A família tem origem dinamarquesa pelo lado paterno. O seu
avô, Jan Eenrik Andresen, desembarcou um dia no Porto e nunca mais abandonou
esta região.
Em 1895, seu pai, João Henrique Andresen adquire a Quinta do
Campo Alegre, hoje Jardim Botânico do Porto. Será este comerciante de vinho do
Porto que recupera os jardins, impondo o estilo romântico
dominante na época.
Além de Sophia, outro membro desta ilustre família se
tornaria escritor: Ruben A. Este último viveu mesmo na Quinta do Campo Alegre,
sendo as suas memórias um importante registo histórico da época.
______________________
Às vezes, ao tentar dormir, digo coisas a Deus.
JO Se tivesse a força para mudar qualquer coisa, o que mudaria?
A diferença entre ricos e pobres
A diferença entre ricos e pobres
JO De que tem medo nesta vida?
Tenho medo de viver ainda muitos anos. Viver pode ser muito agradável até aos 60, 65 anos. Depois, começa a ser complicado.
Tenho medo de viver ainda muitos anos. Viver pode ser muito agradável até aos 60, 65 anos. Depois, começa a ser complicado.
JO Já disse que estar feliz é fundamental para escrever bem. Tem uma obra muito extensa, isto significa que foi muito feliz?
Talvez. Hoje escrevo pouco, falta-me aquela felicidade que eu tinha. A relação com a natureza, com o mar, com a terra.
Talvez. Hoje escrevo pouco, falta-me aquela felicidade que eu tinha. A relação com a natureza, com o mar, com a terra.
JO O que gostaria de ver realizado em Portugal neste novo século?
Gostaria que se realizasse a justiça social, a diminuição das diferenças entre ricos e pobres. Mais justiça para os pobres e menos ambições para os ricos. O resto é-me indiferente.
Gostaria que se realizasse a justiça social, a diminuição das diferenças entre ricos e pobres. Mais justiça para os pobres e menos ambições para os ricos. O resto é-me indiferente.
JO O que considera mais importate na sua vida?
Foi importantíssimo o nascimentos dos meus filhos.
Foi importantíssimo o nascimentos dos meus filhos.
...Nunca consegui escrever quando estava a sofrer ou com qualquer dor. Fluía melhor quando me encontrava feliz
__________________ Saudades do mar
Quando eu era nova e vim para Lisboa senti-me longíssimo da
praia porque no Porto vivia mais perto do mar. Não gostava de Lisboa, tinha uma
grande nostalgia do Norte. Depois isso foi passando. E hoje gosto de Lisboa...
____________
"...Mas o Algarve que eu descobri maravilhada, aí em 1961, não é este de agora. Aí está: é um dos problemas graves do país, pensa-se que a cultura é só livros, teatros, cinemas, mas a cultura tem a ver com o dia-a-dia e o comportamento das pessoas. E a cultura, no quotidiano, foi destruída, como o Algarve foi destruído. O Algarve era uma maravilha. (...)
CAMINHO DA MANHÃ
"...Mas o Algarve que eu descobri maravilhada, aí em 1961, não é este de agora. Aí está: é um dos problemas graves do país, pensa-se que a cultura é só livros, teatros, cinemas, mas a cultura tem a ver com o dia-a-dia e o comportamento das pessoas. E a cultura, no quotidiano, foi destruída, como o Algarve foi destruído. O Algarve era uma maravilha. (...)
Bem, no Algarve, em relação ao Norte, não há aquele cheiro a
maresia, a iodo. Mas o Algarve tem para mim a grande vantagem do calor, dos
dias quentes, de que gosto muito. E ainda me lembro das grutas da Praia de D.
Ana onde se ia de barquinho a remos, sem barulho, sem cheiro a gasolina,
chegava-se lá e estavam desertas, («o esplendor pairava solene sobre o mar»),
das cidades calmas e maravilhosas. Lagos era uma cidade meticulosamente limpa,
cheia de gente honesta.
Passei vários Verões numa casa em que tinha só um fogareiro
e um fogão de dois bicos, não tinha sequer esquentador. Havia um depósito no
telhado em que a água ficava morna e era suficiente. Não tinha frigorífico,
havia só uma geleira e um homem que vinha todos os dias, de carroça, trazer
gelo.
