhas deixadas, reconhecido…

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Nos dias terminais teimava, persistente e fino,

Em continuar isolado, naquele primeiro piso,

Propício e amplamente desguarnecido.

Cigarro após outro, fechado no quarto a fumar,

Melancólica ou freneticamente escrevia.

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Folhas manchadas a negro,

Com hesitações borradas e bela caligrafia…

Horas a fio, pela madrugada, a beber e fumar…

Tudo feito para se evadir, a fugir… de si,

Como um ignorante do mundo, sabendo-o, e perdido…

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Para não estar lá onde estava,

Onde estava e não voltar mesmo queria,

De vez acabar com ‘aquela’ vida de farsa,

A ‘correspondência comercial’, de dia, basta…

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Pela noite adentro, a Musa outra, a feérica Poesia!

Que lhe era medonha, dolorosa, crua, viva ciranda,

A vida de empregado de escritório… Uma zanga!

Bondava a náusea do que lhe sempre fora a vida!

Poetava:‘’Raios partam a vida…’’

Acrescentando: ‘’E quem lá anda!’’

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De beber proibido, por atenção e mérito,

O fim prestes estaria se bebesse, lhe dizia médico.

Um cálice só, só um mais, ainda!

Serena, confiadamente, pedia…

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E continuava a lide, a fumar e a beber,

Como alguém realmente persuadido

De a morte nunca ter existido!

Saía, pasta na mão, caminhando à vida, a beber e a fumar…

O fim previsto, vezes intimamente pedido,

Era assim falado: ‘’Neófito, não há morte.’’

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Pela vez última na Baixa, a derradeira,

Na taberna do Manacés, como se fora a primeira,

Uma vez mais, ali parou a fumar e a beber…

E sussurrou um segredo, do balcão abeirado,

Ao taberneiro, confidente e amigo, mui dobrado:

‘’Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?

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Não; vou existir. Arre! Vou existir.

E-xis-tir…

E-xis-tir…

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Dêem-me de beber, que não tenho sede! ‘’

A morte, como bálsamo, não procurava:

‘’Não há morte’’, afirmava.

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Sim, a existência, o existir…

O ‘’e-xis-tir’’, largo, compassado, bem repetido,

O ‘’e-xis-tir’’ que nunca houvera conhecido!

LMD, 05.07.20.

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