Bart 1914, Tite - Guiné
"Há pouco em conversa com o Pica Sinos, ele fez-me recordar a importância desta foto, não só pelos militares ali presentes, mas também pela importância estratégica do aquartelamento que ali ia ser construído e ainda pelos mortos e feridos que ali se verificaram, em circunstâncias verdadeiramente dramáticas, conforme tem sido amplamente referido noutros escritos tanto no blog do BART 1914, como neste e noutros facebook's, por vários militares intervenientes. Esta foto que o alf. Vaz Alves me enviou em Agosto de 2011, relata uma visita do Comandante Chefe da Guiné General António Spniola a Nova Sintra, em 5 de Junho de 1968, data esta que está escrita no verso da foto, pelo ten-cor Helio Felgas.. Esta foto vinha acompanhada da seguinte carta do alf. Vaz Alves, dirigida a mim. Repare-se na descontração da indumentária dos militares em pleno teatro operacional, embora perfilados... Para quem conheceu o Gen. Spinola sabe que isto só muito raramente era permitido.: -
"Amigo Guedes
Um abraço antes de mais e as
desculpas por só agora ir ao encontro do que me solicitaste. Já tinha há tempos
o “rascunho” feito desta história, mas perdi-lhe o sitio onde o tinha guardado.
Ontem, ao passar a vista no blog, envergonhei-me ao ler a tua carta e prometi a
mim mesmo que de hoje não passava a história da foto do comandante Spínola.
Não sei se a foto tem alguma data
no verso mas ela anda à volta do dia 7 de Junho de 1968.
A minha referencia vai para essa
data uma vez que tinha passado um mês sobre o inicio da construção de Nova Sintra.
(esta data confirma-se, escrita pelo então Ten-Cor. Hélio Felgas).
Nesse dia o comandante Felgas
disse-me que no dia seguinte viria a Nova Sintra a Companhia Operacional de
Tite e por sua vez a Companhia de Nova Sintra ia a S.João buscar reabastecimentos.
Nessa altura a ementa estava limitada a arroz com chouriço e chouriço com
arroz.
A chegada dos helicópteros com a
poeira do quartel ainda em construção, encheu-nos a panela de areia e arroz. Ao
mastigar é que notávamos a diferença.
O comandante Spínola viu a
situação e no dia seguinte enviou alguns helis com frango e outros alimentos.
A situação era um pouco “gágá” em
termos de segurança, uma vez que fiquei só no quartel, a fazer a defesa e a
segurança aos helicópteros, com alguns cozinheiros e elementos do meu pelotão,
num total de cerca de uma dúzia de homens. Isto porque o meu pelotão (Nativos
66) tinha sido reduzido por ferimentos no 1º. ataque ao quartel, em 10 de Maio.
Nesse ataque vi uma série de
granadas de morteiro a explodirem nas árvores em frente ao meu abrigo.
Essas que explodiram em cima das
árvores, espalhavam os estilhaços e atingiam as pessoas em especial na cabeça.
Uma das que não explodiu em cima, veio pela árvore abaixo, atingir o Sapador
Neto, que faleceu dali a dois dias.
Algumas dessas granadas, pelo que
me disse o rádio telegrafista, que estava com o meu pelotão, andaram por bem
perto de mim, com os estilhaços a ficarem marcados na árvore do meu abrigo.
Nesta dia, melhor, a esta hora
lembrei-me de Bissássema e até a sombra dos baga-baga, lembravam alguém a
rastejar na nossa direcção. Aliás nesse ataque os “turras” chegaram a tropeçar
no arame farpado.
Nesse período de Bissássema, eu
não estava em Tite, porque fui destacado pelo Quartel General, para fazer
exames aos que tivessem 3ª. ou 4ª. classe, como se dizia na altura.
Foi o período negro do Batalhão
em que, além de Bissássema com a captura pelo IN do Alf. Rosa e dos Soldados
Contino e Capítulo, (da CART 1743) rapazes das transmissões, aconteceram a
morte do Alf. Carvalho, do Soldado Victor e do furriel Rato, que trabalhava ao
meu lado na sala de operações, em Tite.
da esquerda para a direita: Rato,
Vaz Alves e Bagulho
Durante esses quatro meses o
Comandante Felgas pressionou o Quartel General de tal maneira que tive de
voltar a Tite. Ele argumentava que eu lhe fazia falta, mas o que é certo é que
logo a seguir me mandou para Nova Sintra, como que “castigado”, embora eu nada
fizesse para sair para os exames. Conheci no entanto vários pontos da Guiné e
cheguei a pernoitar em Madina do Boé (o Algarve da Guiné...).
Com estas e com outras já não te
falava na foto.
Em primeiro plano estão o Alf.
Domingos Sá, um antigo colega meu do Liceu de Braga e que faleceu num dos
ataques a Nova Sintra, em finais de 1968.
Logo a seguir aparece o Cap.
Vicente que estava a comandar a Companhia Operacional 1802 em Nova Sintra, a
substituir um Capitão que tinha sido apanhado por uma mina anti-pessoal.
Voltando ao caso da foto, queres
saber o porquê da foto com toda a gente em calções e tronco nu? É simples. Era
assim que se andava há um mês, com barba por fazer, vestidos o mais aligeirado
possivel. Ninguém avisou da ida do Gen. Spínola e os guarda fatos estavam
“fechados”, com as fardas nº. 1.
Aliás, o nosso banho era tomado
com uma mangueira não sei de quantos polegadas e um motor a puxar água dum
charco. Tenho a impressão que no meu album, que há tempos vos enviei, existe lá
uma foto do banho, penso que com o Cap. Vicente, o Alf. Sá e eu.
Sem mais, aí vai mais um abraço e
telefona quando receberes este “arrazoado.
Vaz Alves".
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