Muitas vezes eu ia a Lagos a pé, às compras. Outras vezes ia
a empregada. Um dia ensinei-lhe o caminho e o que havia de comprar, etc., para
ela fazer o que eu tinha feito sozinha na véspera. Depois de lhe dizer tudo
isso apercebi-me que aquilo era uma espécie de poema e escrevi mais ou menos o
que lhe tinha dito. Chamei-lhe «Caminho da Manhã»:"
CAMINHO DA MANHÃ
Vais pela
estrada que é de terra amarela e quase sem nenhuma sombra. As cigarras cantarão
o silêncio de bronze. À tua direita irá primeiro um muro caiado que desenha a
curva da estrada. Depois encontrarás as figueiras transparentes e enroladas;
mas os seus ramos não dão nenhuma sombra. E assim irás sempre em frente com a
pesada mão do Sol pousada nos teus ombros, mas conduzida por uma luz levíssima
e fresca. Até chegares às muralhas antigas da cidade que estão em ruínas. Passa
debaixo da porta e vai pelas pequenas ruas estreitas, direitas e brancas, até
encontrares em frente do mar uma grande praça quadrada e clara que tem no
centro uma estátua. Segue entre as casas e o mar até ao mercado que fica depois
de uma alta parede amarela. Aí deves parar e olhar um instante para o largo
pois ali o visível se vê até ao fim. E olha bem o branco, o puro branco, o
branco da cal onde a luz cai a direito. Também ali entre a cidade e a água não
encontrarás nenhuma sombra; abriga-te por isso no sopro corrido e fresco do
mar. Entra no mercado e vira à tua direita e ao terceiro homem que encontrares
em frente da terceira banca de pedra compra peixes. Os peixes são azuis e
brilhantes e escuros com malhas pretas. E o homem há-de pedir-te que vejas como
as suas guelras são encarnadas e que vejas bem como o seu azul é profundo e
como eles cheiram realmente, realmente a mar. Depois verás peixes pretos e
vermelhos e cor-de-rosa e cor de prata. E verás os polvos cor de pedra e as
conchas, os búzios e as espadas do mar. E a luz se tornará líquida e o próprio
ar salgado e um caranguejo irá correndo sobre uma mesa de pedra. À tua direita
então verás uma escada: sobe depressa mas sem tocar no velho cego que desce
devagar. E ao cimo da escada está uma mulher de meia idade com rugas finas e
leves na cara. E tem ao pescoço uma medalha de ouro com o retrato do filho que
morreu. Pede-lhe que te dê um ramo de louro, um ramo de orégãos, um ramo de
salsa e um ramo de hortelã. Mais adiante compra figos pretos: mas os figos não
são pretos: mas azuis e dentro são cor-de-rosa e de todos eles corre uma
lágrima de mel. Depois vai de vendedor em vendedor e enche os teus cestos de
frutos, hortaliças, ervas, orvalhos e limões. Depois desce a escada, sai do
mercado e caminha para o centro da cidade. Agora aí verás que ao longo das
paredes nasceu uma serpente de sombra azul, estreita e comprida. Caminha rente
às casas. Num dos teus ombros pousará a mão da sombra, no outro a mão do Sol.
Caminha até encontrares uma igreja alta e quadrada.
Lá dentro
ficarás ajoelhada na penumbra olhando o branco das paredes e o brilho azul dos
azulejos. Aí escutarás o silêncio. Aí se levantará como um canto o teu amor
pelas coisas visíveis que é a tua oração em frente do grande Deus invisível.
in Livro
Sexto, 1962
Sophia de Mello Breyner
Sophia de Mello Breyner Andersen....Uma grande escritora...
ResponderEliminarEstes excertos aqui publicados são uma merecida homenagem como merecida é a sua trasladação para o Panteão Nacional...
Gosto de toda a sua obra...
Adoro os seus poemas...!!!
Uma grande Senhora....
Obrigado Albertina pelo seu comentário.
ResponderEliminarNa verdade o artigo estava incompleto, pois uma das transcrições não passou. Agora sim.
Boas férias.
LG.
Bela evocação....
ResponderEliminarFicará sempre com todos....
Abraço
Obrigado Andrade pelo comentário.
ResponderEliminarUm abraço.